BOA SORTE, LEO GRANDE

BOA SORTE, LEO GRANDE

Discutir sobre sexualidade, infelizmente, ainda é muito difícil nos dias de hoje. Talvez por conta dos falsos pudores de uma sociedade “careta” e “puritana” ou, até mesmo, pela falta de uma maturidade, sobretudo, teórica em relação ao assunto. Este tema deveria ser item obrigatório na educação básica e presente ao longo de toda a formação dos jovens. Falar sobre a sexualidade só gera benefícios como a proteção contra abusos sexuais e a evitar casos de gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis. Mas se já é uma tarefa complicada tratar sobre a sexualidade no seu espectro mais amplo, se torna quase que impossível quando reduzimos o campo e focamos na sexualidade feminina.

O prazer feminino sempre esteve, historicamente falando, ligado a algo sujo, vulgar, ao pecado. O homem sempre fez questão de criar mecanismos para que a mulher fosse devota ao lar e à procriação, somente. Alguns desses mecanismos eram de extrema violência, como a mutilação genital feminina – remoção parcial ou total da genitália externa da mulher. É de se espantar que ainda hoje, segundo a UNICEF, milhões de garotas, antes de seus 15 anos, estejam correndo risco de passar por um processo tão desumano como esse.

O prazer e o corpo feminino que, ao longo da história da humanidade, foram obrigados a serem inertes, servem de base para quase toda a discussão que vemos em “Boa Sorte, Leo Grande”, novo filme da diretora Sophie Hyde, que estreia nessa quinta-feira, dia 28 de julho de 2022. O filme que se comporta como uma dramédia tem no roteiro, escrito por Katy Brand, uma forma muito inteligente de se comunicar com o público. Não se estabelece através de clichês ou muletas e, tampouco, soa cafona. Mas faz uso de uma linguagem natural e jovial, reproduzindo situações corriqueiras que são carentes, na vida real, de maiores elucubrações. É bem verdade que as atuações de Emma Thompson, interpretando Nancy – uma professora sexagenária e aposentada –, e do ator Daryl McCormack (Leo Grande), um jovem cujo o serviço é a venda de prazer, facilitam o acesso aos discursos e, também, ao que é apresentado através, apenas, de imagens.

Emma Thompson (Nancy), que revelou ter sido este seu trabalho mais desafiador, entrega uma performance dotada de muita verdade. O desenvolvimento da sua personagem neste longa se dá através das próprias descobertas da atriz. Esse nível de internalização de conceito, transforma o filme em algo muito maior. Com certeza – e está indicado nas várias entrevistas da atriz – este longa tem papel importante para sua forma de enxergar seu próprio corpo.

O realismo assustador ao encararmos, no filme, uma mulher com quase 60 anos que teve um único parceiro sexual na vida, seu marido, mas que nunca tivera a experiência prazerosa de ter um orgasmo dá claramente a possibilidade do humor, muito bem colocado neste filme, mas também exerce uma pressão por uma conduta mais responsável no sentido de escolher qual caminho seguir para chegar a um fim otimista e transformador. Boa Sorte, Leo Grande flutua entre esses dois gêneros – drama e comédia – de forma delicada e completamente assertiva.

O desenvolvimento dos dois personagens se dá de forma semelhante, mas em caminhos antagônicos. Enquanto que no início do filme vemos Leo como um jovem sedutor, desinibido, cheio de confiança e pertencente ao mundo, aos poucos vamos entendendo que ele é na verdade um personagem dentro do personagem e que o verdadeiro Leo Grande possui traumas e muitas decepções. No outro extremo temos Nancy, uma mulher madura, porem inexperiente quanto ao sexo. Enclausurada e cheia de amarras. Correndo atrás de um tempo perdido, querendo experimentar os prazeres que aquela vida de casada nunca a proporcionou, mas sabendo que o orgasmo, mesmo agora acompanhada de um profissional, talvez continue sendo um item inatingível. Ao longo do filme, a personagem se torna mais confiante. Sabe o que quer e de que forma quer faze-lo. Essa transformação se dá através de muitos elementos presentes no filme. A cortina entreaberta, deixando sempre um olhar de fora (sociedade), para dentro, se fecha determinando assim um posicionamento libertário da personagem que define o que é privado e o que não é, bem como o seu ultimo encontro que se inicia com ela fora do quarto, claramente o mesmo rito com o qual o personagem Leo Grande se inicia.

O filme se passa quase que em sua totalidade dentro de um quarto de hotel. É ali que os serviços contratados de Leo Grande são realizados. Mas o filme, como já citei, recorre ao drama e a comédia. Portanto, mesmo que estejamos sempre na presença de discussões que tem o sexo como tema, não há erotismo aqui. Há o desenvolvimento de um homem e uma mulher e em como eles veem o sexo, suas vidas e suas escolhas. Nancy é mãe, mas seus filhos, em um primeiro momento, não proporcionam muito orgulho. Leo foi deserdado por sua mãe e mantem seu trabalho em segredo de seus familiares. Entretanto ele sempre foi aberto para a sexualidade e o prazer, enquanto que Nancy foi vencida pelo conservadorismo e pelo conceito de família tradicional, o qual determina que a mulher satisfaça seu companheiro, muitas vezes em detrimento da sua própria satisfação – Há uma cena cômica em que ela encena o sexo que tinha com seu finado marido.

É estimulante ver uma atriz do gabarito da Emma Thompson fazendo um nu frontal aos 63 anos. Este é mais um exemplo de como o filme quebra barreiras e em como aqueles personagens, por vezes, se fundem com o próprio ator e atriz. Essa aceitação do próprio corpo que é desenvolvida no filme ao longo dos 4 encontros entre ela e Leo vai sendo conquistada pouco a pouco. É bem sutil, na verdade, como a personagem Nancy vai se desamarrando de toda culpa e vergonha que sentia. Sentimentos que não eram inerentes dela e sim incutidos por uma sociedade machista e patriarcal que designa o prazer somente ao homem.

Se é bonito de ver esta cena, melhor ainda é perceber, momentos antes, o desenho de nosso próprio corpo como um templo. E que nós é quem temos o controle do que sentimos e quando sentimos. Nancy saboreia esse momento como ninguém. Através de um olhar para o seu amante e do seu próprio toque, ela, finalmente, chega ao inimaginável.

Poderia escrever ainda muito mais sobre esse filme tamanha a capacidade que ele teve em abrir leques sobre um assunto tão necessário de ser debatido. Assusta, também, a facilidade que o roteiro apresentou em, meio a tantas bifurcações, encontrar um desfecho coeso e altamente satisfatório. Boa Sorte, Leo Grande é uma verdadeira aula. Quebra paradigmas, destróis preconceitos e brinda o prazer.


Filme: Good Luck to You, Leo Grande (Boa Sorte, Leo Grande)
Elenco: Emma Thompson, Daryl McCormack, Isabella Laughland
Direção: Sophie Hyde
Roteiro: Katy Brand
Produção: Reino Unido
Ano: 2022
Gênero: Drama, Comédia
Sinopse: Nancy Stokes, uma viúva aposentada, contrata um jovem garoto de programa, Leo Grande, para curtir uma noite de prazer e autodescoberta depois de uma vida sem-graça de casada.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Paris Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 7,9

*Estreia dia 28 de julho de 2022 nos cinemas*

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