NÃO OLHE PARA CIMA

NÃO OLHE PARA CIMA

A sátira é um recurso linguístico que funciona como uma forma de criticar algo sem precisar ser explicito ou literal. É muito comum ser utilizada em relação às instituições políticas, à religiosidade e à moralidade. E é datada de muitos séculos atrás, na Roma Antiga e na Grécia.

Muitos filmes utilizam desse recurso para promover uma ideia maior. É bem verdade que filmes como “Todo Mundo em Pânico” e “Inatividade Paranormal” utilizam a sátira apenas com o intuito de sugar os títulos de maior sucesso transformando-os em uma verdadeira galhofa. Mas há uma série de obras que se fazem valer pela sátira para, justamente, nos tirar de uma zona de conforto e assim causar a reflexão sobre diferentes temas como são os casos de “Eles Vivem” (1988) do diretor John Carpenter que satiriza e metaforiza sobre a indústria do consumo, “Tropas Estelares” (1997) de Paul Verhoeven (crítica aqui) que faz uma verdadeira paródia sobre o nazismo e governos fascistas nos quais a guerra é justificada como necessária para o combate a um mal maior e, mais recentemente, de “Não Olhe Para Cima” (2021) do diretor e roteirista Adam McKay.

A sátira empregada neste mais novo filme da Netflix, muito embora tenha sido expressa pelo diretor como sendo em relação às mudanças climáticas que ocorrem em todo o planeta, na verdade pode ser utilizada para uma infinidade de assuntos e, para nós brasileiros, caiu como uma luva para tudo o que aconteceu do inicio da pandemia até os dias de hoje, principalmente, aqui em nosso país. O cometa que se chocará com o planeta causando a sua destruição total pode ser facilmente comparado com o Coronavirus que está em circulação desde o fim de 2019 e já fez milhões de vítimas. E as comparações ficam cada vez mais inevitáveis quando vemos uma política completamente negligente quanto a um perigo real – aqui no Brasil o covid foi constantemente diminuído como uma gripezinha pelo, acreditem, presidente do país – e focada apenas em garantir reeleições ou dar privilégios aos seus pares.

O elenco do filme é a maior arma que o longa tem para transformar a sua narrativa, complexas para alguns – há quem acredite que o cometa seria uma alusão às vacinas – em algo que chame a atenção dos espectadores. Nesse ponto há um mérito não só em ter um elenco com esse nível como também nas escolhas de personagens para cada um deles. A dupla de cientistas interpretada por Jennifer Lawrence (Kate Dibiasky) e Leonardo DiCaprio (Dr. Randall Mindy) é o veículo que movimenta todo o filme, do inicio ao fim. Eles, de maneiras até opostas em determinado momento, buscam informar a população do perigo real e iminente, ainda que sejam a todo momento descredibilizados, e isso se torna mais forte com a figura de Kate Dibiasky. McKay sabe que para além dos ideais negacionistas, há dentro da própria defesa à ciência uma disparidade entre como se vê o posicionamento de um cientista homem e de uma cientista mulher. Novamente há, aqui, uma possibilidade de paralelo com o nosso país, já que vimos algo bem parecido com as repercussões acerca dos posicionamentos do Dr Atila Lamarino e da Drª Natália Pasternak. Enquanto que com o primeiro, mesmo aqueles que desdenham das suas opiniões, o tratam com um certo respeito, com a Drª Pasternak não houve nada além de um total escárnio diante de seus fortes e emotivos posicionamentos.

Mas é com esse tipo de situação colocada, de forma pensada, na obra, por McKay, que o longa começa a apresentar graves problemas. Pois quando dá ao publico uma construção sobre as diferenças entre homem e mulher dentro de uma profissão, mas fecha o arco de ambos sem qualquer possibilidade de alteração desse status, cai na ideia de um padrão imutável. E fica ainda pior quando caracteriza a personagem Dibiasky como quase uma viciada e que diante de ser constantemente silenciada assimila que este é, então, o seu lugar. Ora, para um filme que quer tanto causar a reflexão, seja para os problemas climáticos que já enfrentamos ou para qualquer outro motivo que colocaria o mundo em colapso, não me parece razoável, principalmente, com uma das protagonistas, que seu desfecho seja em uma total nulidade. E se durante algum tempo o filme consegue construir um Dr. Mindy extremamente humano, complexo, cheio de erros e acertos, me parece a via mais fácil colocar, em forma de perdão para seus erros, que sua esposa tenha cometido o mesmo erro que ele. Isso tudo para que a cena final fizesse sentido.

Sim, o filme é uma sátira, utiliza do humor e da ridicularização – essa parte cai na conta da presidente Orleans e seu filho – para construir sua narrativa, mas, ainda assim, as escolhas tem de fazer sentido para aquele universo proposto. E aí é que entra a participação especial da cantora Ariana Grande. Ela interpreta a, também cantora, Riley Bina, que está sempre nas manchetes de fofoca, dando audiência em qualquer programa que vá e sendo uma das pessoas mais influentes nas redes sociais. Influência essa que é tratada com total displicência e ignorância, algo extremamente condizente com o mundo real, já que muitas dessas personalidades (digital influencers) desconhecem aquilo que promovem. O que está em jogo, na realidade, é transformar visualizações em dinheiro.

Não Olhe Para Cima poderia ser um filme fundamental se, mesmo na sátira, definisse bem o caminho trilhado. Porém, em alguns momentos, se perde em uma ciclicidade cômica, do humor pelo humor, como são, por exemplo, as duas cenas pós créditos. Com boas atuações, mesclando regularidades com overactings, sobriedades com um humor infantilizado (Jonah Hill faz com maestria), repito que o elenco é o responsável pela maior solidez que esta obra tem.


Filme: Don’t Look Up (Não Olhe Para Cima)
Elenco: Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Cate Blanchett, Rob Morgan, Jonah Hill, Mark Rylance, Tyler Perry, Timothée Chalamet, Ron Perlman, Ariana Grande, Melanie Lynskey
Direção: Adam McKay
Roteiro: Adam McKay
Produção: Estados Unidos
Ano: 2021
Gênero: Comédia, Drama, Ficção Científica
Sinopse: Dois astrônomos descobrem que em poucos meses um cometa destruirá o planeta Terra. A partir desse momento, eles devem alertar a humanidade por meio da imprensa sobre o perigo que se aproxima.
Classificação: 16 anos
Streaming: Netflix
Nota: 6,8

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