THE LAST OF US – PILOTO

THE LAST OF US – PILOTO

Em The Last of Us (2023), uma infecção fungíca se espalha pelo mundo e transforma as pessoas em devoradores de carne humana sem resquício de consciência própria. Vinte anos depois, os sobreviventes se concentram em locações militares estabelecidas em grandes cidades. O contrabandista Joel (Pedro Pascal) deseja deixar Boston, a cidade em que vive, para ir até seu irmão, no outro lado do país. Porém, para conseguir as provisões necessárias para essa jornada, precisa escoltar a garota Ellie (Bella Ramsey) para um local seguro fora da cidade.

A expectativa em The Last of Us

Não foram poucas as adaptações realizadas de jogos eletrônicos para o cinema ou televisão. A maioria delas com uma repercussão não tão positiva dentre o público alvo. Dado o sucesso que os jogos da série The Last of Us tiveram — tanto de crítica quanto de vendas — não é uma hipérbole dizer que a nova série da HBO foi um dos lançamentos mais aguardados do ano. 

Expectativas foram levantadas e muitas teorias foram discutidas sobre como se daria a adaptação desde que seu anúncio foi realizado. Uma das principais queixas do público gamer no que diz respeito às adaptações é a fidelidade ao material original. Vale frisar, no entanto, que a ideia da necessidade de fidelidade à fonte em adaptações é um pensamento burlesco. Decerto, exigir pontualidade com a obra primária não só é uma requisição injusta com a adaptação, como é impossível. 

O paradoxo da fidelidade

Em outras palavras, a única obra que é completamente fidedigna à fonte é o próprio material original! Assim que alguém se propõe a desenvolver uma adaptação a algo, o conteúdo primordial passa a servir somente, e apenas, como uma inspiração, uma fonte criativa. Isto é, uma adaptação é uma transposição de formato. Um livro é um livro e um filme é um filme — ou melhor, um jogo é um jogo e uma série de TV é uma série de TV.

Portanto, sendo formatos artísticos diferentes, utilizam-se de linguagens diferentes. A linguagem que um game requer — que exige do jogador uma posição muito mais ativa e influenciadora — é completamente diferente do formato do qual uma obra cinematográfica utiliza para se comunicar. Assim sendo, a construção realizada para dialogar com o espectador precisa seguir outra linha de raciocínio. Por isso, alguns aspectos originais são simplesmente intransponíveis. Inegavelmente, cobrar isso da adaptação é injusto, visto que é inatingível. Acaba, inclusive, estabelecendo um paradoxo: quanto mais se cobra fidelidade, mais longe de atingir ela a obra se encontra.

Resident Evil nos cinemas

Retomando o universo de adaptações de jogos eletrônicos, uma das adaptações mais criticadas negativamente pelo público alvo é a saga cinematográfica Resident Evil (2002); e essas críticas miram justamente na fidelidade. A saga, que tem seu inicío com Resident Evil: O Hóspede Maldito (2002), não busca reproduzir a história do game, mas oferecer uma nova visão sobre aquele universo.

Paul W. S. Anderson, diretor do primeiro filme e da maior parte da saga, construiu no filme uma estrutura “gamificada”. Assim, buscou trazer no espectador a sensação de que o filme que ele está consumindo é um video-game. Com uma personagem simples, um esvaziamento dramático da trama e do peso do passado dos personagens e um enfoque nos estimulos momentaneos das cenas de ação, Resident Evil: O Hóspede Maldito (2002) almeja emular no espectador a experiência de jogar um jogo eletrônico.

As escolhas tomadas em The Last of Us

Desse modo, reproduzir passo por passo a história dos jogos não era o objetivo de Resident Evil (2002). Contudo, uma obra pode escolher, se seu idealizador desejar, seguir um caminho mais fidedigno ao material original. A fidelidade completa é uma impossibilidade, mas pode ser parcialmente atingida se almejada — só não é uma obrigação. 

The Last of Us (2023), pelo andar do primeiro episódio (When You’re Lost in the Darkness), parece ser uma dessas obras. Assim, com poucas alterações ao comparar com o início da trama nos consoles — alterações que visivelmente se deram em decorrência da transposição do formato — o primeiro episódio segue, quase à risca, os acontecimentos do jogo.

Diferente das adaptações de seu “primo”, Resident Evil (2002), When You’re Lost in the Darkness (2023) não parece mirar na estrutura “gamificada” comentada anteriormente. Em contrapartida, a nova série da HBO traz um peso dramático maior, tanto em sua narrativa, quanto em aspectos psicológicos dos personagens. A dupla principal carrega consigo fardos emocionais pesados de seus passados, que aprofundam a figura dos personagens e estimulam direcionamentos futuros.

A própria personalidade deles já é trabalhada desde o início. Pedro Pascal retrata um Joel amargo, insensível e frio. Um Joel que é deliberadamente alheio aos problemas dos outros, focando só em garantir a sobrevivência sua e de seu núcleo; tal qual como nos jogos. Bella Ramsay traz à vida uma Ellie imprudente, rebelde, repleta de energia e de raiva. A química de ambos os atores — mesmo que vivenciada pouco, visto que houveram poucas interações no primeiro episódio — parece sincronizada, formando uma boa dupla protagonista.

Impacto dos acontecimentos

Todavia, mesmo com um peso maior ao lidar com os aprofundamentos narrativos, The Last of Us (2023) ainda aparenta buscar um impacto visual e sensorial grande e primordial, principalmente nas cenas que remetem convenções de gênero maiores. Momentos de ação são frenéticos e estabelecem um sentimento de urgência extrema no espectador; bem similar a experiência de jogar o jogo. Os inimigos são velozes, vorazes e atentos; qualquer descuido pode transformar a tranquilidade em pandemônio. Uma cena inicial de When You’re Lost in the Darkness (2023), envolvendo um carro em alta velocidade e um avião, é belamente filmada, quase em primeira pessoa. Inegavelmente, tal escolha acaba destacando ainda mais a tensão e o frenesim do momento, deixando o espectador roendo unhas.

Desse modo, Craig Mazin demonstra uma bela habilidade em lidar com tropos do gênero de ação. Conseguindo, nesses momentos, trazer uma força sensorial que, apenas por suas imagens, ocasiona um impacto no espectador, sem depender de muletas dramáticas. Nestas cenas, pouco importa o passado dos personagens, suas relações e seus sonhos, só importa sobreviver. Uma busca essencial e primitiva pela sobrevivência em um estado natural da coisa. Assim, acaba que essas cenas são fortes até isoladamente.

O terror no mundo distópico de The Last of Us

Inclusive ao lidar com as convenções do terror Craig Mazin trabalha bem em When You’re Lost in the Darkness (2023). A cena de abertura, uma entrevista que não tem relação direta com os personagens ou até com os acontecimentos da trama, estabelece um tom amedrontador para o que vem a seguir. Por conseguinte, a tensão de tal cena até extravasa a diegese da obra e consegue colocar no espectador um medo sobre o seu próprio mundo. “Será que essas coisas poderiam acontecer comigo?”

Em outros momentos, o diretor usa de tropos familiares do cinema de horror — como cachorros e idosos — para estabelecer em quem assiste um medo direto daqueles elementos. “Será que o cachorro vai sobreviver? Será que está tudo bem com a senhora?” Em determinado momento, trabalha com uma personagem em primeiro plano e um fundo desfocado contendo outro personagem, que se encontra em uma situação anormal, em plano médio. Nessa dicotomia, em que o perigo iminente vem daquilo que não está em foco, o episódio consegue como resultado gerar aquele frio na espinha proveniente da tensão de saber que algo errado está acontecendo, mas não saber exatamente o que.

Em suma, When You’re Lost in the Darkness (2023) foi um bom começo para The Last of Us (2023). Iniciou o espectador em um novo mundo, com situações interessantes o suficiente para estimular a curiosidade e a vontade de ver mais. Estabeleceu tons que parecem que ditarão a atmosfera da série e provou saber lidar com diferentes gêneros. Certamente deve ser um dos grandes trabalhos da HBO em 2023. 


Pôster da série "The Last of Us", do canal HBO. Série: The Last of Us
Episódio: 01
Canal: HBO
Elenco: Pedro Pascal, Bella Ramsey, Gabriel Luna, Merle Dandridge, Anna Torv
Direção: Craig Mazin
Roteiro: Craig Mazin, Neil Druckmann
Produção: Estados Unidos
Ano: 2023
Gênero: Ação, Terror
Sinopse: Em um mundo distópico, o contrabandista Joel (Pedro Pascal) deseja deixar Boston, a cidade em que vive, para ir até seu irmão, no outro lado do país. Porém, para conseguir as provisões necessárias para essa jornada, precisa escoltar a garota Ellie (Bella Ramsey) para um local seguro fora da cidade.
Classificação: 16 anos
Streaming: HBO Max
Nota: 8,0

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