EU, CHRISTIANE F., 13 ANOS, DROGADA E PROSTITUÍDA

EU, CHRISTIANE F., 13 ANOS, DROGADA E PROSTITUÍDA

Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída é um filme de 1981, dirigido por Uli Edel e baseado na história verdadeira de Christiane Felscherinov. O longa está reestreando em comemoração aos 40 anos de seu primeiro lançamento.

Temos aqui um clássico, daqueles difíceis de assistir, mas que se fazem necessários. Como outros filmes sobre juventudes marcadas pelo uso de drogas e suas graves consequências, vemos o ciclo de degradação na vida de jovens, crianças, em um ambiente totalmente fora da realidade em que deveriam estar vivendo.

Como o título da obra nos lembra, Christiane, no início do filme, tem apenas 13 anos. É uma garota comum de Berlim que vive com sua mãe, irmã e sua gatinha de estimação. Não há muitas apresentações, mas pelo pouco que conhecemos de sua pequena família, percebe-se que o lar em que vive é, de fato, mais comum do que imaginamos. Christiane está em uma fase da vida – o início da adolescência – de explorações. Ao mesmo tempo em que se sente perdida, tenta também tomar as rédeas de sua vida e se governar, uma vez que não parece haver alguém ali por ela. Dessa forma, passa a frequentar, nos fins de semana, uma boate famosa na cidade.

Aos poucos, os alertas começam a aparecer para quem acompanha a história de Christiane. O sentimento de desconforto começa assim que a protagonista coloca os pés na boate. As luzes, as roupas brilhantes e a maquiagem não parecem combinar com o rosto infantil de Christiane e das outras garotas tão jovens quanto ela que frequentam o mesmo lugar. Nada parece estar em sintonia e é nítido o choque entre ambientes uma vez que a protagonista, no bar da boate, pede suco de cereja. Pequenos momentos como este surgem aqui e ali, talvez para lembrar ao expectador da jovem que ali estava, como uma preparação para o que ainda estava por vir. A trilha sonora marcante de David Bowie e a participação especial do cantor no filme trazem consigo o brilho fugaz da juventude dos anos setenta. A transgressão que emana do som de Bowie traz para a tela a nostalgia e o glamour desses anos dourados e consigo a decadência e degradação dessa mesma juventude.

Como é de se esperar em uma história sobre uma jovem no auge de sua mocidade, Christiane se interessa por um rapaz. Detlev, tão jovem quanto ela, é usuário de heroína e se prostitui para manter seu vício e, enquanto Christiane tenta não fazer uso de nenhuma substância, assiste de perto seus amigos e seu interesse romântico consumindo drogas e entrando em crises de abstinência à medida em que vai, aos poucos, começando a usar também, primeiro os remédios e por fim, heroína.

A paleta de cores do filme combina com a atmosfera da história. Seus tons esmaecidos e ambientação quase sempre noturna exibem o retrato de uma crise que se abatia sobre uma parcela grande da população, não só na Alemanha como em outras partes do mundo. Uma crise que chegava de todas as formas possíveis, pobreza, tristeza, solidão, abandono. A quantidade de almas perdidas nas estações de metrô de Berlim parece ser sufocante da maneira que é apresentada pelo diretor do longa. Olhos perdidos e sem brilho e corpos esqueléticos preenchem o ambiente e é como se fossem zumbis. De fato, um dos amigos de Christiane recebe esse apelido por sua aparência pálida e apática.

A medida em que as notícias da morte de jovens por overdose começam a aparecer nos jornais, assistimos a protagonista perecer do vício em heroína. Ainda que veja nas notícias as consequências do uso, Christiane não para. Pelo contrário, vai cada vez mais fundo, se prostituindo como seu então namorado Detlev. É claro que o vício não pode ser parado simplesmente por força de vontade e em alguns momentos é possível ver uma faísca do que fora a jovem do início do filme: todas as vezes em que ela fala a seu namorado que eles devem parar de “se picar”. São aqueles momentos de inocência e leviandade da criança que um dia viveu dentro do corpo de Christiane.

A experiência do filme é traumática e triste, ainda mais por ser inspirado por uma história real. Enquanto acompanhamos a história da protagonista, é difícil enxergar uma boa conclusão para sua trajetória. O que começa como uma transgressão adolescente, se torna um pesadelo, onde se vive cada segundo ansiando pelo próximo “pico”. As cenas com seringas e agulhas são extremamente realistas, e o “pânico” da abstinência também se mostra assustador e forte. A atriz Natja Brunckhorst, com tão pouca idade, assim como sua personagem, carrega um fardo muito grande nessa produção. Em sua estreia como atriz, ela está em todas as cenas do longa. A história é de Christiane e sobre Christiane. Da mesma forma que a protagonista, Natja também teve uma parte de sua juventude “roubada”, nesse caso, pelo bem da arte. Tanto quanto Christiane, Natja também não conhecia nada sobre esse “mundo”. Sobre essa vida – se é que se pode chamar assim – que muitos viviam e que, infelizmente ainda hoje se tem notícia.

Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída é o retrato de uma geração. Esta história, eternizada pelas mãos de Uli Edel, se repete antes mesmo da produção do filme, antes mesmo de Christiane. Em todas as gerações existirão Christianes, e nem todas poderão contar suas histórias. Existirão também Babsis, Atzes e afins, crianças estampadas pelos jornais em tristes notícias de mortes precoces. Christiane F. é, infelizmente, uma história comum, sobre pessoas comuns. Talvez a parte mais lamentosa desse conto sobre juventude seja isso, a banalidade da vida, dos sonhos e do auge de uma existência que nem sempre se vive para contar. A graça da arte está em transformar uma história comum – triste, mas ainda assim comum – em algo a se pensar. Às vezes a realidade não é o suficiente para nos fazer refletir sobre os problemas que estão à nossa volta.

Talvez seja esse uns dos motivos pelos quais Christiane F. está voltando aos cinemas. Para nos lembrar da realidade.


  Filme: Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída (Christiane F – Wir Kinder vom Bahnhof Zoo)
Elenco: Natja Brunckhorst, Thomas Haustein, Eberhard Auriga, Peggy Bussieck, Lothar Chamski, Rainer Woelk, Uwe Diderich, David Bowie.
Direção: Uli Edel
Roteiro: Herman Weigel, Kai Hermann, Horst Rieck
Produção: Alemanha
Ano: 1981
Gênero: Drama
Sinopse: Christiane é uma garota de 14 anos que vive em Berlim, Alemanha, em meados dos anos 1970. Ela começa a ir a um clube chamado “Sound” com sua amiga mais velha Kessi. Ela logo faz novos amigos, a maioria dos quais são viciados em drogas, e se apaixona por um garoto chamado Detlev, que também é viciado em drogas e se prostitui. Christiane começa a tomar pílulas para se encaixar e depois começa a tomar heroína. Sua vida começa a desmoronar quando ela se torna uma viciada em heroína e vê o mesmo acontecendo com seus amigos.
Classificação: 18 anos
Distribuidor: A2 Filmes
Streaming: O filme reestreia nos cinemas brasileiros em 28 de julho. 
Nota: 7.5

 

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