Não é de hoje que os fãs do subgênero de terror cósmico – criado por H. P. Lovecraft -, buscam avidamente por obras que dialoguem com esse gênero-modo narrativo nas telas. Das séries aos longas-metragens, há uma grande parcela de conteúdo, que chamaríamos de categoria “b”. Event Horizon, é uma dessas que salta, chega para um público mais geral, apesar de se manter escondida pelos cantos.
Uma expedição de resgate é organizada, em um situação onde a humanidade já coloniza e explora o espaço. Buscam encontrar a tripulação junto da nave desaparecida próxima aos anéis de saturno, chamada Event Horizon. Um mistério, que de primeira o captura, criando uma ambientação rica, porém não se levando a sério demais, evitando se mostrar muito mais do que realmente é. É nessa honestidade que o filme acerta em cheio.
E o que procurar em um filme de Terror Cósmico? A ambientação, o mistério que carcome as mentes, engole as sanidades, obstruindo esperanças. O cenário de ficção científica dialoga com outros clássicos: Alien, o Oitavo Passageiro e O Enigma de Outro Mundo, usando a sensação claustrofóbica como elemento primordial para o desespero das personagens e do espectador. É irônica essa relação, afinal o espaço tão infinito, é ao mesmo tempo tão opressor, o que separa as personagens da perdição são metais, cabos e oxigênio. Estar longe de tudo e todos, sem um meio de apertar um botão e haver resgate, afinal Saturno não é ali na esquina.
O longa-metragem inicia já com as memórias, fator principal na sua narrativa. O maior perigo, não se isola somente nos horrores do infinito, do incompreensível e sem forma, mas sim a própria psique humana. A saudade, o afastamento dos entes queridos, longe da terra e do que é familiar, devora até os mais preparados. Uma missão que foi imposta para uma equipe que estava de férias, não muito interessada, querendo ter seu tempo na zona de conforto, acabam em uma busca de resoluções rápidas e práticas. Já se sabe, então, para os veteranos nas leituras e conteúdos cósmicos: o final feliz é solução para outros gêneros, morrer aqui é uma benção. Desde o primeiro segundo que pisam na nave, teoricamente abandonada, o ambiente nos captura e intriga. Onde foi parar toda a tripulação da nave? O que diabos aconteceu ali? Não existem muitos sinais e pistas, havendo alguns lugares com sangue seco e, uma nave presa em seu silêncio tumular. Pouco a pouco vai oprimindo, através de barulhos, através de sensações, de memórias que são retorcidas, rumando para apalpar o impossível. Um dos personagens, logo de cara, é absorvido pelo reator, construído pelo cientista que guia a expedição, voltando completamente afetado por algo que viu do outro lado do portal. Viu verdades, onde a psique humana jamais estaria preparada para ver. Daí em diante, passo a passo, cada personagem se torna vítima da materialização da sua psique, onde a nave absorve e manipula seus traumas internos, como uma osmose que reflete o interior da alma, almejando os lugares mais obscuros das suas mentes. A nave, é um ser pensante e com vontades malignas além da imaginação.
O filme acerta em seu tom, elevando a loucura em níveis, é claro para os entusiastas, se divertirem com a desgraça toda que envolve o elenco até a conclusão do longa-metragem. O ápice (e simultaneamente frustração) é ter contato com as filmagens finais da tripulação anterior, poucos segundos de horror, violência, sodomia e desgraça. Frustração, porque foi considerada tão violenta pela produção, que acabou censurada e retirada dos cortes finais.
Utiliza de uma construção de tensão, com uma sensibilidade um pouco notável em relação ao gênero que se compromete a adaptar para o cinema, mas é aqui, também, que encontra o seu ponto fraco. Para gerar uma sensação de insanidade, apela para uma ultra-violência que acaba escapando pelos dedos, tornando-se muito mais um entretenimento nos níveis dos slashers “b” do que um suporte para a narrativa cósmica, além dos rodeados clichês que transitam por cima desse gênero-modo. Se sabe qual fim a trama vai levar e, olha que quebra expectativas, salvando parte do elenco na sua conclusão, não hesitando em colocar um falso susto, bem na cena final, o que deixa tudo um pouco mais “pastelão”. Essa estratégia de apelar para uma violência (que não deixa de ser muito bem feita e impactante para pessoas mais sensíveis, quem sabe ter incluído no corte final as cenas completas da tripulação anterior se trucidando, acabasse ficando como um marco da estética da violência no cinema) esquece que no terror cósmico há um diálogo direto com a ruptura do seu “eu”, do indivíduo, que se perde nos próprios pensamentos e sua relação com a existência, afinal existem males muito piores do que a dor e destruição física.
É aquela experiência para curtir, apesar dos altos e baixos, com um elenco de atores muito forte, mas nada que destaque muito além de Sam Neill, com seu talento para fazer caras e bocas estranhas, jogando-se na estranheza do que lhe foi colocado. Essa época do ator, que aparece aqui e acolá em obras de terror, é incrível, exalando carisma mesmo interpretando um louco. Pegue a pipoca, apague as luzes, aumente o som e se deixe levar por essa viagem cósmica trágica, não a levando tão a sério. Por fim, o diretor se tornaria um marco desses filmes “b” que divertiriam, desde que o espectador vá com as expectativas corretas. Seu nome ficaria famoso pelas adaptações dos vídeo games, sendo responsável pela infame, porém não menos icônica, série de filmes Resident Evil, e o clássico eterno da geração da década de 90, Mortal Kombat, só com essa lista, dá para notar que se deve ir de peito aberto e experimente, aqui existem muitos mais acertos, se comparado com o restante das obras que levou para as telas.
Filme: Event Horizon Elenco: Laurence Fishburn; Sam Neill; Kathleen Quinlan; Jason Isaacs; Joely Richardson Direção: Paul W. S. Anderson Roteiro: Philip Eisner Produção: USA Ano: 1997 Gênero: Horror; Sci-fi; Thriller Sinopse: Em 2047, uma missão de resgate é mandada para encontrar a “Event Horizon”, uma nave que desapareceu misteriosamente sete anos atrás, quando explorava os limites do sistema solar. Mas ao encontrá-la os astronautas que integram a missão de resgate vão gradativamente tomando consciência do terrível mistério que os cerca. Classificação: 16 Distribuidor: Paramount Streaming: Prime Video Nota: 7.5 |