12º Olhar de Cinema – CASA IZABEL (Abertura)

12º Olhar de Cinema – CASA IZABEL (Abertura)

A grande façanha de Casa Izabel é fazer de conta que é o que não é. E aqui estou falando não só dos personagens da obra, como da própria obra. Se por um lado homens se travestem e vivem um final de semana encarnando mulheres fantasiosas, muito embora uma das regras seja para que toda personagem criada por cada um destes homens esteja fixada, de alguma forma, na realidade, por outro temos um filme que por mais que desde os primeiros minutos imprima uma trilha sonora insinuante e um ar nebuloso, não se mostra robusto o suficiente para colocar o espectador em um estado de tensão desde o início do filme. Mas veja, isso não é negativo, de forma alguma. A mim parece mais uma subversão que se torna extremamente perturbadora do meio para o final.

O filme todo é construído em uma cadência rítmica, mas sempre em progressão. A obra jamais anda para trás. A história se desenvolve sempre para frente, de modo a, também, afunilar o seu desenvolvimento. No início a câmera passeia pelo casarão, visita o lado de fora onde “as meninas” caçam, adentram diversos quartos, mas ao final só um ambiente importa: a grande sala, palco de bebedeiras, mesa de tarot e um piano tocado divinamente bem.

O casarão, uma espécie de refugio para estes homens, verdadeiramente, tolos – para dizer o mínimo – é também um personagem em Casa Izabel. Quando chega, atrasadA, a novatA, Regina, percebemos uma casa que transpira conservadorismo, que remonta aos tempos do Brasil colonial e que traça rapidamente um paralelo com a época em que o filme se passa, 1970, ditadura militar. Esta época serve não só como pano de fundo como é fundamental para uma subtrama – ou seria a trama principal?

Casa Izabel gosta de brincar com diversas informações que são anunciadas ao longo da trama tentando fisgar um espectador mais curioso e ávido por roteiros mirabolantes, mas a verdade é que Gil Baroni e Luiz Bertazzo, diretor e roteirista, respectivamente, fazem o simples e é nisso que está a magia do filme. Por mais que duas linhas narrativas estejam sendo contadas, os acontecimentos em ambas, que por vezes convergem entre si, servem de pontos de partida para o que vem a seguir na outra linha.

Nesse mesmo sentido temos os diversos espectros presentes nas personagens. Uma mais turrona, autoritária, outra mais romântica. Tem também a canastrona, mas há a erudita em seu piano. Cada uma preenche a tela à sua forma e essa porção eclética de personalidades fazem bem ao filme. Ao longo de toda a obra, pouco deixam transparecer quem verdadeiramente são, ainda que seja possível, mesmo nas fantasias, elaborarmos certas concepções a cerca de cada um dos personagens. Não há como ver Beth e não pensar que o homem por traz daquelas vestimentas é arrogante, presunçoso, desonesto e, ao mesmo tempo, covarde.

Covardia é, na verdade, o que praticamente todos ali tem em comum. A começar por uma Izabel já nos seus últimos dias em que se recusa a sair do seu quarto, que se esconde na penumbra sendo aliviada através de vídeos antigos, nos quais o tempo ainda não lhe tinha sido implacável com suas dores e doenças. Os demais se escondem de suas famílias e da sociedade. Veem aquilo que fazem ali, de fato, como vergonhoso, mas o desejo pela subversão é maior. Alguns, é verdade, até possuem sentimentos reais com os personagens que passam a viver sempre que estão na Casa Grande Izabel.

É curioso algumas escolhas da direção. Há um gosto particular aqui em filmar janelas. Evidentemente que não é só devido ao contraste das cores azul e branca. Existem outras justificativas, afinal os únicos que vemos através de janelas são Leila/Victor e sua tia Dalia. Provavelmente os únicos que vivem o eu verdadeiro naquela casa. São os únicos que podem ser vistos, pois são o que são ali ou em qualquer outro lugar.

Dentro da narrativa que trata sobre o paradeiro do filho de Dalia existem pequenos furos de roteiro que reduzem um pouco a credibilidade da obra. A começar pela confusão feita sempre quando se está a falar do sumiço de Gabriel. Nada, absolutamente nada, fica claro. Nem mesmo no ápice do gozo de Dália temos a certeza do que ela quer dizer. Pois nem mesmo ela sabe ao certo o que pode ter acontecido com ele. Outros elementos dessa subtrama ficam também deslocados dentro da outra história que está sendo contada, como a de um oficial que termina sua participação ao identificar seu capitão como uma das “meninas”.

A protagonista de Casa Izabel é Leila que aqui está muito bem interpretada por Jorge Neto. Seu olhar e sua postura, entregam a total insatisfação com o que vive. Além disso é rápido a relação que fazemos com ela, uma personagem negra ali, inserida, dentro de uma Casa Grande. Seu papel, como não poderia deixar de ser é a de uma serviçal. Alguem que limpa, literalmente, os dejetos do senhorio.

Casa Izabel chega ao seu final sem deixar muitas opções. Tudo o que foi apresentado e tudo o que vemos leva àquela epifania seguida da catarse. Gil Baroni acertou em cheio o tom e as oscilações entre o drama, o suspense e até mesmo a comédia. Sua câmera sabia muito bem o que filmar e como filmar. Não à toa o longa é rico em detalhes seja nos ambientes, figurinos e pequenos gestos dos personagens. Mesmo indo para um lugar bem distante de seu último longa, Alice Júnior (2019), Baroni, como sempre, muito eloquente com o discurso de seu filme.

Assistam Casa Izabel!


Filme: Casa Izabel
Elenco: Jorge Neto, Laura Haddad, Zeca Cenovicz, Sidy Correa, Otavio Linhares, Andrei Moscheto, Luís Melo, Luiz Carlos Pazello
Direção: Gil Baroni
Roteiro: Luiz Bertazzo
Produção: Brasil
Ano: 2022
Gênero: Drama, Suspense
Sinopse: Em um aparente refúgio da realidade brasileira dos anos 1970, homens da alta sociedade se encontram para encarnar mulheres em fantasias de luxo e exuberância. Mas Casa Grande Izabel esconde muito mais do que os caprichos e devaneios secretos de seus hóspedes.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Moro Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *