CRÍTICA – UM FILME DE CINEMA (2023)

CRÍTICA – UM FILME DE CINEMA (2023)

Preciso iniciar meu texto confessando que eu perdi o prazo de entrega dessa crítica – assisti ao “Um Filme de Cinema” (2023) através de uma cabine de imprensa online realizada em setembro de 2023 –, mas nunca deixei de querer escrever sobre esse filme. Além disso é preciso enfatizar que reconheço todo o esforço do diretor Thiago B. Mendonça em criar uma obra que seja consumível pelos pequenos. A linguagem, o estilo de câmera, as dinâmicas em cena, os diálogos utilizados e outros elementos confirmam essa ideia de preocupação para que o filme fosse, de fato, de fácil entendimento. O problema é que essa preocupação se tornou maior do que a ideia do filme. Por isso, por diversos momentos, vemos uma acentuação da infantilidade que, nessa forma exacerbada, prejudica e muito a mensagem que o filme quer passar – o brincar de forma lúdica com a história do Cinema.

Quanto a bibliografia utilizada para nortear toda a linha temporal do surgimento do cinema, esta é elucidativa e bem clara, com uma linguagem simples e didática. Essa metodologia enriquece a obra, mas acaba perdendo força com a trama pobre que o filme desenvolve.

A história é centrada na figura da personagem Bebel, vivida pela própria filha do diretor, Bebel Mendonça. Ela é uma criança por volta dos seus oito anos de idade e tem um projeto escolar para entregar no final do mês. Pela influência do seu pai que é um diretor de cinema, uma espécie de representação do próprio diretor Thiago B. Mendonça, ela tem a ideia de fazer um filme. Esse mote para o filme engrenar e se lançar através da história do cinema é muito bem pensado e realmente faz com que muito da história se encaixe. A cena em que ela e seu pai revivem algumas passagens de O Mágico de Oz, ou quando fazem uma imitação de Charles Chaplin, e até o uso de registros de filmes antigos conseguem preencher certos vazios da obra, mas não o bastante para tornar o filme coeso. A impressão que fica é que existia uma ideia de unidade fílmica, mas que não souberam concretiza-la dentro do filme.

A montagem, por exemplo, ficou prejudicada por conta de alguns cortes em que a cena seguinte era totalmente fora do tempo/espaço do que estava sendo mostrado anteriormente e depois tornava a voltar para aquele tempo (Ela visita o avô/Cena na escola/Novamente na casa do avô). Tal falha comprometeu a organicidade da obra, de modo que o travamento por parte do espectador se torna algo certo ao assistir tais cenas.

A tentativa de utilizar a história do cinema dentro de um filme de ficção e, este mesmo filme, ainda flertar com o documental colocou a obra em um ziguezague de importância. Em grande parte do filme é possível perceber a história do cinema sendo contada, seja metaforicamente, literalmente ou através dos momentos de afeto entre pai e filha. E são nestes momentos que o filme funciona e que consegue, de forma efetiva, se conectar com o público. Porém quando entra em um pseudo-documental, com Bebel entrevistando o zelador da escola, a faxineira da escola e o próprio pai, tudo desanda. Não por conta da entrevista em si, mas por uma preocupação que não soa crível para uma criança e sequer se utiliza de uma linguagem infantil que até então era constantemente reforçada no filme.

Até aqui o que foi dito nesse texto infere em erros e acertos em uma estrutura organizacional pensada para um filme: onde determinada cena vai entrar, os cortes para criar dinâmica ou a inserção de uma trilha sonora para criar emoção. Mas o grande problema do filme está na interação dos personagens, sobretudo pai e filha. Preciso assumir que, como pai que sou, a isto, talvez, eu tenha dado importância demais. Mas não posso deixar de pontuar a falta de carinho por parte do pai para com Bebel que por muitas vezes é visto em cena. É nítido que aquele personagem passa por uma pressão profissional, pessoal e, até mesmo, existencial, mas, ainda assim, não há desculpa para o tratamento dado à sua filha. E isso se estende a outros personagens, só que em menor grau (Mãe, diretora e professora).

Bebel é uma criança com sua criatividade em maior potência, a margem de qualquer limitação ideológica, com uma mente como se fosse um livro em branco, absorvendo tudo e, em contrapartida, vemos todos aqueles “agentes” cerceando essa oportunidade de crescimento, limitando a experiência do conhecimento. Mas como disse anteriormente o que mais incomoda, de fato, é a relação de Bebel com seu pai. É doloroso ver um homem que é visto por sua filha com uma certa idolatria, sendo extremamente mesquinho e grosseiro com aquela com quem ele deveria apenas dar amor e atenção. Isso, realmente, destrói o filme para mim.

Muito por isso minha experiência foi definhando cada vez mais ao passar dos minutos. Os pontos positivos acabaram sendo enevoados por cenas em que o pai é extremamente estúpido com Bebel sem que ao menos, no decorrer do filme, houvesse um pedido de desculpas. Essas “desculpas” são registradas através de atos em que o pai volta atrás em algumas de suas decisões. Isso nunca será o bastante em uma relação como a de pai e filha.

Thiago B. Mendonça percebe que o desenho do personagem do Pai está sobre uma linha muito tênue do que é aceitável hoje em dia e o que beira uma certa violência. Talvez por isso estimule tanto o espectador no desfecho do filme. Mas o que era para ser uma cena tocante, se limitou a ser cafona.


Filme: Um Filme de Cinema
Elenco: Bebel Mendonça, Isadora Mendonça, Rodrigo Scarpelli, Eugênia Cecchini, Antonio Petrin, Alípio Freire, Carlos Francisco, Camila Urbano
Direção: Thiago B. Mendonça 
Roteiro: Thiago B. Mendonça 
Produção: Brasil
Ano: 2023
Gênero: Aventura
Sinopse: Bebel, filha de um diretor de cinema em crise, quer fazer um filme com seus amigos para um projeto escolar. A realização do filme se torna uma grande aventura e leva Bebel, sua família e seus amigos a uma viagem pela história do cinema.
Classificação: Livre
Distribuidor: Embaúba Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 4,0

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