A exploração do sofrimento. Eu Capitão
Nesse filme, a representação da violência é incômoda e questionável. Além disso, a falta de contextualização política e histórica é — também — incômoda e questionável, ao se tratar de um problema político-social tão importante quanto a imigração ilegal. Em ‘Eu, Capitão’ acompanhamos Seydou e Mousta, dois adolescentes senegaleses que estão planejando imigrar clandestinamente para a Europa. Eles se iludem com vídeos na internet e almejam uma “vida melhor” e um “bom futuro”, afinal, a Europa é um sonho.
A falta de crítica à responsabilidade europeia é contagiante, isso porque, assim como Matteo Garrone, nós assistimos àquelas pessoas sofrerem e morrerem do conforto da nossa casa, e o que parece é que as pessoas em situação de vulnerabilidade estão ali apenas para suscitarem pena. A construção de empatia que o filme nos proporciona é longínqua, além disso, como ela não é desenvolvida para ser mantida no pós filme, ela não conduz para os questionamentos das causas do problema. Basicamente, é a exploração do sofrimento: dos protagonistas, que vivem todo o marasmo de angústias, e do nosso, que nos aterrorizamos com o que vemos. No final, o que fica é que a Europa continua sendo o sonho obstinado e que condiz com essa fantasia.
Os atores, Seydou e Moustapha, estão ótimos como primos e convencem com toda feição e irmandade que transmitem. Ademais, gosto que o aspecto idiomático foi considerado para construir a imersão na história. Ao todo, são falados os idiomas wolof, francês e inglês, sendo o primeiro uma língua falada na África Ocidental, sobretudo no Senegal, e é a língua nativa do grupo étnico uolofe — do qual os atores fazem parte. Além disso, é importante dizer que o filme é inspirado na vida do senegalês Mamadou Plee. Tudo isso poderia ter sido usado com muito mais força se não parecesse que o diretor está completamente alheio àquela realidade e a visualiza com seu olhar europeu.
Alguns aspectos técnicos, como a fotografia e o design de produção, são muito bem feitos e incorporados à realidade dos personagens, é bonito como tudo dança no mesmo ritmo para nos mostrar quem eles são e de onde vêm. Contudo, não fica claro e não é explorado o motivo de quererem partir, essa escolha fica na superfície. O tom onírico que o filme adquire em alguns momentos é completamente frívolo, visto que, mais uma vez, não há um bom desenvolvimento de ideia. Dessa forma, pouco importa se é apenas um sonho ou se tudo aquilo está representado por meio de um teor religioso. Por fim, o fantástico não encontra espaço na narrativa nociva com a qual estamos lidando aqui.
É frustrante quando um filme começa muito bem e finaliza muito mal. Nesse caso, ele se encerra de uma maneira completamente brusca, possuindo um desenrolar bagunçado e anticlimático. A cena final é, inclusive, cansativa e com certeza o diretor nunca ouviu a frase: “É preciso saber parar”. É uma pena, não há como negar que o final do filme não condiz com o que nos estava sendo apresentado anteriormente.
Filme: Eu, Capitão Elenco: Issaka Sawadogo, Moustapha Fall, Seydou Sarr Direção: Matteo Garrone Roteiro: Matteo Garrone, Massimo Gaudioso, Massimo Ceccherini, Andrea Tagliaferri Produção: França, Itália, Bélgica Ano: 2023 Gênero: Drama Sinopse: Seydou, um adolescente que, juntamente com seu primo Moussa, decide deixar Dakar no Senegal e seguir seu caminho para a Europa. Uma odisseia contemporânea pelos perigos do deserto, os horrores dos centros de detenção na Líbia e os perigos do mar. Classificação: 14 anos Distribuidor: Pandora Filmes Streaming: Indisponível Nota: 5,0 |
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