CRÍTICA – O PRIMEIRO DIA DA MINHA VIDA

CRÍTICA – O PRIMEIRO DIA DA MINHA VIDA

O Primeiro Dia da Minha Vida é um filme que aborda de maneira espiritual o suicídio. Acompanhamos a passagem de vida para uma espécie de limbo de 4 personagens: Emilia interpretada por Sara Serraioco, Napoleone interpretado por Valerio Mastrandea, Arianna interpretada por Margherita Buy e Daniele interpretado por Gabriele Cristini. O elenco faz um bom trabalho com o que lhes é entregue, mas algumas cenas são bem complicadas de acompanhar por conter um roteiro mal escrito em muitos aspectos, principalmente em respeito aos diálogos. Muitos diálogos são ruins e a personagem do Napoleone foi o que mais sofreu com essa má qualidade na escrita, pois recebe as piores cenas e o arco mais clichê que se pode esperar de um “coach” que se suicidou. Por mais que se esperem certos clichês em melodramas, na trama de Napoleone há um excesso de más escolhas que acabavam por me desconectar do filme pelo ridículo. Um exemplo disso é a música “hallelujah”, um grande clichê pra filmes dramáticos ligados a espiritualidade e morte, cantada mais de uma vez de forma nada espontânea transmitindo uma sensação de plasticidade tão grande que não consegue me emocionar de forma alguma. Dessa forma, pensando nesses pontos negativos da trama, o filme de 2 horas parece ser muito mais longo em seu começo. Isso acontece porque demora para você se conectar com todas as personagens, assim, acredito que nem para quem gosta de melodramas esse filme é satisfatório.

Outro ponto negativo do enredo é o excesso de personagens principais, os 4 recém mortos. Assim, temos personagens demais para serem trabalhados e que a solução encontrada aqui é apresentá-los para o público de maneira seriada. Essa escolha de apresentar suas tramas tão separadamente é um grande erro, pois as tramas não parecem conseguir se conectar o que transforma o filme em algo não coeso, sem uma fluidez narrativa satisfatória. As únicas histórias que são trabalhadas em conjunto e funcionam são de Arianna e Daniele. Porém, não causam muito emoção, se tivessem um tempo maior de tela para serem melhor aproveitadas teriam conseguido. Além das tramas de cada personagem serem seriadas, o próprio filme também traz uma sensação de estrutura por episódios ao separar na montagem os 7 dias em que passam juntos explicitamente com fundo preto e “tal dia” escrito em tela. Sendo assim, o filme ressoa como uma série de televisão, mas que não foi dada tempo o suficiente para trabalharem todas as tramas passando a sensação de ser corrida demais. Defendo que essas histórias teriam sido melhor desenvolvidas e mais impactantes se trabalhadas em um modelo seriado de fato.

Para mim, dentre as 4 personagens recém mortas, a que tem o enredo mais interessante, atual e que dói assistir é de Daniele, uma criança, diabético, que é forçado pelos pais a trabalhar como um “youtuber” comendo quantidades de comida absurdas em busca de conseguir uma fama e sucesso econômico para seus pais. Ele sofre bullying diariamente na escola e não recebe nenhum tipo de apoio dos seus pais. Até quando lêem sua carta de suicídio não conseguem entender o que o filho pede, ou melhor, escolhem não entender. Nos últimos anos, desde que a profissão “youtuber” surgiu, o que mais temos visto são famílias explorando seus filhos os forçando a trabalhar nessa carreira desde muito jovens. Uma profissão cansativa e de enorme visibilidade que além de cansar a criança e negligenciar seu direito a infância, também, acaba a colocando em perigo por poder ser assediada e violentada de inúmeras formas. Aqui vemos uma resposta extremamente trágica do que essa exaustão pode causar: um suicídio. É uma trama que machuca muito por Daniele ser extremamente novo e estar rodeado de todos os outros adultos que também sofriam pressão em seus trabalhos, mas não na intensidade que ele sofria. Esse é um enredo muito marcante, atual e doloroso, porém, novamente, por conta da dificuldade de se trabalhar tantas tramas ao mesmo tempo, sinto que faltou tempo de tela para essa história e, assim, seu final não impacta tanto quanto poderia.

Outro ponto que me incomoda ao mesmo tempo em que me intriga positivamente é o ar místico que se deu para a morte. Uomo que funciona como um “anjo da guarda” nunca se declara como um e por mais que tenha uma cena dentro de uma igreja católica, o funeral de Napoleone, não existe qualquer correlação entre religiões cristãs e o filme. Além disso, pela forma que a trama apresenta a possibilidade de uma “segunda chance”, acreditei que o filme fosse abordar uma temática próxima as religiões espíritas com a reencarnação, mas isso também não acontece. Dessa forma, por mais espiritual que o enredo seja, ele passa uma sensação de neutralidade religiosa, o que eu gostei por não estar acostumada com esse tipo de tratamento em histórias melodramáticas envolvendo morte. No entanto, a abordagem da morte e do suicídio nessa roupagem mística, também, me incomoda em certos momentos, principalmente, na trama do “coach”, Napoleone. O que me causa esse desconforto é a representação do suicídio como algo fora do real, assim, isso somado ao mau desenvolvimento das personagens, não deixa claro como um suicídio não é algo fantástico, mas uma causa de morte real. Aqui não são abordados de maneira substancial os motivos que levaram essas personagens ao suicídio. Sendo Arianna a personagem que mais me causa dúvidas, não fica claro se seu suicídio acontece pelo luto da morte de sua filha ou algo relacionado ao trabalho, já que a morte acontece em seu horário de trabalho, logo poderia ter relação com estresses da profissão também. A personagem passa a ser apenas uma possibilidade de figura materna para Daniele e seu suicídio se torna algo pequeno perto da sua pós-vida em limbo. A falta do impacto pela sua morte, muitas vezes me fazia esquecer que ela estava morta. Para mim, esse é um dos maiores problemas do filme: o tratamento fantástico do suicídio. O que, novamente, gera um afastamento do público com o filme que acaba perdendo o potencial dramático e a possibilidade de emocionar quem assiste.

Com tudo isso, acredito que os erros do filme acabam se sobressaindo aos seus acertos transformando essa experiência em um incomodo muito maior do que poderia ser. O Primeiro Dia da Minha Vida é um daqueles filmes melodramáticos que passa no domingo na TV aberta, você assiste com a sua família, não sente qualquer tipo de comoção e quando acaba se levantam para tomar sorvete como se nada tivesse acontecido em tela. É um filme que tem muito o que dizer com suas falas excessivas, mas que não surtem o efeito esperado em quem o assiste.


Filme: Il Primo Giorno Della Mia Vita (O Primeiro Dia da Minha Vida).
Elenco: Toni Servillo, Margherita Buy, Valerio Mastrandea e Sara Sarraioco.
Direção: Paolo Genovese.
Roteiro: Paolo Genovese, Isabella Aguilar e Paolo Costella.
Produção: Itália.
Ano: 2023.
Gênero: Comédia, Drama e Fantasia.
Sinopse: Um homem misterioso dá a quatro estranhos à beira do suicídio a chance de ver como seria a vida sem eles.
Classificação: 16 anos.
Distribuidor: Pandora Filmes.
Streaming: Indisponível.
Nota: 4,0

Sobre o Autor

Share

2 thoughts on “CRÍTICA – O PRIMEIRO DIA DA MINHA VIDA

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *