CRÍTICA – A FILHA DO PALHAÇO

CRÍTICA – A FILHA DO PALHAÇO

A Filha do Palhaço é um filme que retrata muito bem as diferentes formas de lidar com abandonos. Observamos como Joana, uma adolescente, lida com o abandono sofrido com o distanciamento que teve com seu pai, Renato, desde a infância. Ao mesmo tempo, vemos como Renato lida com o distanciamento que Joana força entre a relação dos dois no começo pelas dificuldades de se comunicar com quem não vê há tantos anos. No entanto, o momento em que vemos como de fato Renato lida com o abandono é ao final do filme, quando ele descobre que a filha vai se mudar pra muito longe e ele não poderá mais vê-la. Nas reações dos dois a essas perdas é possível ver uma melancolia, mas Joana se expressa de forma muito mais raivosa, enquanto Renato parece lidar com uma dor tão forte quanto a de um luto. Esse aspecto do filme nos emociona por se tratar de um sentimento que todos já sentimos alguma vez.

O filme tem um enfoque muito grande nesse reencontro dos dois e em muitos momentos eles parecem estar se conhecendo pela primeira vez. Todo esse caráter intimista entre as duas personagens é lindíssimo, porém sinto que poderia ter sido muito mais potente em uma narrativa fílmica mais poética do que no formato clássico escolhido aqui. Pelo fato de narrativas clássicas pedirem por pontos de virada e outros elementos comuns a inúmeros roteiros desse tipo, o roteiro desse filme fez o mesmo, criando uma possibilidade de tensão um tanto mal feita. O “suspense” criado quando descobrimos em uma troca de mensagens de Joana com uma amiga e é reafirmado nas conversas com a mãe, Cristina, de que ela está fazendo algo sem a autorização da mãe o que pode gerar muitos problemas para ela e Renato não funciona de forma satisfatória. Em meio aos diálogos intimistas de Joana e seu pai, existem momentos que nos fazem relembrar desse “suspense” de uma forma muito forçada e não natural. Isso quebra o ritmo da trama intimista dos dois e nos faz dar muita mais importância para essa tensão. Existem vários momentos em que eu me perguntava “agora ela vai aparecer?”, “é assim que a mãe descobre?”, mas no fim ela aparece de uma maneira um tanto anticlimática e abrupta. Acredito que se ela tivesse descoberto mais cedo, quando Joana vai pro hospital, teria causado um atrito muito maior. Outra opção que me rodeava a mente enquanto eu assistia, era se não veríamos o ponto de vista dela, o que traria sua perspectiva de mãe preocupada para a história e nos causaria ainda mais emoções. Infelizmente, o filme optou pelas escolhas de roteiro mais sem graça possíveis quando se trata dessa relação familiar como um todo.

De todo modo, assim que a mãe aparece, o filme tem uma melhora considerável. Um dos motivos é a, finalmente, chegada do atrito da história que por mais da metade do filme a relação pai e filha em muitos diálogos se estabelece com uma extrema monotonia o que fazia o filme se tornar uma experiência muito mais morna do que poderia ser. Outro motivo é por termos o prazer de ver o ator Demick Lopes, Renato, contracenando com uma atriz tão excelente quanto ele, Ana Luiza Rios interpretando Cristina. Como A Filha do Palhaço é um filme onde boa parte das ações são feitas por diálogos era extremamente necessário que todo o elenco estivesse em níveis de atuação parecidos, porém Lis Sutter que interpreta Joana não consegue alcançar o mesmo nível de outros no elenco, principalmente, o de Demick com quem mais contracena. Esse certo amadorismo da atriz de Joana acaba incomodando em alguns momentos do filme, em outros me fazia pensar que “talvez eu estaria me emocionando se a atriz fosse um pouco melhor”. Lis Sutter não é uma atriz terrível, eram apenas nos momentos que demandavam mais emoção nas interações com Renato, Demick Lopes, onde se percebia essas pequenas falhas em sua habilidade. Acredito que se ela continuar atuando, um dia estará muito melhor.

Ademais, os pontos positivos do filme estão nesses excelentes atores e atrizes: Demick Lopes, Ana Luiza Rios e Jesuíta Barbosa, no trabalho excelente da fotografia na construção de enquadramentos e iluminação junto da arte trabalhando nas minúcias de construção de cenários, figurinos e maquiagens riquíssimas em detalhes. A direção fez um ótimo trabalho conduzindo esses elementos do filme. Além disso tudo, há a presença no filme do cenário artístico de Fortaleza o que é magnífico de ver. Isso está presente no trabalho de Renato, no teatro, os palhaços e a banda local que aparecem no filme. Essa riqueza cultural é muito importante para a construção do universo do filme.

Com tudo isso, concluo que esse é um filme no qual a história tinha um grande potencial, mas acaba não conseguindo alcançar toda a grandeza que poderia atingir por conta de pequenas falhas no roteiro e de algumas atuações. Um filme onde sua força está nas relações do cotidiano. A Filha do Palhaço é lindíssimo e pode emocionar muito aqueles que já sofreram situações parecidas de abandono ou perda.


Filme: A Filha do Palhaço.
Elenco: Demick Lopes, Lis Sutter, Ana Luiza Rios e Jesuíta Barbosa.
Direção: Pedro Diogenes.
Roteiro: Pedro Diogenes, Michelline Helena e Amanda Pontes.
Produção: Brasil.
Ano: 2024.
Gênero: Drama.
Sinopse: Aos 14 anos, Joana aparece para passar uma semana na companhia do pai, Renato, humorista que se apresenta em diversos ambientes interpretando o personagem Silvanelly. E nessa semana eles aprenderão a se reconhecer.
Classificação: 12 anos.
Distribuidor: Embaúba Filmes.
Streaming: Indisponível.
Nota: 5,0

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