CRÍTICA – INSTINTO MATERNO

CRÍTICA – INSTINTO MATERNO

Instinto Materno consegue manter um suspense de ranger os dentes até a sequência final. A atmosfera de tensão é criada e mantida pelo roteiro, trilha sonora e excelentes atuações de Anne Hathaway e Jessica Chastain. As duas têm grande relevância narrativa, porém, durante boa parte da duração do filme, Alice interpretada por Jessica Chastain é a protagonista da história, pois vemos tudo o que acontece por sua ótica. Apenas passamos a acompanhar de perto Céline interpretada por Anne Hathaway quando é revelada a verdade sobre tudo o que acontecia. O título do filme, Instinto Materno, se faz presente na narrativa desde as cenas iniciais em que vemos Céline suspeitar das cortinas fechadas, sendo que tinha as deixado abertas antes de sair, assim, pressente o perigo e decide ir descobrir quem pode estar escondido em sua casa querendo proteger as crianças. Já Alice tem seu instinto maternal representado quando corre para proteger seu filho dos biscoitos de amendoim que ele não pode comer por ter uma alergia letal. Assim, somos apresentados a essa atmosfera de constante medo das mães por seus filhos e até onde elas podem ir para protegê-los.

Esse teor materno é muito bem aproveitado durante a cena da morte de Max. Na cena que precede a morte de Max, Alice está cuidando das rosas vermelhas de seu jardim, cor bem forte que nos remete a sangue. O roteiro continua a brincar com esses avisos sobre o futuro ao nos fazer pensar ainda mais em possibilidades de perigo quando ela corta seu dedo. Assim, esses pequenos detalhes visuais são utilizados para preparar o espectador para o pior que está por vir: a morte. Quando vemos Max se pendurando na sacada, já pressupomos que é tarde demais, porém, Alice se agarra no desejo de proteger a criança que não é sua, representando como o instinto materno de uma mãe funciona para qualquer criança, e corre para tentar salvá-lo. Quando Céline vê o que aconteceu com seu filho, sua reação, em meio ao completo choque daquela tragédia, é correr para vê-lo de perto e, assim que o encontra abraça o corpo da criança sem vida segurando sua cabeça por onde escorre muito sangue, ela parece tentar proteger Max mesmo depois de morto. Aqui vemos os instintos das duas personagens: a proteção carinhosa de Céline e o desespero ansioso de Alice sempre se precavendo para o pior.

Partindo para um estudo simbólico, Alice consegue ser a única que percebe a mudança tenebrosa em Céline e, mesmo que seja vista como uma mulher delirante por seu marido, estava certa sobre tudo que sua vizinha estava armando. Isso tudo é passado para a audiência por meio de elementos visuais. Desde sua primeira aparição, vemos como Alice observa sua vizinha pela janela de casa atravessando o olhar pelas cortinas brancas e quase transparentes. Essa visualidade das cortinas trás uma ideia de “clareza”, intensificada pela iluminação criada para essas cenas que são sempre bem claras e, assim, podemos ver seu olhar e o que ela observa sem nenhum obstáculo visual. O momento em que Céline começa a se tornar cada vez mais obcecada com a morte de seu filho e inicia seus ataques a família dos vizinhos, durante o funeral de Max, ela está usando um véu preto e rendado. Isso nos impede de enxergar seus olhos com nitidez, ao contrário de Alice, a visão de Céline passa a ser repleta de obstáculos visuais que são representados pelas rendas do véu tirando sua percepção nítida sobre a realidade e ela acaba se perdendo nos sentimentos conflitantes causados pelo seu luto, representado pela cor preta do véu. Esses detalhes visuais da narrativa ligados a visão das personagens trás uma riqueza simbólica ao filme que consegue comunicar essas informações ao espectador sem precisar de um momento de falas expositivas no roteiro.

As ações ardilosas de Céline se tornam cada vez mais intensas na narrativa e, quando passamos a observar tudo o que ela faz, ficamos impressionados com a capacidade destrutiva que alcança. A maneira em que ela conquista seu espaço na vida de seus vizinhos e consegue realizar cada uma das etapas de seu plano é absurdo e tenebroso. O filme não explica os motivos psíquicos que a levaram agir dessa maneira, mas pela maneira que tudo é apresentado entendemos que tem relação com a perda de seu único filho, a inveja de seus vizinhos que podem ter mais filhos e a vontade de reconquistar sua função como mãe. Céline é uma personagem que desde o começo é apresentada como uma mulher que se sente realizada como mãe e não se vê fazendo outra coisa. Isso nos faz acreditar que o motivo para seus crimes vem da vontade de reconquistar essa posição. No entanto, acompanhar a forma que Céline articula seu plano no arco final do filme trás uma força narrativa para a antagonista a configurando como uma pessoa perigosa, calculista e assustadora. Tudo isso a afasta da visão de mãe que tínhamos dela e nos perguntamos se ela poderia retornar a essa função de cuidadora tendo toda essa crueldade dentro de si. A performance de Hathaway contribui muitíssimo para a construção tenebrosa de sua personagem.

O final do filme é um grande divisor de águas, pois para algumas pessoas pode ser uma experiência emocionante ao nos entregar algo não esperado. Surpreendendo-nos com uma realidade que não desejávamos e causando um enorme baque emocional. Porém, outras pessoas podem sair da sessão decepcionadas por acreditarem que o filme devesse nos recompensar com um final relativamente feliz para a personagem Alice, já que a acompanhamos como protagonista pela maior parte do tempo. Eu estou com os que se satisfazem com o final não esperado. Por mais que não seja o que eu desejava, sinto que nos causa uma reação mais intensa do que o possível “final feliz”. Além disso, acredito que o “final feliz” geraria uma sensação de estranheza. A final quem consegue viver feliz para sempre depois de passar por toda a tortura psicológica que Céline causa em seus vizinhos? Por tudo isso, não vejo um “final feliz” para essa história como uma opção tão satisfatória quanto alguns espectadores podem acreditar que seria.

Em conclusão, esse é um filme que indico que todos vejam pelas atuações de Anne Hathaway e Jessica Chastain, mas, além disso, para terem a experiência de passar por todo esse suspense psicológico e tirar suas próprias conclusões sobre o final da história. O Instinto Materno nos faz sofrer como se aquela vida fosse nossa e nos deixa com o coração acelerado acompanhando o desenrolar da história. Um suspense emocionante que tensiona todo o nosso corpo e não conseguimos descolar os olhos da tela por pior que as coisas estejam. O filme tem data de lançamento nos cinemas do Brasil no dia 28 de março.


Filme: Mothers’ Instinct (Instinto Materno).
Elenco: Anne Hathaway e Jessica Chastain.
Direção: Benoît Delhomme.
Roteiro: Barbara Abel e Sarah Conradt.
Produção: Estados Unidos.
Ano: 2024.
Gênero: Drama e Suspense.
Sinopse: A vida aparentemente perfeita das amigas Alice e Celine desmorona após um acidente envolvendo um de seus filhos. O que começa como uma tragédia inimaginável acaba transformando a amizade entre elas em um jogo de segredos e mentiras.
Classificação: 14 anos.
Distribuidor: Imagem Filmes.
Streaming: Indisponível.
Nota: 7,0

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