Sonhando e Morrendo (2023) é o longa-metragem de estreia escrito e dirigido pelo realizador singapurense Nelson Yeo (Mary, Mary, so Contrary, 2019). A obra foi vencedora do prêmio de melhor filme da seção Cineastas do Presente e de melhor primeiro longa-metragem no Festival de Locarno esse ano.
O drama de fantasia de Yeo conta a história do reencontro de três amigos de longa data. Enquanto dois deles se tornaram um casal, o terceiro, quando do encontro, vê seus sentimentos divididos entre os outros dois indivíduos.
Quando falamos do gênero fantasia, é comum pensarmos automaticamente em efeitos especiais e filmes cheios de ação, porém, em Sonhando e Morrendo essa fantasia é projetada de maneira bastante experimental e se apoia em uma forma bastante “regional”, característica de algumas obras provenientes do sudeste asiático, principalmente ao evocar, de maneira não muito sutil, o cinema do tailandês Apichatpoong Weerasethakul (Memoria, 2021).
Enquanto assistia a esse filme, percebi algumas pessoas deixando a sala de exibição, que desde o início não estava cheia. Acredito que muito desse movimento resida no fato de a audiência não se sentir tão disposta a dar uma chance a filmes que estão longe dos grandes circuitos. Sabemos que a forma de contar histórias é diferente quando se trata de realizadores asiáticos, ou mesmo do leste europeu, por exemplo.
Se por um lado vemos o cinema de países como Japão, Coreia do Sul e China – esse último em menor medida – se tornarem cada vez maiores entre o público, é comum não vermos um grande investimento de tempo por parte dos espectadores regulares aos filmes do sudeste da Ásia, como Tailândia, Singapura, Filipinas, Indonésia etc.
A fantasia de Sonhando e Morrendo reside nas histórias paralelas que se complementam. Enquanto assistimos repetições do texto interpretado pelo elenco de somente três pessoas, suas falas que se repetem vão costurando uma colcha de lembranças atormentadas pelo tempo que passou. Em meio ao reencontro sentimental desses três amigos, a história de um livro sobre tritões se entrelaça às suas e a realidade a que estão expostos se torna um borrão para eles mesmos e para o espectador.
Há um certo humor na narrativa de Sonhando e Morrendo que vai muito bem com os acontecimentos do roteiro de Nelson Yeo. Mesmo o drama do enredo é projetado de forma sutil e nada apelativa, até porque não há, na trama apresentada, espaço para melodrama. Ainda que haja a inserção de elementos que não existem na realidade, o cenário quase primordialmente natural não nos transporta a uma história que não pareça “real”. A representação crua de tritões do mar e peixes que podem falar pode ser um obstáculo àqueles que não estiverem dispostos a assistir com a mente aberta.
Como o próprio título em inglês – utilizado como padrão para a tradução no Brasil – do filme sugere, sua narrativa é centrada no ato de sonhar, seja acordado ou não, e na morte. Uma das características mais marcantes desse longa-metragem, para mim, se encontra justamente no fato de que é perceptível, durante muitos momentos da obra, o som de roncos inserido na trilha sonora. Como em um sono pesado e tranquilo, nossa mente vaga pelo terreno do sonho, tanto quanto os personagens, que se equilibram entre realidade e fantasia, sem saberem qual é qual.
Certamente a beleza de Sonhando e Morrendo reside na maneira com a qual o diretor e roteirista escolhe representar algumas das angústias de seus personagens, caminhando por assuntos como karma de outras vidas e até aquecimento global. A poesia presente no texto que se repete nas bocas e vozes dos três personagens é sensível e pode levar o espectador a momentos de sua própria trajetória de vida, uma vez que elas provém de um lugar comum, independente do país.
A passagem mais memorável do filme diz algo como “Foi você quem me deu meu primeiro cigarro, no beco atrás de nossa escola. Foi ali também que tive minha primeira decepção amorosa.” Ouvir a essas palavras de cada um dos personagens nos leva a reações também distintas entre si. Mesmo a frase “Quanto tempo sem te ver!” provoca emoções diferentes a cada vez que é proferida.
Ao final, a palavra que melhor se encaixa para descrever o filme de estreia de Nelson Yeo, é “estranho”. Mas não um estranho ruim, pelo contrário. Ainda que seja um filme de desenvolvimento lento e em alguns momentos confuso, sua narrativa e direção de fotografia são convidativas e cativam o espectador a medida em que ele se deixa envolver com a trama e os personagens retratados em tela.
Parafraseando o título original do filme, mal posso esperar para assisti-lo novamente e dizer “Não te vejo a muito tempo!”.
Filme: Hǎojiǔ bùjiàn (Sonhando e Morrendo) Elenco: Doreen Toh, Peter Yu, Kelvin Ho Direção: Nelson Yeo Roteiro: Nelson Yeo Produção: Singapura, Indonésia Ano: 2023 Gênero: Drama, Fantasia Sinopse: Três amigos de meia-idade se encontram pela primeira vez depois de muitos anos. Cada um deles começa a confessar sentimentos reprimidos, mas as férias tomam um rumo surpreendente quando resquícios do passado começam a ressurgir. Classificação: Livre Distribuidor: Momo Film Streaming: Indisponível Nota: 7,5 |