Eu, como ateu que sou, costumo consumir – quando consumo – qualquer conteúdo sob o viés religioso de forma muito cética, obviamente, e com muita desconfiança a respeito das verdadeiras intensões de quem está por trás daquele projeto. Acredito que não seja necessário discorrer sobre a quantidade de casos ilícitos envolvendo as pessoas a frente das diversas religiões cultuadas aqui no Brasil e nem dar nomes àqueles que usam da fé alheia para alienar e lesar os fiéis e àqueles que creem.
Os Olhos de Tammy Faye, obra biográfica dirigida por Michael Showalter e que conta com um pouco mais de duas horas de duração, traz a história de dois personagens, Tammy Faye (Jéssica Chastain) e Jim Bakker (Andrew Garfield), que criaram uma rede de TV para assim conseguir chegar à casa de mais fiéis objetivando, sempre, o dinheiro e não o compartilhamento da fé. Quando pensamos em TV, religião e dinheiro, não há como não fazer a ligação imediata com a Rede Record de Televisão, cujo o dono atual é Edir Macedo, bispo fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.
Showalter escolhe o caminho do olhar sobre a personagem Tammy Faye desde quando ela era uma criança e é ali que há o início do que justificará tudo o que será apresentado, sobretudo sobre ela, no decorrer da trama. Uma criança relegada mas que deseja fazer parte, dentro de um pensamento amplo mesmo, e para isso, ainda que de forma dúbia, recorrerá a atuação (dissimulada?) para, assim, alcançar o tão sonhado reconhecimento e um certo afago, algo que não existia em sua vida. É com esta apresentação que o diretor nos fornece informações importantes sobre a personagem. O seu desejo de ser amada, de ser reconhecida e de fazer parte de um grande projeto. E como é sabido, pois estamos diante de uma personagem baseada em uma figura real, o que lhe deu tudo isso, ainda que de maneira torta, foi a sua fé e a fé que muitos depositaram nela.
Se existe um background bem alinhado nesta obra para a personagem título e para tudo o que iremos ver no decorrer deste longa, não tem como negar que algumas imprecisões também são vistas como a que considero a primeira grande falha em algo que é o primordial do filme. Em se tratando de uma obra biográfica, na qual a atriz Jessica Chastain interpreta a televangelista Tammy Faye, o trabalho de caracterização que passa pelo Penteado e Maquiagem necessitam ser precisos em todas as fases que o longa se predispões a mostrar. No entanto quando estamos a frente de uma jovem Tammy Faye não conseguimos aceitar a idade que ela tem, principalmente, pelo fato de que o diretor escolhe, em suas passagens de tempo, identificar o ano em que aqueles personagens se encontram. Mas o mesmo não acontece como Jim Bakker, com quem contracena nesta cena em questão, pelo simples motivo deste momento ter sido a apresentação dele à trama. Mas com Tammy Faye não. Infelizmente as escolhas do diretor causaram um grande problema já que o rejuvenescimento da atriz, claramente, não ocorreu da forma como deveria, fazendo com que neste ponto começássemos a duvidar do filme. No entanto nas fases de ascensão e queda da personagem este elemento – a sua caracterização – se sobressai, apagando este erro do início e, com muita justiça, o longa foi indicado na categoria de Melhor Maquiagem e Penteado.
Jim Bakker e Tammy Faye não são o que aparentam ser, muito embora, façam questão de reafirmar a todo momento o quão verdadeiros são. No primeiro encontro deles há este posicionamento de Tammy Faye, e durante o relacionamento deles é Jim quem irá sempre reforçar uma visão sobre quem ele é para quem o cerca. Ainda que funcione em um primeiro momento e ainda que esta mensagem seja entendida pelo público, ela carece de mais pilares para a solidez destes personagens. E como estes pilares não existem, ou seja, não há nada dentro da trama que corrobore para que acreditemos que os outros personagens poderiam ser enganados tão facilmente, novamente, nos vemos em frente a uma obra que está tentando, a todo custo, nos enganar.
A atuação de Jessica Chastain é realmente boa e a atriz promove nuances à protagonista. Ela está no limite do caricato, mas faz disso algo positivo. No entanto nem de longe é a melhor atuação em comparação, principalmente, com Kristen Stewart (Spencer) e Nicole Kidman (Apresentando os Ricardos). A personagem Tammy Faye na fase adulta e já no início da terceira idade consegue compor camadas através do que lhe é proposto seja pelas verdades que não queria enxergar sobre seu marido Jim, ou sobre tudo o que, de fato, seu canal de TV representa, a PTL (Rede de TV Louvai ao Senhor). O fato é que há uma sobrecarga não só na atriz como também em sua personagem, mas que o ritmo do filme não permite grandes avanços para ambas. Em determinado momento, ainda que elas estejam presentes, parecem ter desaparecido, por completo, do filme. É bem verdade e preciso ressaltar que parte dessa situação se dá por uma fase da personagem, na qual Tammy Faye está completamente fora do mundo real, mas essa nulidade da personagem extrapola e chega ao ponto de diminuir sua importância em um filme que é sobre ela.
Já Jim Bakker – ouso dizer que Garfield está melhor aqui do que em “Tick, Tick…Boom!” – possui um desenvolvimento amplamente respeitado e com suas alternâncias muito bem demonstradas seja pelo olhar da câmera ou pelo olhar da própria Tammy Faye. Contudo outro ponto que não permite tanta aproximação do público com o filme é a falta de empatia que ambos os personagens apresentam. Há um momento em que padecemos pela solidão de Tammy Faye, quando esta, de forma completamente previsível, se encontra em um jogo de flertes com seu produtor musical. Mas a previsibilidade, algo que se estabelece por insinuações colocadas pelo diretor e pelo roteiro, prejudica muito quando chegamos no momento em que precisamos nos colocar na pele daquelas pessoas.
“Os Olhos de Tammy Faye” faz uma crítica necessária, embora engolida por outros elementos da narrativa, a esta máquina de ganhar dinheiro que são as igrejas, principalmente, aquelas que conseguem um lugar, como um canal de TV, em rede nacional. Tal viés é notado através da composição de todos os personagens representantes da igreja. Estes são colocados, aqui, como pessoas com sérios desvios de caráter, gananciosos, conservadores e extremamente preconceituosos. Já a protagonista é desenhada sob um espectro que joga luz a uma vida regida por uma incessante interpretação. Tammy Faye foi uma personagem criada e percebemos, pela cena final, que ela nunca saiu desse papel.
Filme: The Eyes of Tammy Faye (Os Olhos de Tammy Faye) Elenco: Jessica Chastain, Andrew Garfield, Cherry Jones, Vincent D’Onofrio, Mark Wystrach, Sam Jaeger, Louis Cancelmi, Gabriel Olds, Fredric Lehne, Chandler Head Direção: Michael Showalter Roteiro: Abe Sylvia, Fenton Bailey, Randy Barbato Produção: Estados Unidos Ano: 2021 Gênero: Drama, Biografia Sinopse: Um olhar íntimo sobre a extraordinária ascensão, queda e redenção da televangelista Tammy Faye Bakker. Nas décadas de 1970 e 80, Tammy Faye e seu marido, Jim Bakker, criaram a maior rede de radiodifusão religiosa e parque temático do mundo, e eram reverenciados por sua mensagem de amor, aceitação e prosperidade. Classificação: 13 anos Distribuidor: Searchlight Pictures Streaming: Indisponível Nota: 6,7 |
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