CRÍTICA — UM COMPLETO DESCONHECIDO

CRÍTICA — UM COMPLETO DESCONHECIDO

Antes de tudo, é preciso elogiar a sensibilidade do desenho de som do filme. Em um filme sobre um jovem que escreve e canta músicas que falam sobre o mundo ao redor, fazer o espectador ouvir o mundo por meio dos sons de rádio, desde locuções jornalísticas até as músicas mais tocadas, é um detalhe ímpar. Essas intervenções acontecem quando Dylan vagueia pelas ruas de Nova Iorque, como um vago sem rumo, quase que sem olhar para nada e para ninguém, mas ouvindo tudo com atenção, dos bares noturnos a um apito de um ambulante. Não é preciso filmar uma cena de inspiração musical, uma que mostre a origem de uma música, pois Dylan é banhado pelo mundo, e suas músicas simplesmente acontecem: é o que o filme propõe; é o enigma da personalidade que interessa, assim como interessou em sua época e interessa até hoje, e Timothée Chalamet o interpreta com maestria. Um Completo Desconhecido

O diretor James Mangold limita-se a mostrar poucos segundos de Dylan escrevendo uma letra ou outra e foge de fazer uma biografia em que eventos dramáticos resultam claramente numa canção. Até pela carga de contracultura que suas músicas mais famosas carregam, não seria simples relacioná-las com melodramas pessoais, e, talvez mais importante ainda, o diretor também não as relaciona com tramas de ativismo político; o filme é unicamente sobre Bob Dylan e sobre, precisamente, como o fato de ele pôr sua vida e sua arte em primeiro lugar afeta todos ao redor — sobre um artista. É claro, essa maneira de se viver faz com que o protagonista possa ser visto como arrogante, desleixado, cínico, mas certamente sensível em suas composições e iluminado em suas performances; é o tipo de complexidade humana que, na escrita de um roteiro, basta um passo em falso para garantir uma antipatia por parte do espectador, mas o filme consegue emular tão bem o cantor que o filme retrata que provoca os mesmos questionamentos que seu público fazia na época.

Tanto é que o triângulo amoroso, o artifício perfeito para um filme de drama, não é um de disputa ou de conquista, mas de conciliação. A personagem Sylvie Russo, que seria a jovem Suze Rotolo, mas que trocaram seu nome à pedido do próprio Dylan, representa um romance tenro e juvenil, um fadado ao término já que a vida de um cantor de sucesso se interpunha a uma relação tranquila e pacata. Seus encontros no cinema são a demonstração clara dessa jovialidade e inocência, um estilo de vida que Dylan foi afastando cada vez mais (e a cena envolvendo uma linha de diálogo de um filme clássico… que catarse). Já a personagem Joan Baez representa o romance desgarrado e intenso, um também fadado ao término pelos atritos artísticos (e tem um momento de dueto musical que também traz uma catarse poderosíssima para a relação dos dois). É trágico que o que parecia ser um amor ideal é atrapalhado por relações com pouco ou nenhum amor, e não é como se Dylan se afetasse profundamente com isso (pelo menos não a princípio), o filme decide ir por esse caminho, um que emociona, sem dúvidas. Um Completo Desconhecido é uma daquelas raras biografias que levantam mais perguntas do que respostas, e não poderia ser diferente para contar um pouco da vida do músico que escreveu o verso “The answer my friend, is blowin’ in the wind”.


Filme: A Complete Unknown (Um Completo Desconhecido)
Elenco: Timothée Chalamet, Elle Fanning, Monica Barbaro
Direção: James Mangold
Roteiro: Jay Cocks, James Mangold
Produção: Estados Unidos
Ano: 2024
Gênero: Drama
Sinopse: Situado na influente cena musical de Nova York do início dos anos 60, ‘A Complete Unkown’ segue a ascensão meteórica do músico de Minnesota Bob Dylan, de 19 anos, como cantor folk até as salas de concerto e o topo das paradas – suas canções e mística se tornando uma sensação mundial – culminando com sua performance inovadora de rock ‘n roll no Newport Folk Festival em 1965.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Searchlight Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

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