OBSERVADORES

OBSERVADORES

A curiosidade sobre a vida alheia faz parte do cotidiano de todo e qualquer ser humano que tenha pisado nessa terra. Figuras quase que folclóricas da sociedade brasileira como a velha do portão pertencem ao grupo mais fissurado em saber e falar da vida dos outros. Programas de TV, sabendo desse modo cultural de se viver, criaram, então, os Realitys Shows e, em um deles, surgiu o bordão “Vamos dar aquela espiadinha”.

O cinema, por sua vez, já contribuiu e continua contribuindo com a representação de tal costume. Filmes como “Janela Indiscreta” de Alfred Hitchcock, “Paranóia” de D.J. Caruso e o mais recente – fracasso – “A Mulher na Janela”, de Joe Wright, trabalham o suspense com base no imaginário conspiratório dos bisbilhoteiros.

Entretanto muitos filmes abordaram essa espiadinha como algo mais voltado ao interesse nos corpos, sobretudo, os femininos e de preferência nús ou seminus, como é o caso do filme Malèna, de Giuseppe Tornatore, no qual o garoto Renato Amoroso (Giuseppe Sulfaro) se encanta pela mulher mais linda da cidade, Malèna (Monica Bellucci) e, nutrindo um amor platônico por ela, está sempre de olho na amada.

Muito embora esse elemento – a observação da vida alheia – tenha sido trabalhado em tantos outros filmes, sendo este o foco principal ou não, a verdade é que ao menos servia a um propósito crítico dentro das diversas narrativas. Seja o da objetificação da mulher ou o do desequilíbrio mental e emocional dos personagens.

É este propósito que falta em The Voyeurs, filme escrito e dirigido – sem surpresas – pelo diretor Michael Mohan, pois o que temos aqui é um viés altamente machista em um filme que tenta, mas falha miseravelmente, interagir com os sentimentos do sexo feminino de uma maneira geral, partindo do principio que a elas bastam um corpo masculino sarado e sexo viril.

Este longa que está disponível na Prime Video traz Sidney Sweeney (Pippa) e Justice Smith (Thomas) como o casal protagonista e, este, é um dos poucos acertos deste filme cheio de derrapadas. Sweeney que, presumo, é uma atriz conhecida por vocês pelo seu trabalho na excelente série Euphoria, casa perfeitamente com sua personagem e com a ideia impregnada no título. Com seu olhar obtuso e penetrante, o diretor extrai o máximo que pode dos closes em seus olhos. Tal atenção nos enfeitiça e talvez por isso tenhamos coragem de ir até o final do filme.

Muito embora o personagem Thomas esteja ali para dar profundidade aos conflitos internos de Pippa, ele tem uma presença marcada, principalmente, pela imposição da voz do ator. Mas não há como estreitarmos uma relação com o casal já que o diretor não reserva tempo suficiente para desenvolvê-lo. Simplesmente temos que acreditar em contrassensos como o fato que eles já estão juntos a algum tempo e resolveram dar um novo e grande passo em suas vidas (morar juntos), ao mesmo tempo em que Pippa parece não estar completamente satisfeita com aquele relacionamento.

Mohan erra ao exagerar no foco da atenção de Pippa em Seb (Ben Hardy), seu vizinho desinibido e performático. Esse exagero transforma a personagem em uma mulher completamente inconsequente e obcecada por um homem infiel e abusivo. E mesmo depois de uma tragédia, ela ainda pensa e mantêm desejos carnais por ele. Isso sem contar no desenho de todas as outras personagens femininas presentes na trama. Soam tão superficiais e volúveis que fica claro um conceito totalmente distorcido do diretor sobre o sexo feminino.

E se já estava ruim, ainda consegue piorar. Se não bastasse a total falta de argumentos para nos convencer dos conflitos existentes neste longa, o final é extremamente apressado e forçado. Forçar a barra é o que conceitua esse filme. Somos forçados a acreditar em um relacionamento sólido do casal protagonista, sabendo da insatisfação crescente por parte da personagem Pippa. Somos forçados a crer que Pippa, de uma hora para outra, passa a ficar obcecada por um homem que, constantemente, se mostra como alguém sem qualquer respeito pelas mulheres (seria um alter ego do diretor?). Mas é quando o drama dá lugar ao suspense que toda a esperança de um filme melhor nos dá adeus.

Os últimos vinte minutos de filme possuem informações demais e uma tentativa inútil de subverter as expectativas do espectador quanto ao rumo que o filme construiu ao longo de noventa minutos. Mas assim como Wright, em A Mulher na Janela, Mohan perde a oportunidade de se mostrar como alguém mais competente, ao não deixar no ar algumas ideias para forçar seu publico a uma busca mais profunda pelo sentido do filme. Quando abre mão de um final mais subjetivo para explorar uma exposição massiva, o suspense sequer funciona. E mais uma vez temos um filme que se sabota por finalizar em um ritmo de total desatino.

Afinal um filme que reserva oito minutos para um primeiro contato entre os personagens Pippa e Seb e romantiza sobre o consumo de pornografia, flexibiliza o conceito de traição e se alonga em diálogos sobre fábulas em que nada acrescentam à trama, é uma prova de como não havia sido muito bem estruturada a composição, não só dos personagens, como também de uma ideia de desfecho para aquela história.

O filme é um completo disparate. Nem mesmo a presença de Sweeney e Smith salvam o filme de um fiasco completo. Não há sequer uma boa vontade, por parte da direção, em trazer um filme que reflita sobre os temas abordados – ainda que muitos estejam inseridos de maneira completamente superficial – nesta obra. Mohan padece de um conhecimento mínimo sobre o ser humano, sobretudo, àquele pertencente ao sexo feminino.


Filme: The Voyeurs (Observadores)
Elenco: Sydney Sweeney, Justice Smith, Ben Hardy, Natasha Liu Bordizzo, Katharine King So, Cameo Adele, Jean Yoon
Direção: Michael Mohan
Roteiro: Michael Mohan
Produção: Canadá
Ano: 2021
Gênero: Drama, Suspense
Sinopse: Pippa (Sydney Sweeney) e seu namorado Thomas (Justice Smith) acabam de se mudar para um lindo apartamento com excelente vista para o centro de Montreal e para uma residência do outro lado da rua. O que inicia como uma curiosidade inocente logo se transforma em uma obsessão total quando eles começam a acompanhar cada vez mais a vida glamorosa e sexy do casal que mora lá.
Classificação: 16 anos
Streaming: Prime Video
Nota: 4,0

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