47ª MOSTRA SP – PEDÁGIO

47ª MOSTRA SP – PEDÁGIO

Com passagem pelos principais festivais do mundo – sendo um dos destaques do TIFF (Festival de Toronto, um dos maiores termômetros para o Oscar) –, Pedágio, da promissora diretora Carolina Markowicz, logo se firmou como um dos longas mais cotados a representar o Brasil na maior premiação de cinema. Posição que não foi conquistada por um mero acaso, a produção conta com ótimas atuações, uma narrativa envolvente e mais um trabalho interessante de Markowicz atrás das câmeras. Mas com ressalvas no roteiro, que perde oportunidade de se aprofundar em temas extremamente relevantes.

Na história, acompanhamos Suellen (Maeve Jinkings), que trabalha como cobradora de pedágio. Com ajuda do seu namorado (Thomás Aquino), ela vê uma oportunidade de ganhar uma renda extra de forma ilegal com o objetivo de financiar uma caríssima “terapia de conversão” – a tal cura gay – com um padre português para o seu filho Tiquinho (Kauan Alvarenga). Pela premissa era de se esperar que Pedágio abordaria a opressão familiar incentivada de um ambiente conversador de forma densa. No entanto, o longa surpreende com um texto mais leve e fluido, que por vezes flerta com a sátira social. Logo nos primeiros minutos, por exemplo, somos apresentados a Telma (Aline Marta Maia), amiga de trabalho de Suellen e que a indica a “cura gay”. Ela representa o brasileiro médio conversador, que preza pelos bons costumes: vai à missa aos domingos e comemora o aniversário de casamento jantando no Madero, por outro lado ela trai diariamente o seu marido com outros homens que passam pelo pedágio. 

Basta ligar os pontinhos para entender a representação arquetípica de uma pessoa infectada pela hipocrisia do discurso moralista conservador, que prefere cuidar dos afetos dos outros do que olhar para as suas problemáticas e que acredita em tratamentos “alternativos” (como a cloroquina), os quais carecem de embasamento científico. É inteligente como a diretora aproveita todo o primeiro ato para ditar esse tom mais leve e semi-satírico de sua história, definindo muito bem o seu tema e separando a narrativa em dois centros de discussão. O primeiro focado na moralidade das ações de Suellen, que discutem o fato dela estar cometendo atos ilícitos para pagar esse tipo “terapia” para o seu filho ao invés de estar motivada a dar uma vida melhor a ele e ajudá-lo com ferramentas que poderiam alavancar o seu futuro. O segundo busca retratar a “cura gay” de um ponto de vista ridicularizado, mostrando o quão patético é tudo isso.

Seguindo a mesma linha de Carvão, Pedágio se desdobra a partir de poucos personagens, pequenos acontecimentos e ambientados numa cidade pequena, que no caso é Cubatão. Aqui a diretora sai do ambiente interiorano e se direciona para um pólo industrial, que já foi considerado um dos municípios mais poluídos do mundo. A escolha de Cubatão como cenário conversa com a história e busca materializar a toxicidade do ambiente, que contamina a relação mãe-filho. Sendo este “embate” de personagens um dos principais pontos positivos, que se destaca graças as atuações incríveis de Jinkings e Alvarenga.

No arco de Suellen, a diretora e roteirista acerta em cheio na discussão da balança moral, mas nas questões envolvendo Tiquinho, Markowicz perde um pouco a mão e acaba relativizando e ignorando a face violenta e assassina da “cura gay”. Quando se trabalha com sátira e ridicularização de situações reais é preciso tomar esse cuidado de enxergar ela por um todo; o que não acontece aqui. Jojo Rabbit, por exemplo, lida com o nazismo e a Segunda Guerra Mundial a partir do ponto de vista infantil e inocente de uma criança, de uma forma completamente irônica e tosca. Mas em nenhum momento Taika Waititi esvazia o acontecimento real. Tanto que em algumas passagens, a sátira sai um pouco de cena para que certos pontos sejam discutidos e apresentados com a seriedade necessária. Em Pedágio, infelizmente, a diretora não consegue fazer esse equilíbrio e não encara o problema da maneira que ele se manifesta de verdade, um erro tendo em vista que o longa está muito calcado na representação fiel da realidade. 

Ainda que Pedágio deixe a desejar nesse ponto, isso não torna a produção menos potente ou importante. O segundo longa de Markowicz carrega as principais assinaturas da diretora – como a habilidade de extrair atuações singelas e reais de seus atores, a exímia condução de história, a criatividade e o talento para controlar narrativas – que a fizeram ser a primeira brasileira a conquistar o prêmio de “talento emergente” no TIFF. Sinto que ainda iremos escutar muito esse nome pelo Brasil e mundo.


Poster - Pedágio Filme: Pedágio
Elenco: Maeve Jinkings, Kauan Alvarenga, Thomás Aquino, Aline Marta Maia e Isac Graça
Direção: Carolina Markowicz
Roteiro: Carolina Markowicz
Produção: Brasil
Ano: 2023
Gênero: Drama
Sinopse: Suellen, cobradora de pedágio, percebe que pode usar seu trabalho para fazer uma renda extra ilegalmente. Mas tudo por uma causa nobre: financiar a ida do filho à caríssima cura gay ministrada por um famoso pastor estrangeiro.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Paris Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 7,5

*Filme assistido na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo*

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