TÁR

TÁR

Assim que a lista de indicações ao Oscar saiu, vi o nome de Cate Blanchett na categoria de Melhor Atriz por TÁR. Instantaneamente fui pesquisar sobre o filme e sua preparação para viver a protagonista, que, diga-se de passagem, não foi nada simples. Minhas expectativas estavam muito altas e, agora, após assistir e digerir esse filme tão eletrizante, posso dizer que foram superadas. 

Lydia Tár é uma gênia da cena musical, uma maestrina premiadíssima e extremamente poderosa. Nitidamente, nos primeiros minutos, vemos que a personagem é espetacularizada: usa e abusa de uma espirituosidade exagerada, um tom de voz imponente, porta-se com falas que se propõem a ser intelectualmente complexas e gesticula de forma excessiva. Essa performance, que à primeira vista poderíamos enxergar como hiperbólica por parte de Cate, é a escolha perfeita para representar uma personagem que reforça sua própria figura poderosa o tempo todo, até mesmo com sua família, para reafirmar sua firmeza e permanecer no topo. Afinal, o filme fala sobre poder. Existe na protagonista uma energia distante e enigmática que pode até ser atrativa num primeiro contato, mas, com o passar da narrativa, esse sentimento de intimidação causado por ela é compreendido como uma bandeira vermelha: ela é sutilmente controladora e narcisista, agindo de acordo com seus próprios interesses, seja para prejudicar ou favorecer um músico ou transformar jovens musicistas em meros brinquedos sexuais. É fascinante acompanhar essa personagem. Até mesmo seu sofrimento e solidão são recheados de miudezas e particularidades que a torna ainda mais intrigante. Certamente, é uma das melhores atuações da carreira de Blanchett, se não a melhor. Digo isso com tranquilidade. Ela está extraordinária!

Se eu pudesse resumir em uma palavra a direção de Todd Field, eu diria que é elegante. É um trabalho frio, mas minucioso. Field soube muito bem como dirigir cenas muito longas, como a entrevista de abertura, que poderia ficar cansativa. Além disso, uma das cenas mais importantes do filme, que também é extensa e se passa em Juilliard, foi muito bem coreografada e dirigida, tendo jogos de câmera bem complexos e uma tensão muito clara no ar. Apesar disso, com certeza seu foco principal foi Cate Blanchett. Extrair todo aquele sentimento e toda visceralidade não é para qualquer um. Fica nítido que houve  uma parceria forte entre os dois.

Um debate muito complicado que ficou na minha cabeça pós filme e é plantado nessa cena Juilliard é se é possível separar um artista da obra e como essa discussão atravessa não só valores, mas barreiras geracionais. Enquanto a protagonista está dando uma aula, ela ouve de um aluno: “Não curto muito Bach”. O aluno justifica falando que Bach era um homem extremamente misógino e, para ele, não fazia sentido aclamá-lo. Tár encara isso quase como uma heresia e, a partir daí, desestabiliza-se ao tentar contra argumentar e constranger o aluno. Isso é traduzido para ela não só como um desrespeito, mas como uma ignorância de novas gerações muito sensíveis. É possível, então, admirar e continuar consumindo a obra de um artista que teve – ou tem – comportamentos danosos ou criminosos em sua vida pessoal? É possível continuar consumindo os trabalhos de Lydia após tantas acusações suspeitas?

A personagem vive enormes contradições. Se por um lado ela é uma mulher lésbica de origem mais simples e precisou fazer muito mais esforços que homens para chegar onde chegou, ela também vive em uma posição de poder social dentro da elite artística que a blinda de certas consequências para atitudes antiéticas. A excelência desse filme se faz em não trazer uma resposta certa para esse tipo de questionamento, mas em contestar as contradições e complexidades da genialidade, do ego e do poder.

Acredito que o filme poderia ser um pouco mais reduzido. Há uma certa busca em entender uma personagem que não necessariamente deve ser entendida. É um longo estudo de personagem que em algum momento bate na mesma tecla, mesmo que de maneiras diferentes. A parte final do filme, mesmo que interessante, parece um pouco desconectada de toda a narrativa.

Mesmo com certas ressalvas, TÁR é um filme detalhista e que será lembrado não só pelo debate tão atual, que esbarra no que chamamos de “cultura do cancelamento”, mas pelo brilhantismo de Cate Blanchett, que está no auge da sua atuação. Na minha opinião, uma das favoritas para levar a estatueta do Oscar esse ano. Caso leve, será merecidíssimo!

 

Filme: TÁR
Elenco: Cate Blanchett, Nina Hoss, Noémie Merlant, Julian Glover, Mark Strong
Direção: Todd Field
Roteiro: Todd Field
Produção: Estados Unidos
Ano: 2022
Gênero: Drama
Sinopse: Situado no mundo internacional da música clássica, a cinebiografia centra-se em Lydia Tár. Amplamente considerada uma das maiores compositoras/regentes vivas e a primeira maestrina chefe de uma grande orquestra alemã
Classifiacção: 12 anos
Distribuidor: Universal Pictures
Streaming: Não disponível
Nota: 8,6

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