CRÍTICA – A CHAVE

CRÍTICA – A CHAVE

A Chave (Almiftah, 2023) é um filme em curta-metragem dirigido pelo diretor palestino Rakan Mayasi. Com uma narrativa simples, adaptada de um conto de Anwar Hamed, o curta traz a história de uma família israelense que tem sua paz rotineira abalada quando a filha criança do casal começa a ouvir sons estranhos vindos da porta da casa da família durante a noite.

Com cerca de 19 minutos, o enredo de A Chave preza por uma apresentação de seu tema a partir de uma repetição de atos que de início pode parecer um tanto quanto desgastada. Enquanto assistimos à “saga” desses pais com uma filha pequena que escuta coisas que eles não escutam, somos levados, assim como os adultos, a crer que algo não está certo com a menina.

A utilização de uma atmosfera de suspense adiciona a trama o elemento do desconhecido, que, aliado ao “inimigo invisível” que tenta abrir as portas durante a noite, eleva a experiência do filme, que classificado dentro do gênero drama, pode muito bem ser considerado um terror, não somente por sua apresentação sombria, mas pela opressão dos fatos em tela aliada à opressão da realidade.

Um dos principais pontos sob o qual a narrativa deste curta-metragem se debruça talvez esteja na dualidade apresentada entre a visão de mundo da criança e a visão dos adultos. Focado nos personagens dos pais e do médico que trata a menina, somos apresentados a formas diferentes de pensar: a da garota, que está assustada com o barulho que não consegue identificar, a de seu pai, que é cético e está mais preocupado com o seu sono sendo perturbado, e da mãe, que preocupada com a filha e com a segurança de seu lar, busca uma resolução para o problema. Além destes está o médico, que sem saída, prescreve remédios para dormir à criança.

À medida em que o problema parece somente crescer, apesar dos esforços dessa família em detê-lo, somos levados para dentro dessa alegoria que aborda um problema que há muito persiste. É só no final do curta-metragem que este problema se apresenta em palavras, porém, entende-se a partir da narrativa composta por Mayasi que seu filme é sobre o povo palestino, que tenta, a todo custo voltar para casa.

Que casa, afinal? Podemos questionar após pensarmos um pouco sobre A Chave. Nesse ponto, o filme de Rakan Mayasi é eficiente – apesar de muito sutil – ao elaborar uma trama que apresenta a sensação esmagadora de perder não só o território que se chama de lar, mas também de toda a cultura de um povo que vive em sofrimento e à beira da extinção.

Ainda mais eficiente é a forma com a qual o diretor escolhe para finalizar sua história. Embora o filme não chegue a alcançar os vinte minutos de duração, seu enredo se prolonga no espectador à medida em que vai se “digerindo” sua narrativa. A simplicidade desse roteiro de pouca luz e poucas locações é, com o perdão do trocadilho, a chave para o sucesso de seu desfecho.

Este desfecho é a melhor parte da narrativa de A Chave. Ao ficarmos cada vez mais cientes da presença de alguém que materialmente não se encontra ali, somos tomados pela dor desse outro que não se apresenta, mas que onipresentemente se faz notado. A peça importante do roteiro deste curta-metragem está no fato dele não se apegar a um falso sentimentalismo ou sensação de pena no espectador.

A narrativa dirigida por Mayasi nos conduz a uma apresentação muito astuta desse “conflito” que tem se mostrado cada vez mais cruel e absurdo. A dualidade entre o pedir educadamente e o ser expulso sem sequer ser ouvido é incluída na trama de maneira muito natural e até mesmo banal. Nesse ponto, há talvez uma pequena falha ao não apresentar mais do conflito dessa pequena família com o “inimigo invisível” atrás da porta. Como espectadora, gostaria de ver mais de uma possível reparação histórica, ainda que em pequena escala e dentro da ficção.

Ao se forjar na realidade, o trabalho de Mayasi mostra a partir do olhar ainda não corrompido de uma criança que talvez – se pensarmos muito, muito positivamente – poderíamos acreditar que ainda exista alguma salvação para as pessoas. Da mesma forma que o enredo apresenta esse pequeno feixe de esperança, pincelado sutilmente através da personagem infantil, ele se retira de cena abrupta e violentamente, mostrando que a esperança, infelizmente, talvez não esteja “disponível”.


  Filme: Almiftah (A Chave)
Elenco: Saleh Bakri, Lana Haj Yahia, George Ibrahim, Nada Zoabi.
Direção: Rakan Mayasi
Roteiro: Rakan Mayasi, Matija Dragojevic, Tony ElKhoury, Antoine Waked.
Produção: Bélgica, França, Palestina
Ano: 2023
Gênero: Drama, Suspense
Sinopse: O equilíbrio de uma família israelense se desintegra gradualmente quando um som misterioso é ouvido todas as noites na porta de seu apartamento.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Salaud Morisset
Streaming: FILMICCA
Nota: 7,8

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *