CRÍTICA – O MENINO E A GARÇA

CRÍTICA – O MENINO E A GARÇA

Nestes últimos dias me debrucei sobre as animações que concorrem na categoria de Melhor Animação do Óscar 2024. Filmes distintos em técnicas empregadas, temáticas abordadas e conexões estabelecidas com os personagens. É inegável, porém, o poder das animações japonesas, sobretudo as produzidas pelo Studio Ghibli. O Menino e a Garça, dirigido e roteirizado por Hayao Miyazaki, não foge à regra e apresenta uma história tocante sobre perda, luto, caminhada, amadurecimento e vida. Claro que com toda a fantasia que é comum aos filmes da Ghibli.

Com um começo avassalador, retratando em poucos minutos o horror da guerra para os japoneses, logo somos jogados ao sentimento de dor sentido pelo jovem Mahito que acabara de perder sua mãe em um incêndio. Mas tal dor súbita dá lugar a uma apreensão, uma vez que o filme parece caminhar sem dar grande atenção a este primeiro acontecimento. A jornada que estamos preste a conhecer tem seu ponto de partida ali, mas mais importante do que onde o filme se inicia ou onde ele termina é o que se encontra no meio do caminho.

Não à toa existe uma preocupação em mostrar os pés – calçados ou não – bem como as pegadas marcadas na terra. Uma clara demonstração de que o seguir a vida, o pisar ao chão e o andar para frente estarão sempre em evidência aqui. Mahito claramente não aceita o que a vida lhe ofereceu: a perda da mãe e, posteriormente, uma nova família. É aí que entra a Garça. Uma ave graciosa que parece, em um primeiro momento, tirar a pouca paciência que resta do garoto. Mas ela é apenas a primeira peça para o mundo de fantasia que será proposto logo a seguir.

O mundo real e o de fantasia, naquele universo, compartilham de diversos elementos. A biblioteca localizada em uma edificação abandonada é o lugar perfeito para a transição, seja aceitando uma alteração do plano físico ou somente considerando que tudo faz parte da imaginação. Mas isso na verdade pouco importa. O que percebemos é que todo o caminho percorrido por Mahito, seja em busca de sua mãe, seja em busca de respostas ou até mesmo tentando encontrar sua tia o enriquece. Sim ele é muito novo para absorver tudo, mas nem sempre podemos escolher a qual velocidade irmos ou quais etapas não queremos queimar. As vezes precisamos fazer o melhor com o que temos a mão.

Com Mahito não é diferente. Em sua caminhada ele conta com diversas pessoas lhe ajudando. A senhorinha Kiriko, alguns personagens desse outro mundo e até mesmo a ajuda improvável da criatura “Garça”. O mundo de fantasia não é livre de problemas, é preciso assimilar os problemas e resolve-los, tal qual no mundo real em que vivemos. A verdade é que os problemas sempre existirão, mas tão logo assimilemos esta verdade absoluta, mais claro ficará o que tem de ser feito.

Esta passagem no mundo da fantasia é o tempo que leva o luto de Mahito. É o tempo de seu amadurecimento. Tempo necessário para que seus sentimentos, tão confusos em outrora, se acomodassem e, em calma, o fizesse enxergar o lado bom de estar vivo.

Alguns personagens destoam no filme. É o caso do pai de Mahito. Falta sentimento a ele. É um homem muito ocupado com seu trabalho e, de certa forma, esnobe. Duas cenas chamam bastante atenção. Uma quando ele com um carro novo – algo incomum em tempos de reconstrução por conta da guerra – faz questão de levar seu filho à nova escola. Outra cena é quando propõe mais violência ao ver seu filho machucado e imaginando que ele tenha sido atacado por algum garoto da escola. Esse personagem destoa de tudo o que o filme desenvolve. É mesquinho, agressivo e negligente. Sua preocupação ao final do filme não comove, pois foi totalmente prejudicada por essas ações marcantes, mesmo que pontuais.

O avô de Mahito também serve pouco ao desenrolar da trama. E mesmo o seu ancestral não confere emoção em suas cenas. O que dá magia ao filme são as personagens femininas: Sua mãe, sua tia Natsuko e a senhorinha Kiriko. Cabem a elas entrelaçarem o grande tecido que é esta obra.

Se eu pudesse definir o filme O Menino e A Garça em poucas palavras diria que é um filme muito maduro. Por vezes essa maturidade se assemelha com um pouco de frieza em como lidar com situações, claramente, dolorosas. Em Túmulo dos Vagalumes (1988), por exemplo, essa fluidez entre a seriedade e o sentimentalismo é melhor trabalhado. Aqui parece que há uma tentativa em não entrar muito a fundo em sentimentos como amor, saudade e dor. Essa ideia fortalece um ar cinzento e impregna o filme, não deixando ele desenvolver muitas cores.

Para muitos este pode ser o último filme do diretor japonês Hayao Miyazaki por conta da sua idade avançada, 82 anos. Eu prefiro acreditar que ainda veremos outras obras do diretor. Enquanto houver vida, há esperança. Seus filmes sempre plantarão uma semente no espectador. Todos que assistem, sem exceção, saem diferentes de quando entraram na sessão. E se o Cinema não tiver essa função, para quê servirá?


Filme: Kimitachi wa dô ikiru ka (O Menino e A Garça)
Elenco: Soma Santoki, Masaki Suda, Ko Shibasaki, Aimyon, Yoshino Kimura, Takuya Kimura, Kaoru Kobayashi e Shinobu Otake
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki
Produção: Japão
Ano: 2023
Gênero: Animação, Aventura, Drama
Sinopse: Depois de perder a mãe durante a guerra, o jovem Mahito muda-se para a propriedade de sua família no campo. Lá, uma série de eventos misteriosos o levam a uma torre antiga e isolada, lar de uma travessa garça cinzenta. Quando a nova madrasta de Mahito desaparece, ele segue a garça até a torre e entra num mundo fantástico partilhado pelos vivos e pelos mortos. Ao embarcar em uma jornada épica com a garça como guia, Mahito deve descobrir os segredos deste mundo e a verdade sobre si mesmo.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Sato Company
Streaming: Indisponível
Nota: 6,5

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