CRÍTICA – RIVAIS

CRÍTICA – RIVAIS

Rivais é um filme sensorial no qual a direção soube trabalhar muito bem com planos, movimentos de câmera, sonoridades e musicas criando uma experiência única e imersiva. Enquanto acompanhamos uma historia que em essência é muito simples: dois rivais de profissão e romance se reencontram e seu relacionamento de anos é relembrado em meio a disputa de tênis. Esse caráter único do filme construído pela direção e roteiro me chamou muita atenção desde o início. Acredito que esse é o melhor trabalho do diretor Luca Guadagnino que aqui não parece ter medo algum em experimentar todas as possibilidades do audiovisual. Além disso, toda a sua equipe foi claramente muito bem conduzida e todos os setores conseguiram entregar trabalhos maravilhosos, como o departamento de som, fotografia e os atores.

Ainda sobre o caráter sensorial do filme, irei dar alguns exemplos de quando, como isso acontece e quais sensações foram provocadas em mim. Durante a partida de Art contra Patrick somos sempre lembrados do quão quente está de diversas formas, ouvimos instruções para que as pessoas que estão assistindo a partida se hidratem por conta do calor e a coloração das imagens é mais puxada para tons quentes. Além disso, sentimos o quão quentes estão os jogadores durante a partida por meio das atuações e decupagem dos planos. Um dos primeiros planos do filme é mostrando um plano detalhe do suor pingando do rosto de Art em uma partida e essa escolha da direção se repete ao longo da grande disputa entre Patrick e Art. Somado a isso, os próprios atores transmitem o calor e exaustão dos jogadores nos momentos de pausa do jogo e em suas respirações. Tudo isso, contribui para que eu também sentisse esse calor e por alguns momentos meu corpo esqueceu que estava em Curitiba em um dia frio de Outono. Por meio do excelente trabalho visual e sonoro, minha mente e meu corpo foram enganados sentindo que estávamos em um dia de calor de Verão em Nova Iorque.

Além do fator sensorial, o filme também é repleto de subjetividades das três personagens principais: Tashi interpretada por Zendaya, Art interpretado por Mike Faist e Patrick por Josh O’Connor. E para representar a subjetividade de cada um, o filme não precisou fazer pontuações extremamente obvias de que “agora estamos vendo o ponto de vista de fulano”. Não, o filme acredita na inteligência de seu espectador e nos entrega uma história com três pontos de vista diferentes. Para ilustrar como o filme faz uso da subjetividade e sensorialidade, irei analisar brevemente uma cena em que o ponto de vista é principalmente o de Tashi. Nessa cena, Tashi e Art tinham acabado de ter uma conversa que dá a entender que o casamento dos dois pode acabar por conta da baixa auto-estima dele. Do lado de fora do hotel, uma ventania que parece que vai formar um furacão atravessa as ruas com uma violência sem tamanho. Essa ventania serve para nos ambientar no local em que o filme se passa e a estação do ano, mas, além disso, também representa o estado mental de Tashi: vivendo esse casamento com Art e gerindo sua carreira por tantos anos, deu a Tashi uma estabilidade e uma vida em que ela se sente no controle de tudo, mas agora isso está em colapso. Assim, quando Tashi sai do hotel, deixando seu marido e filha para se encontrar com Patrick, seu estado mental e a ventania violenta parecem ser um só. Ao se encontrar com Patrick dentro de um carro, estamos sempre sendo lembrados da ventania e da instabilidade daquele momento. Enquanto Tashi luta contra sua paixão por Patrick, ela também não consegue resistir. Ao mesmo tempo em que Tashi aceita se tornar a nova treinadora de Patrick abandonando a gestão da carreira de Art, ela também pede para que Patrick deixe Art ganhar aquela partida com o intuito de fazer com que ele recupere sua autoestima. Toda a sequência da ventania, para mim, é um dos melhores momentos do filme, pois vemos o estado mental de vai e vem dentro da mente de Tashi ser expressa por ela junto ao caos que acontece do lado de fora.

Dessa forma, é impossível falar desse filme sem citar o nome da Zendaya que aqui interpreta Tashi. Uma atriz que vem sabendo escolher muito bem os seus projetos para tanto conquistar o público geral em seus filmes de super-herói, quanto mostrar suas habilidades na atuação em projetos mais autorais. Por meio dessa personagem, Zendaya demonstra uma enorme capacidade ao fazer uma personagem dramática, intensa, apaixonada e com uma visão sobre o que significa amar e ter um relacionamento muito diferente do comum. Por mais explosiva e expressiva que Tashi possa ser, a atriz ainda tem o cuidado com os detalhes ao interpretar uma mulher que sempre foi apaixonada por dois homens, uma atleta que não pode voltar às quadras, uma mãe que se doa para a profissão de seu marido tendo pouco tempo com sua filha e uma profissional que deseja impulsionar de todas as formas possíveis os atletas que auxilia. Além disso, Zendaya trouxe um caráter muito essencial para a personagem que é o seu status de “it girl”¹. Assim como Tashi, a atriz é conhecida por sua excelência em sua profissão, seu cuidado com a imagem, seu poder econômico tendo aliança comercial com marcas e sua beleza encantadora. Zendaya há um bom tempo é conhecida por aqueles que acompanham a moda como uma celebridade e atriz que sabe escolher muito bem suas roupas em tapetes vermelhos e eventos importantes chamando atenção em meio de um mar de famosos que parecem perdidos nesse mundo da moda. Ela parece dominar muito bem tudo o que faz, seja a atuação, a moda e sua vida pessoal, tudo parece perfeito aos olhos do público. Da mesma forma, Tashi é uma “it girl” que é conhecida e adorada, principalmente por Patrick e Art, por seu caráter de perfeição. Para eles, Tashi é como uma divindade, assim como para muitos Zendaya também é.

Para analisar esse ponto de vista mutuo de Patrick e Art por Tashi sendo vista como uma deusa, irei comentar um pouco sobre a cena em que conversam na praia quando adolescentes no dia da festa dela. Na cena, Tashi está sentada em uma pedra sendo banhada pelo luar remetendo a iconografia de sereias. Somado a isso, o som nos prende de uma forma que parece tentar nos hipnotizar junto com a voz de Zendaya. Sentimos como se estivéssemos caindo nas profundezas daquela paixão presos pelo encanto daquela sereia assim como Art e Patrick. Apesar disso tudo, o que eu adorei ver nesse filme é como ele não se deixa levar por essa característica simples da “it girl” e não deixa Tashi como uma protagonista rasa. Enquanto acompanhamos a vida deles no período da faculdade e, depois, na vida adulta, percebemos como aquela imagem de perfeição vista por Patrick e Art não é real. Tashi no fim das contas é uma mulher repleta de defeitos e limitações como qualquer outro. Isso deixa a personagem ainda mais interessante e complexa para uma atriz interpretar, afinal não é apenas uma interpretação de “moça bonita” e Zendaya tirou de letra tudo o que era necessário ser feito aqui.

Outro ponto sobre o filme que traz uma complexidade para a atuação é como em Rivais, Zendaya, Mike Faist e Josh O’Connor precisam trazer a vida suas personagens em diferentes períodos de vida. Isso demanda um grande estudo de personagem ao precisarem conhecer muito bem o emocional e os corpos das personagens que passam por fortes mudanças por conta de sua profissão como atletas de tênis. Vemos como os machucados visíveis de cada um deles se comportam: lesão no joelho, no braço e nas costas são destacados pelos planos detalhes da fotografia. Além disso, vemos uma diferença na forma de se comunicar e expressar no esporte ao passar dos anos. Na adolescência, Patrick sacava de maneira engraçada expressando sua natureza descontraída, com o passar dos anos ele aceita começar a sacar como os outros para ser aceito como um atleta de verdade e não apenas um jogador amador.

Esses pequenos detalhes relacionados ao esporte presente nas personagens servem como pequenas pistas sobre o caráter emocional de cada um deles e como mudaram a cada pulo temporal. Essa relação emocional com o esporte é apresentada por Tashi na cena na praia quando adolescentes. Nessa conversa é estabelecido por ela como o tênis é um esporte no qual as partidas são como a extensão de um relacionamento entre os dois em quadra. Dessa forma, para um jogo ser interessante de fato é necessário que haja uma conversa entre os dois jogadores por meio do tênis. Tashi pede para que os dois quando forem jogar um contra o outro entreguem uma partida satisfatória que representasse o relacionamento deles. No entanto, os dois se cegam tanto pela admiração que tem por ela que o jogo parece muito mais uma extensão do relacionamento de cada um deles com Tashi. Isso se repete na principal partida do filme, o “Challenger”, e em todos os encontros informais que eles têm ao longo da vida em que conversam sem aprofundar a relação, sempre tendo Tashi nas entrelinhas e se esquecendo do que sentem um pelo outro. No entanto, no último set da partida do “Challenger” tudo muda quando Patrick ao sacar a bola usa um sinal que só os dois entenderiam para se comunicar com Art. A partir desse momento, o encanto que Tashi tinha sobre os dois é quebrado e a partida se torna sobre eles.

Essa retirada do foco sobre Tashi é representado pela forma que ela assiste à partida. Anteriormente, ela se posicionava em um grau de superioridade no qual nem precisava acompanhar a bola como as outras pessoas. Ela agia como uma espectadora divina que sempre está a mil passos a frente dos outros ali presentes, afinal a partida era com ela. Tashi jogava aquele jogo, já que a partida se estabelecia por meio de uma conversa paralela de Patrick com Tashi e Art com Tashi. No momento em que Patrick e Art começam a se comunicar de uma forma que Tashi não compreende, ela perde sua superioridade e começa a acompanhar como os outros, perdida entre o zigue-zague da bola. No fim, a disputa acaba de uma maneira na qual não importa quem ganhou. O que importa é que por meio de uma jogada e da aproximação dos dois até a rede, Art cai em cima dos braços de Patrick e eles acabam o jogo com um abraço forte demonstrando a retomada desse relacionamento. Vemos Tashi primeiro gritar “Come on!” que pode significar “Vamos lá!”, como na legenda, ou “Qual é!”, ela primeiro tem uma expressão raivosa como ela sempre teve em suas partidas, mas logo essa expressão se dissolve para uma alegria. Não fica claro em palavras o que essas expressões de Tashi significam, mas acredito que seja sobre o conflito de Tashi, a ex-jogadora, atual treinadora e empresária, com Tashi, a mulher apaixonada que sempre desejou incentivar a união entre os dois homens que ama, pois ela via nitidamente os sentimentos que eles tentavam esconder um do outro desde a adolescência.

Em conclusão, esse é um filme que me apaixonei logo na primeira vez que vi. Com toda certeza irei assisti-lo novamente assim que estrear nos cinemas. Fico muito feliz ao ver uma produção com tanta qualidade e com nomes relevantes como Zendaya e Luca Guadagnino envolvidos. Ainda mais feliz ao ver eles nos surpreenderem com a qualidade de seus trabalhos. Rivais é a obra-prima dos dois, um filme que nos presentearam toda a sua capacidade artística.

 

1 – It girl: uma jovem mulher que tem uma vida perfeita aos olhos do público. Ela é bonita, tem uma profissão consolidada, boas amizades e namoros. Muitas vezes estão ligadas à moda e criam tendências.


Filme: Challengers (Rivais).
Elenco: Zendaya, Josh O’Connor e Mike Faist. 
Direção: Luca Guadagnino.
Roteiro: Justin Kuritzkes.
Produção: Estados Unidos.
Ano: 2024.
Gênero: Drama, Romance e Esportes.
Sinopse: Tashi, uma treinadora de sucesso, transformou seu marido em um campeão mundial. Mas para superar uma sequência de derrotas, ele precisa enfrentar o ex-melhor amigo e ex-namorado de Tashi.
Classificação: 14 anos.
Distribuidor: Amazon Studios e Warner Bros.
Streaming: Não disponível.
Nota: 10

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