CRÍTICA – WONKA

CRÍTICA – WONKA

Tudo começa com um sonho, inclusive o cinema.

A terceira adaptação para o cinema de um livro de pouco menos de duzentas páginas poderia soar como desnecessária ou, até mesmo, descartável, pois, aparentemente já havíamos visto tudo que seria possível nessa história. O personagem criado por Roald Darl acompanha gerações e há muito tempo se solidificou como culturalmente e historicamente significante, tanto na literatura quanto no cinema. Willy Wonka e sua paixão pelo chocolate perpassam o nosso imaginário social desde os anos 60 e é perceptível o carinho e respeito que Paul King possui por essa história, pois, ele recria a aura de sonhos, maravilhamento e memória que um dia Roald Darl escreveu.

A doçura com a qual King nos apresenta o jovem Willy é encantadora e o brilho de sonhador que Timothée Chalamet possui e transmite é, definitivamente, algo que nos acompanhará durante todo o filme. Diferente das outras duas adaptações, aqui temos uma história original, sendo um prelúdio dos acontecimentos da Fantástica Fábrica de Chocolate. Dessa maneira, acompanhamos Wonka na busca por tentar montar sua primeira loja de chocolate e cativar os cidadãos com suas criações fora do comum. Entretanto, além da difícil tarefa de começar seu negócio em uma cidade nova, e sozinho, ele também precisa lidar com três empresários que juntos comandam as vendas de chocolate da região, sendo eles “O cartel do chocolate”.

Magia e sonhos. O design de produção é, de fato, admirável. A direção de arte costura a ternura e o esplendor que os chocolates Wonka transmitem. Além disso, enxergo que a caracterização do Willy de Timothée Chalamet evoca o saudosismo e reverencia o clássico Willy protagonizado por Gene Wilder em 1971, ao mesmo tempo que transmite autenticidade. A cidade inteira possui uma estética sóbria e repleta de detalhes, as cores e o encantamento transbordam quando os sonhos e os sentimentos do chocolatier são compartilhados conosco; seja durante uma conversa em um quarto, seja andando pela cidade vazia no meio da noite ou a luz do dia no meio de um número musical bem conduzido. As escolhas do design de produção são coerentes e reforçam nos momentos ideais a magia que existe em Willy Wonka, sem desperdiçar as excentricidades como muito acontece na adaptação de 2005, dirigida pelo Tim Burton.

O fato do filme não estar sendo vendido como um musical é uma escolha de distribuição da Warner para abranger mais espectadores, entretanto, acredito que mesmo aqueles que não se identificam com o gênero irão gostar do que Paul King nos traz. Os números musicais são todos bem orquestrados e coreografados, além do fato de estarem bem distribuídos ao longo do filme, sem serem extensos ou enfadonhos. Contudo, em momentos específicos de duas músicas, o filme passa da medida e se distrai quase que em uma estética de videoclipe, tendo isso enfatizado por escolhas da montagem com fades animados. Além disso, é válido mencionar que a utilização do CGI, Computer Graphic Imagery, ou seja, Imagens Geradas por Computação Gráfica, é um tanto mediana em alguns momentos isolados, porém, não prejudica o todo.

Tendo consciência da sua herança e na busca por algo novo, o diretor traz em Wonka referências não explícitas das obras de Roald Dahl, como, por exemplo, Matilda, que está presente em Noodle (Calah Lane) e na sua relação com a personagem de Olivia Colman. Aliás, a representação imagética do Oompa Loompa é pura fantasia e nos remete ao filme de 1971, dirigido por Mel Stuart, fazendo com que, de fato, toda aura que o filme possua seja lúdica. Contudo, sem se apoiar nos estereótipos já conhecidos, King e Chalamet constroem um novo olhar diante da história, que é enfatizado pelos personagens secundários que exalam diversão e ternura. Além disso, a memória afetiva e familiar do Wonka é trazida para nós, fazendo com que a figura de sua mãe seja potente em nos mostrar humildade e humanidade nele.

Uma grata surpresa no filme foi o teor político e a forma que grandes empresas e empresários se portam diante de pequenos empreendedores. Além disso, o olhar que essas pessoas, ricas, possuem perante a população “normal e pobre” é trabalhada visualmente através dos figurinos e com doses de humor. Entretanto, o diretor escolhe não adentrar em uma discussão mais profunda, fazendo com que, algo que poderia engrandecer e politizar o filme perca a força. É lamentável, porque o discurso da obra a partir do viés político-social nos traria nuances que, geralmente, ou são abafadas através da perspectiva liberal muito vista em filmes hollywoodianos, ou são ignoradas totalmente. Ademais, a desimportância e falta de profundida nesse aspecto, faz com que o arco de disputa entre Willy Wonka e o Cartel do Chocolate seja algo muito frágil e de fácil resolução. Por fim, o final do filme é organizado sem o devido tempo para solucionar todos os problemas, deixando claro a pressa com a qual tudo se desenrola. E, dessa maneira, transformando a história mais em uma jornada de descobrimento pessoal do Wonka do que de desenvolvimento dele enquanto chocolatier.

A relevância que o chocolate possui aqui vai além do sabor ou da materialidade do doce, a empatia compartilhada com Noodle nos reforça a importância de dividir a vida com pessoas que nos são caras. O bilhete dourado que encontramos nesse filme traz memória e candura, sendo ilustrado pela lembrança da mãe de Willy (Sally Hawkins) e fazendo com que o significado do bilhete que já conhecemos se fortaleça. Um filme divertido e inspirador, tanto para aqueles que possuem afetividade pelo personagem, quanto por aqueles que irão conhecê-lo a partir dessa obra. A emoção no olhar de quem sonha, é esse o Wonka que (re)encontraremos aqui.


Filme: Wonka
Elenco: Timothée Chalamet, Calah Lane, Hugh Grant, Sally Hawking, Olivia Colman
Direção: Paul King
Roteiro: Paul King, Simon Farnaby
Produção: Estados Unidos, Reino Unido
Ano: 2023
Gênero: Comédia, Fantasia, Musical
Sinopse: Wonka é uma comédia musical baseada no clássico livro A Fantástica Fábrica de Chocolate, do autor britânico Roald Dahl. O filme mostra as origens da história do jovem Willy Wonka antes de se tornar a mente brilhante por trás da maior fábrica de chocolate do mundo e o que ele precisou enfrentar como obstáculos. Cheio de ideias e determinado a mudar o mundo, o jovem Wonka embarca em uma aventura para espalhar alegria através de seu delicioso chocolate. 
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Warner
Streaming: Indisponível
Nota: 7

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