FALLING – AINDA HÁ TEMPO

FALLING – AINDA HÁ TEMPO

Falling (Ainda Há Tempo) é o filme que marca a estreia de Viggo Mortensen na direção e roteiro. O longa dialoga com a passagem do tempo – bem referendada pelo tic tac presente em diversos momentos do fime –, com o nosso passado, nosso presente e todos os nossos erros e acertos nessa grande caminhada chamada Vida.

Viggo Mortensen, que também atua aqui, é John Peterson, um homem gay, casado com Eric (Terry Chen), com quem tem uma filha, Monica (Gabby Velis). Já no início do filme o vemos com seu pai em um avião, mas não sem antes sermos apresentados às suas versões passadas, quando John era apenas um bebê. No tempo presente, de alguma forma, John se sente responsável por seu pai, um homem com um quadro de demência e que, agora, irá passar uns dias na casa de seu filho.

Essa relação entre eles dois se mostra muito delicada e difícil, mas não é algo provocada pela orientação sexual de John, ou pelo seu casamento com Eric. É algo, como bem mostrado nos primeiros minutos do filme, que já existe desde que nasceu. Seu pai, Willis (Henriksen), talvez pela sua própria educação, nunca soube dar nada a mais do que recebera quando criança. E quando sussurra para seu filho John ainda bebê: “desculpa traze-lo ao mundo para morrer”, isso fala muito sobre quem é Willis e em como ele vê o mundo.

No tempo presente – e o filme oscila bastante entre passado e presente através de muitos flashbacks – Willis possui um quadro de profunda confusão mental e, aqui, é impossível não relacionarmos com o recente e excelente “Meu Pai” (2020) do diretor Florian Zeller, protagonizado por Anthony Hopkins. Entretanto a reatividade do personagem Willis, sobretudo na atuação, é muito mais voltada para uma violência, a qual não se apresenta de forma física na maioria das vezes, mas sim verbal.

Willis usa da raiva, do deboche e de um arsenal bastante variado para agredir seu filho. E isto é algo que vai se repetir diversas vezes ao longo do filme, esteja ele em um estado de confusão ou não. Muito embora possamos, em algum momento, duvidar do protagonismo do filme, ora sendo Mortensen ora sendo Henriksen, fica claro, principalmente pelo fato de quem são as memórias, que é sobre o personagem John e a sua longa história com seu pai que o filme demonstra todo interesse.

As mudanças de tempo que, particularmente, gosto são muito bem pontuadas para conhecermos pouco a pouco o personagem Willis, sabermos como fora sua relação com sua esposa Gwen (Hannah Gross) e com seus filhos, mas, principalmente, com John, o seu primogênito.

Willis não era um bom pai e muito menos um bom marido, mas era respaldado, de certa forma, pela época em que viveu. Mesmo assim isso não foi o suficiente para que ele próprio não sofresse pelas suas próprias escolhas. Quando citei no ultimo paragrafo sobre as mudanças de tempo, presente-passado-presente, era no sentido da atratividade em como cada cena é moldada. Seja pelas cores utilizadas, pela ambientação ou pelos personagens retratados, tudo serve para compor aqueles que estão no presente, principalmente, Willis e John. E há uma cena em especial que reforça isso que é quando de forma sutil temos uma ideia de uma depressão sofrida pela mãe de John, a qual ele tem conhecimento e em seu aniversário de 10 anos o percebemos somatizando, também, as dores dela.

Mas se o trabalho feito com as cenas que se passam no passado, nos dando a origem de todo o problema que reflete diretamente no tempo presente implicando na existência de uma barreira, praticamente, intransponível entre Willis e John, o mesmo não acontece com o que temos de composição dos personagens no tempo presente. John é super caricato, pois em certo momento começa a quebrar certos movimentos para que saibamos com certeza que ele é gay. O que é completamente desnecessário haja vista que o outro personagem gay, seu marido Eric, do início ao fim do filme, se mantém no personagem e não há duvidas quanto a isso. Além disso este nem sequer é o foco do filme, nem deveria ser algo que chamasse a atenção, muito embora eu tenha ciência do quanto é importante relacionar certos assuntos para que o pensamento critico aflore nas pessoas, como no caso de uma foto de Obama na geladeira em oposição a todo o comportamento conservador de seu pai Willis.

Sobre este comportamento ainda temos outros elementos que determinam a personalidade de Willis, como sua roupa que indica como o personagem não mudou e não mudará. Ele é alguém que jamais irá ceder, como bem disse sua esposa Gwen, ele é indomável. Nesse quesito Mortensen não faz questão de mostrar um outro lado de Willis, há, na verdade, um reforço de alguém incapaz de pedir desculpas e que será do mesmo jeito até o fim de seus dias, até aquele tic tac que tanto ouvimos no filme, enfim, se calar.

Mortensen, nesse seu primeiro filme como diretor, mostra bastante qualidade quando escolhe certos enquadramentos para transmitir a ideia de solidão, de loucura, de medo e de um certo encolhimento do personagem Willis, ao mesmo tempo que usa certas angulações e alturas de câmera para indicar que ali estamos presenciando a visão das crianças, John (Etienne Kellici) e sua irmã Sarah (Carina Battrick). Mas essa acuidade técnica não se transforma em uma história profunda, como são as marcas impetradas no intimo daqueles personagens. Ainda que, pelos confrontos entre Willis e John, sintamos que aquele amor e ódio é verdadeiro e palpável, todo o resto se apresenta apenas como um grande presépio, todos estão ali, compõem o cenário mas são estáticos.

Falling, de todo modo, é um ótimo cartão de visita de Viggo Mortensen no comando da câmera. Há muito sentimento envolvido, a trama é muito bem explorada e conta com uma atuação inspirada de Lance Henriksen, mas no grande quadro, olhando para o filme com um todo, ainda faltam várias peças e por isso, não nos sentimos tão comovidos quanto poderíamos ficar com essa história.


Filme: Falling (Falling – Ainda Há Tempo)
Elenco: Viggo Mortensen, Lance Henriksen, Sverrir Godnason, Laura Linney, Carina Battrick, Hannah Gross, Terry Chen, Ava Kozelj, Gabby Velis, Bracken Burns, Etienne Kellici.
Direção: Viggo Mortensen
Roteiro: Viggo Mortensen
Produção: Reino Unido, Canadá e Estados Unidos
Ano: 2020
Gênero: Drama
Sinopse: John vive feliz com seu marido e filha, longe da vida do interior que deixou para trás. No entanto, ele deve encarar novamente a homofobia e os conflitos de seu passado depois que seu pai adoece.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: California Filmes
Streaming: Não disponível
Nota: 7,0

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