X – A MARCA DA MORTE

X – A MARCA DA MORTE

Nós já sabemos mais ou menos do que se trata um filme de terror. É mais ou menos a mesma fórmula usada, pelo menos pelos filmes que têm recursos para entrar no circuito mais amplamente comercial. O mesmo pode ser dito sobre qualquer outro gênero ou filme infectado pelo vírus do produtor endinheirado e pouco concentrado em outra questão que não o retorno financeiro que as fórmulas garantem. Aliás, que nós, enquanto público, garantimos a elas. Porém o caso dos filmes de terror é especial porque dificilmente o gênero se dilui bem, se dissolve, com algum outro. Talvez porque nenhum outro tenha presunção semelhante.

“A Marca da Morte”, filme dirigido e roteirizado por Ti West, tem nítidas marcas de uma direção muito cautelosa com relação ao roteiro. Ou um roteiro muito acolhido pela direção. De forma que respeita demasiadamente a mensagem que o filme quer transmitir e o faz tão simplesmente pelo roteiro, sem tanta coerência à tal mensagem naquilo que tange tão somente a direção. Tá aí uma presunção que não cabe somente aos filmes de terror: a de transmitir, de forma pouco sutil, algumas mensagens pouco transmitidas num formato julgado como diferente ou inovador. 

Sim, já podemos começar por aí. “A Marca da Morte” nos traz uma união entre os atributos técnicos muito curiosa… Poderia ser, e é,  mais um filme vintage que se remete à época de ouro do american dream ou ao american way of life enquanto os EUA financiavam assassinas e imperialistas (quase redundante, sei) ditaduras militares na América Latina. É fato, o filme o faz e ainda reproduz o imaginário de que existem heróis nacionais estadunidenses, todos machos, claro, que mataram pessoas a mando do seu inescrupuloso império. 

Concomitante a isso, “A Marca da Morte” nos mostra justamente a maior fraqueza desses heróis e dessa nação, como de  qualquer outra no Ocidente: não saber lidar com o feminino e tampouco com o fracasso do ideal de masculino. Pois é, pasmem! E Maria Homem, notável psicanalista brasileira, já nos sinalizou em consonância com outras estudiosas, pesquisadoras e escritoras que se dedicam ao estudo da misoginia, que as atuais liberdades que algumas mulheres têm no Ocidente tem um alto e quase imperceptível preço. Para que algumas mulheres tenham tais liberdades nos meios acadêmicos, profissionais e algum trânsito em demais áreas da vida social e pessoal, a sua vida sexual é utilizada como baliza para a leitura que a sociedade fará de tal mulher e de tais liberdades. Sabemos, por exemplo, que mulheres solteiras mais competentes que homens, não raramente, são caracterizadas por nós, sociedade misógina, como amantes de algum homem poderoso. O fazemos porque para nossa mentalidade indecente, pouco inteligente  e portanto antiquada, somente homens podem oferecer-lhes tal poder e inteligência. Ou seja, o preço a se pagar pelo livre trânsito é a frequente indagação em relação à vida sexual da mulher. 

Essa indagação é uma representação do preço mais profundo que se cobra às mulheres: submissão em relação ao sexo e reprodução e, no âmago disso tudo, a JUVENTUDE. Porque, é nítido, ao mesmo tempo que nós, enquanto sociedade misógina, atribuímos às mulheres determinados valores a depender do quanto elas se adequam ao padrão de símbolo sexual, nós também temos um fascínio pelo controle e dominação da poderosa buceta. Aliás, das mulheres que se tornarão zilhões de vezes mais libertas se descobrirem que não temos tanto poder. Ou melhor: que não podemos ter. 

Para concluir a linha de raciocínio referente à metáfora que o filme cria e traça, podemos pensar na inalcançável beleza e juventude condicional à liberdade sexual que a sociedade misógina oferece às mulheres e que aprisiona os homens numa única forma de expressão de afetos, desejos e de performances. De forma resumida, as mulheres até podem ter alguma liberdade sexual contanto que aceitem ser objetificadas, corresponder a um padrão estético. No entanto, para se enquadrar a esse padrão é necessário ter uma juventude, uma beleza e uma submissão inalcançável. Mulher assim não há, embora tragicamente nossa sociedade imponha a muitas essa eterna busca. E “A Marca da Morte” nos aponta que alguma coisa nisso tudo escapa. Sempre há algo que não se alcança. Enquanto isso, homens morrem pelos olhos quando não matam um ao outro por posse e inatingível desejo. 

De fato, “A Marca da Morte” traz essas reflexões de forma bem alinhada embora sutil. Nada que prejudique o terror, o contrário: pode ser visto somente como tal. Aliás, será possível? Seu final levemente surpreendente deixa alguma pulga, alguma fala. Além disso, há também o experimento que a Direção de Fotografia faz em alguns trechos específicos. Ou seja, o filme tenta ser um pouco mais do que tantos outros que já estão demais. Há alguma coerência em si.


Filme: X – A Marca da Morte
Elenco: Mia Goth, Jenna Ortega, Brittany Snow, Kid Cudi, Martin Henderson e Stephen Ure
Direção: Ti West
Roteiro: Ti West
Produção: EUA
Ano: 2022
Gênero: Terror
Sinopse: Uma trupe decide fazer um filme pornô na zona rural do Texas, nos Estados Unidos, no fim dos anos 1970. No entanto, essa galera não imaginava que teria duas pessoas tão perturbadas como anfitriões numa fazenda erma.
Classificação: 18 anos
Distribuidor: A24 PlayArte no Brasil
Streaming: indisponível
Nota: 7,0

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