“Rodeo” começa com um soco no estômago; tanto do ponto de vista do conteúdo quanto da forma. Julia sai aos gritos com o irmão batendo a porta atrás de si a ponto de quebrá-la. Ainda não sabemos quem é quem exatamente, mas não importa. O que interessa é que a moça tem o pavio curto e não tem medo de confrontar os homens que a cercam naquele momento e em nenhum outro ao longo do filme. A câmera na mão e a montagem de planos curtos, por outro lado, dão conta de uma ação frenética, alucinada, que traz o espectador para dentro do drama de Julia sem chance de recuo. É um começo e tanto.
Um pouco mais adiante, uma outra cena nos mostra o interior do apartamento. O espaço diminuto da casa, amontoado de coisas, somado ao diálogo tenso com o irmão, evidencia pobreza e disfuncionalidade da família da motoqueira. Uma disfuncionalidade, ao que parece, gerada principalmente por ela própria. Julia é uma personagem autodestrutiva cuja trajetória errática só pode levá-la para um único lugar. Saber que algo ruim pode acontecer a qualquer momento é o trunfo que Lola Quivoron, a diretora do filme, tem nas mãos para segurar o espectador pelo colarinho até o final desconcertante — e visualmente impactante — de “Rodeo”.
A garota rouba para sobreviver; motos, principalmente. É em cima dessas máquinas que a vida dela parece fazer algum sentido. Não fosse assim, não a veríamos sorrir nenhuma vez durante todo filme. A adrenalina do roubo e a velocidade da moto durante a fuga pelas estradas da França dão à moça, então, o prazer de estar viva naquele momento. Julia parece viver um dia após o outro, sem projeto consistente para o futuro.
A moto é o passaporte para fazer parte do grupo de motoqueiros valentões que exibem suas habilidades durante os rodeios urbanos, proibidos pela polícia, aliás, porque são muito perigosos. Quivoron soube captar como ninguém a vibe (detesto essa palavra) do grupo de rebeldes sem causa. É claro que a entrada no grupo não será fácil. Há um muro espesso de testosterona que será preciso vencer. Julia, portanto, sofrerá resistência e terá que provar que é tão boa quanto eles. Esse é o jogo. Houve um debate depois da exibição do filme no qual algumas garotas reclamaram disso, de ser um universo masculino e muito machista. Claro que é. Qual a surpresa? É preciso lutar para desconstruí-lo. Não basta reclamar e apenas apontar o dedo. É pouco.
Não tenho esta informação, mas acredito que a diretora lançou mão diversas vezes da improvisação na relação com seus atores e não atores. Há naturalidade nos diálogos e nas ações. O que torna os personagens muito reais e convincentes dentro daquele universo específico. Por vezes, a câmera parece comportar-se como se estivesse num documentário, captando a espontaneidade do grupo como uma observadora perspicaz.
“Rodeo” é excelente entretenimento. O que me incomoda no filme, entretanto, é a glamourização da violência e da transgressão às leis. Os cineastas e os escritores adoram bandidos. É fácil entender isso porque a ação criminosa, seja ela qual for, sempre vai render uma boa história. Fosse no Brasil, seria um bando de motoboys barulhentos, insuportáveis, trabalhando para alguma organização criminosa ligada ao roubo e receptação de veículos. Tem gente que acha isso legal. É má fé ou ingenuidade com doses cavalares de burrice.
Uma última nota. Quando assisti ao trailer de “Rodeo” disse para mim que seguramente veria o filme, não pelas motos, mas por causa de Julie Ledru. Seu rosto é um enigma. Além do talento e da personalidade, a atriz possui uma beleza não óbvia, do tipo que desconcerta marmanjos como eu.
Filme: Rodeo |