CRÍTICA – MEU PRIMEIRO VERÃO

CRÍTICA – MEU PRIMEIRO VERÃO

Uma das características mais marcantes de Meu Primeiro Verão (2020) é sua atmosfera fílmica, ou, adequando o termo ao estilo geração Z de Katie Found, sua vibe. Trago a gíria, pois ela ajuda a sintetizar melhor a estética do filme, que tem como protagonistas duas jovens de dezesseis anos que vivem um conto de fadas enquanto resistem à adultez e suas complicações. Por exemplo, a vibe da iluminação calorosa, do cenário bucólico e, especialmente, dos momentos com trilha musical pré-existente, similares a edits com músicas indie e folk, são elementos contribuem para o teor etéreo e ingênuo desse breve período de tempo em que passam juntas. Sendo assim, o filme tem a capacidade de dialogar diretamente com a nova geração quando destina sua criatividade nas cenas idílicas e íntimas das jovens — não à toa, um dos comentários mais populares do filme no Letterboxd, escrito pela usuária @theresa, é apenas: “este filme foi feito para meninas que ouvem Clairo”, cantora estadunidense de indie pop que, por sinal, só conheço porque minha irmã de dezoito anos me apresentou. Apesar de ser um filme simples, de maneira geral, é nessa vibe que o charme do filme faz-se realmente presente, à despeito dos coadjuvantes, que, ainda que conceitualmente relevantes aos traumas das protagonistas, pouco conseguem agregar ao núcleo central.

Aliás, vale ressaltar, a diretora e roteirista, que é jovem e estreia em longas-metragens com esse trabalho, toma um caminho inusitado na construção do contexto da trama, para além das tradicionais tramas sáficas dos últimos anos, ao trabalhar com o absurdismo. A mãe de Claudia, ressentida das dificuldades da vida adulta, cria sua filha isolada de tudo e todos, querendo protegê-la da crueldade do exterior, razão pela qual decide suicidar-se. O filme, então, inicia-se com o plano de um lago e a narração de Claudia, explicando que estava afogando-se e algo a tirou de lá: uma luz. Também vê-se Claudia, vestida com uma simplicidade comparável a de uma camponesa medieval, correndo entre as árvores de uma floresta, uma atmosfera bem fabular, e, depois, chorando dentro de casa, abraçando sua cadelinha Tilly. Contrapondo essa imagética, surge Grace, que, desde o primeiro plano em que aparece, rompe com essa atmosfera pesarosa por parecer uma fada country contemporânea: saia tutu rosa, bicicleta vermelha, brincos felpudos enormes e pulseiras coloridas. O ar fantasioso já é instaurado a partir do contraste na caracterização das personagens, e o choque entre o exterior e a vida enclausurada de Claudia ocorre quando Grace simplesmente decide entrar naquela casa desconhecida, como se algo a atraísse. Claudia sente-se ameaçada e aponta uma tesoura de jardinagem à estranha, e assim, inicia-se a história de amizade e relacionamento das duas, com o foco no aprendizado de Claudia em relacionar-se com um outro ser humano, o primeiro que conhece além de sua mãe. É uma base hermética, o homeschooling que Claudia viveu até remete, levemente, a um experimento social fechado, às consequências desse tipo de formação. Porém, o filme não se debruça sobre as implicações psicológicas desse cenário, está mais interessado na ternura que pode sair a partir disso, na fantasia de um relacionamento inocente, imaculado, virginal.

Inclusive, acaba que, enquanto Claudia está aprendendo o básico do indivíduo social ao mesmo tempo em que assimila seus desejos sexuais, Grace viveu em sociedade, é ressentida com sua família e com a pequena cidade onde vive, tal qual a mãe de Claudia, e aprende, por meio da atração que sente por Grace, a ter alegria genuína, justamente o que faltou à mãe de Grace: conheceu o amor. Soa piegas, mas essa é a tal vibe que o filme busca, que remete à infância, à puberdade, um filme que tenta afastar-se dos pais, para que as jovens vivam seu mundo paralelo, doce e colorido. Essas características são muito bem sintetizadas em uma cena específica: Grace, chupando um anel de pirulito, mostra à Claudia as pulseiras de letrinhas que confeccionou e diz que essas bijuterias são sua passagem para longe dali — delírio adolescente maior impossível. Em seguida, monta com ela, selecionando letra por letra, pulseiras com palavras como, “inteligente” “bonita” e “amor”, o ABC do romance entre elas. Claro, há alguns embates referentes à incapacidade de Claudia de agir de maneira gentil quando está insatisfeita, falta esse tato a ela, mas a força do filme realmente está mais nessas cenas lúdicas do que nos conflitos. Por isso que todas as cenas que envolvem os coadjuvantes, como aquelas com os policiais que investigam a morte da mãe de Claudia (eles não sabem que ela teve uma filha) e os momentos com a mãe e o padrasto de Grace, são tropeços no andamento do filme, porque os conflitos externos não são tão preocupantes quanto os internos. Eles são relacionados, mas principalmente a interpretação dos policiais e suas aparições aleatórias só distraem o fluxo narrativo.

Meu Primeiro Verão pode não ser muito impressionante, mas Katie Found consegue trazer uma sensação de conforto boa, pela ambiência geral, pela boa escolha das músicas e pela representação honesta desse relacionamento fantasioso, sem grandes novidades e dificuldades, mas morno, calmo e capaz de iluminar a vida de quem o vive. Até porque muitos dos primeiros relacionamentos são assim, na adolescência, ainda no limiar da infância e da juventude, sem saber exatamente o que fazer ou como definir, mas reconhecendo que há um calor que aquece esses corações juvenis e querendo que nunca acabe, como os primeiros raios de sol sobre o rosto, no primeiro domingo de verão.

Filme: My First Summer (Meu Primeiro Verão)
Elenco: Markella Kavenagh, Maiah Stewardson, Arthur Angel, Steve Mouzakis, Katherine Tonkin, Edwina Wren, Harvey Zielinski
Direção: Katie Found
Roteiro: Katie Found
Produção: Austrália
Ano: 2020
Gênero: Drama, Romance
Sinopse: Claudia cresceu isolada do mundo exterior. Presa em uma propriedade remota após a morte de sua mãe, ela fica chocada quando Grace, uma animada adolescente local, aparece no jardim como uma miragem, uma brisa de ar fresco e açucarado. As duas encontram uma na outra o apoio, o amor e a intimidade de que precisam, e ensinam o poder restaurador da conexão humana. Mas a paz idílica que vivem é frágil enquanto o mundo adulto se aproxima e ameaça o secreto amor de verão delas.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Peccadillo Pictures
Streaming: Filmicca
Nota: 6,0

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