CRÍTICA – SOBREVIVENTES: DEPOIS DO TERREMOTO

CRÍTICA – SOBREVIVENTES: DEPOIS DO TERREMOTO

Todos os anos, há uma variedade de filmes sendo lançados sobre catástrofes, sejam elas “naturais” ou causadas por monstros etc. Em 2023, a Coreia do Sul ousou ao lançar Sobreviventes – Depois do Terremoto (Konkeuliteu utopia) e submeter o filme à apreciação da Academia para a categoria de Melhor Filme Internacional, não conseguindo uma vaga na shortlist divulgada a algumas semanas. O filme conta, ainda, com uma continuação com lançamento previsto para este ano.

Estrelado por um elenco bastante popular tanto na Coreia do Sul quanto no resto do mundo (Lee Byung-hun, Park Seo-joon, Park Bo-young, Kim Sun-young, entre outros), a narrativa de Sobreviventes gira em torno de um grupo de pessoas que, após um grande terremoto na capital sul-coreana Seul, sobrevive no único prédio que se manteve em pé após o impacto. O conflito entre os moradores desse prédio e as outras pessoas que ficaram vivas é o centro da discussão do filme. Pouco a pouco, a humanidade cede seu lugar à bestialidade e as atitudes, conduzidas em nome da “sobrevivência”, começam a se tornar violentas.

Em muitos sentidos, Sobreviventes não pode ser considerada uma obra original. O tema “desastre”, já batido na indústria, se sobressai aqui por conta de algumas escolhas acertadas na produção do longa-metragem. Uma delas está no fato de o terremoto em si não tomar tanto do tempo de tela do filme, que quando se inicia, já se ambienta no lugar de destruição após o “incidente”. Há, é claro, algumas cenas do grande impacto, que por não serem tantas, se mostram com uma grande qualidade de produção, sendo assim um dos principais pontos positivos do filme.

Um dos principais pontos baixos da obra do diretor e roteirista Eom Tae-hwa está na escalação de seu elenco principal. Lee Byung-hun (Eu vi o Diabo, 2010; Round 6, 2021-), ator veterano e um dos melhores de sua geração, interpreta um personagem chave na construção da narrativa do filme e não há o que falar de negativo sobre sua performance. Entendemos que a escolha de Park Seo-joon (Parasita, 2019) para um dos papeis principais dessa história se assenta no fato de que o ator é um nome bastante popular e que com certeza levou muitas pessoas a procurar assistir o filme, porém, sua performance limitada não o ajuda na interpretação de um personagem tão importante para a trama. Park Bo-young, que atua como sua esposa, carrega sozinha as cenas de maior apelo dramático.

Acredito que o grande acerto de Sobreviventes está em apresentar a natureza das ações humanas em meio às situações trágicas em que seus personagens se encontram. Há uma linha do texto onde uma personagem diz que não há mais diferença entre um pastor e um assassino, assumindo que títulos e hierarquia social se foram junto com os restos da cidade. A nova hierarquia que toma lugar se dá, então, através do último bem material que restou àquelas pessoas: o único prédio em pé. Ao se intitularem como os “escolhidos”, esses moradores orgulhosos assumem uma posição de liderança naquele ambiente e tiram, à força, as baratas – pessoas intrusas de outros prédios na vizinhança que buscam um lugar para se abrigar.

É muito avassalador o efeito que a crise tem sobre as pessoas que se encontram em seu centro e aqui, o diretor Eom aposta na saída já certa ao apresentar o embate entre certo e errado. Ainda assim, cabe a pergunta: o que é, realmente, o certo a se fazer em uma situação como essa? O ponto forte da narrativa está em conduzir o espectador, através de uma única personagem, a enxergar toda a podridão que pode estar escondida nos corações daqueles mais próximos. Ninguém conhece ninguém até que uma situação extrema lhes atinja. Talvez a parte mais fictícia de todo o enredo de Sobreviventes seja justamente o fato de existir alguém que tenha ainda algum escrúpulo após estes acontecimentos.

É claro que, para a estrutura catástrofe-desumanização-esperança dar certo é preciso que haja estes personagens chave para a concretização do plano de roteiro. Cada um deles simboliza uma “fase” dessa estrutura e tem papel importante na condução dos atos que culminarão na “segunda” catástrofe, que não se dá por conta de outro terremoto ou alguma outra situação da “natureza”, mas que se cria e explode dentro do microcosmo criado pelos mesmos simples moradores organizados em criar uma “nova reforma” em seu prédio, tentando manter o padrão de vida ali dentro elevado, não importando o que esses homens façam do lado de fora para conseguir os recursos para a sobrevivência.

A discussão lá do início, sobre não haver mais diferenças entre um pastor e um assassino, cai por terra a medida em que os acontecimentos vão levando esse grupo de pessoas a se sentir melhores que as ditas baratas que estão do lado de fora. A sobrevivência, tema em evidência durante a maior parte do filme, deixa de ser o mote principal destes personagens para se tornar um veículo para todo tipo de ações moralmente duvidosas.

O roteiro acerta em apresentar tais situações e deixar ao público o ato de julgá-las. Fantasiar sobre esse tipo de circunstância é uma ótima maneira de pensar a sociedade como um todo. Estaríamos mais próximos de uma desumanização em meio a uma crise, ou estaríamos do lado da esperança de que as coisas melhorariam se trabalhássemos em equipe? Talvez o maior problema da esperança esteja no fato de que precisaríamos acreditar no próximo sem saber o que esperar.

Sobreviventes – Depois do Terremoto estreia em 18 de janeiro nos cinemas.


  Filme: Konkeuliteu utopia (Sobreviventes – Depois do Terremoto)
Elenco: Lee Byung-hun, Park Seo-joon, Park Bo-young, Kim Sun-young, Park Ji-hu, Kim Do-yoon, Lee Seon-hee, Kwon Eun-seong
Direção: Eom Tae-hwa
Roteiro: Eom Tae-hwa, Lee Shin-ji
Produção: Coreia do Sul
Ano: 2023
Gênero: Drama, Ficção Científica, Suspense.
Sinopse: Depois de um grande terremoto, apenas um prédio de apartamentos sobrevive em Seul, na Coreia do Sul. Pessoas de fora lotam os apartamentos Hwang Gung, mas os moradores não conseguem lidar com o número crescente.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Paris Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 7,5

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