OS BANSHEES DE INISHERIN

OS BANSHEES DE INISHERIN

A temporada de premiações oficialmente começou, e com o anúncio dos indicados à 95ª edição do Oscar, nossas atenções se voltaram aos filmes que foram anunciados e àqueles que foram esnobados. Falo hoje sobre um que está entre os mais citados, recebendo 9 indicações, incluindo a de melhor filme, roteiro original, direção, ator principal e atriz/atores coadjuvantes.

Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin), que foi lançado em finais de 2022 lá fora e chega aos cinemas brasileiros em 2 de fevereiro, nos traz a história de dois homens que tem o vínculo de amizade quebrado de repente quando um deles resolve, do dia para a noite, que não quer mais ser amigo do outro. Seguida a essa atitude espontânea desse personagem, acompanhamos a reação e negação do outro, que não consegue entender e não aceita o ponto final imposto à essa relação tão cara a ele. Lido muitas vezes como um filme do gênero Comédia, Banshees tem muito mais em seu desenvolvimento do que somente uma história de birra entre dois homens adultos.

O primeiro personagem a ser apresentado é Pádraic, interpretado por Colin Farrell. Em uma caminhada pela pequena ilha de Inisherin, ele anda até a casa de seu amigo de longa data, Colm, interpretado por Brendan Gleeson. Como a primeira impressão é a que fica, guardamos conosco o sentimento em relação a esses personagens – pelo menos por enquanto –. Enquanto conhecemos um Pádraic sorridente e simpático com todos, Colm não nos oferece mais do que uma cara fechada de poucos amigos e nenhuma palavra. Assim, de surpresa tanto para nós quanto para ele, assistimos lentamente ao colapso na personalidade simpática de Pádraic, que não consegue entender o que fez a seu amigo para ser recebido tão mal assim.

Muito do “humor” oferecido pelo roteiro de Martin McDonagh está na naturalidade dos personagens frente à situação vivida pelos dois amigos. Enquanto Pádraic sofre e busca respostas à hostilidade de Colm, sua irmã Sióbhan (Kerry Condon) simplesmente sugere que talvez Colm não goste mais de Pádraic. Essa afirmação simples e banal seria o suficiente para um adulto comum deixar de lado a situação e voltar a sua vida normal, porém, se acontecesse assim não teríamos o filme e não conheceríamos essa história tão cheia de desdobramentos e camadas.

Algo que não me foge à mente quando penso na narrativa de Banshees é de que não se trata exatamente de uma pessoa chateada/cansada da outra e simplesmente isso. Por trás dessa desavença quase infantil, sentimos a tensão de uma masculinidade tóxica e hostil, que não permite que nenhum dos dois personagens inseridos nessa trama dê o braço a torcer. Se por um lado Pádraic não consegue aceitar o não de Colm, por outro, Colm não pode aceitar a não aceitação de Pádraic. Em certo ponto, a história deixa de ser por causa da amizade, e toma a forma de uma competição para saber quem aguenta mais, com consequências bizarras e até mesmo sombrias.

É claro que assistir à essa história parece, por muitas vezes, divertido. Muito disso se dá pela escolha da direção em apresentar personagens irlandeses um tanto quanto pitorescos. Nessa representação há espaço para de um tudo, entre o policial idiotizado que ao mesmo tempo espanca e molesta o filho, a comerciante fofoqueira e maldosa, que se “esconde” na imagem de apenas uma senhorinha interessada nas notícias da ilha, e na figura da idosa que todos fogem, que como uma verdadeira Banshee, traz consigo sempre maus presságios. Caracterizada de forma semelhante à morte de O Sétimo Selo (Ingmar Bergman, 1957), a esta personagem é atribuída, por conta própria, a tarefa de anunciar mortes que estão por vir e de se esgueirar por todos os lugares, como uma figura mágica e mística.

Dois personagens que valem a pena mencionar são os de Barry Keoghan e Kerry Condon. Keoghan interpreta Dominic, conhecido como o tapado da ilha. Sua personalidade por vezes infantil e quase sempre caótica é uma das poucas ali que ainda não fora corrompida. Em mais uma parceria com Colin Farrell depois de O Sacrifício do Cervo Sagrado (Yorgos Lanthimos, 2014) Barry Keoghan entrega, sem surpresas, uma performance singular. Condon interpreta Sióbhan, irmã de Pádraic e provavelmente a única pessoa sensata de toda a ilha. Em uma atuação sutil e assertiva, essa personagem, que é o oposto de seu irmão, é gentil e contida. Infelizmente não vemos tanto de Sióbhan, porém nos minutos em que está em tela somos capazes de assimilar suas angústias e nos identificarmos. A última cena com estes dois personagens e seus desdobramentos está, sem dúvidas, entre os maiores acertos do filme.

Em meio à briga de Pádraic e Colm, somos envolvidos em um tema importante como a solidão, que está presente em Banshees quase como um personagem à parte. Enquanto alguns lutam para fingir que são felizes e satisfeitos com suas vidas, outros tentam, de alguma forma, buscar algum sentido à uma existência fadada ao nada; e há ainda, aqueles que sequer estão cientes de sua miséria. Tão real como a vida fora dos filmes, a narrativa de McDonagh é constituída por uma mescla de arrependimentos, mágoas e discussões esvaziadas sobre Deus e uma redenção que na realidade não parece existir.

A medida em que as tensões crescem entre esses dois personagens, vemos emergir uma nova personalidade em Pádraic. Enquanto Colm se mantém o mesmo do início ao fim, o personagem de Farrell vai se tornando, aos poucos, uma pessoa rude e não simpática, para parafrasear o próprio personagem. Vale nos perguntarmos se essa sua nova faceta é nova de fato, ou se ele apenas está trazendo à tona seu verdadeiro eu.

As paisagens deslumbrantes da Irlanda que mostram, ao longe, os estrondos de uma guerra inútil, servem de palco para uma guerra muito menor, entre dois homens que não conseguem e não querem se entender. O desespero, que está presente em cada um desses personagens, cresce até se tornar insuportável para eles, e cada um reage à sua própria maneira. Ao fim, tanto quanto a guerra ao longe no continente, o sentido da briga entre Pádraic e Colm se esvazia, tornando-se assim apenas parte de uma história boba e até fútil, destinada ao esquecimento com o decorrer do tempo. A dupla Farrell e Gleeson, pelas mãos de Martin McDonagh consegue, com atuações consistentes e convincentes, dar vida e força a essa história banal e transformá-la em um dos melhores filmes de 2022.


  FilmeOs Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin)
ElencoColin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan
DireçãoMartin McDonagh
RoteiroMartin McDonagh
ProduçãoIrlanda, EUA, Reino Unido
Ano2022
GêneroDrama, Comédia
SinopseDois amigos de longa data se encontram em um impasse quando um deles termina abruptamente o relacionamento, com consequências alarmantes para ambos.
Classificação14 anos
DistribuidorSearchlight Pictures
StreamingIndisponível
Nota9,5

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2 thoughts on “OS BANSHEES DE INISHERIN

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