Broker – Uma Nova Chance (Beulokeo/Broker, 2022) é o filme mais recente do diretor e roteirista japonês Hirokazu Kore-eda e está sendo exibido no Festival do Rio, sem data de estreia no Brasil por enquanto.
Falar sobre o cinema de Kore-eda não é tarefa fácil, uma vez que este cineasta é um dos maiores nomes do cinema asiático atualmente. Seus filmes, que costumam tratar de temas familiares, sempre têm uma abordagem específica ao trazer para as telas os problemas principalmente econômicos e sociais de um Japão que não costumamos ver nos filmes comerciais. A novidade, em Broker, está no fato de que toda a trama se passa na Coreia do Sul, é falado em coreano e interpretado por atores sul-coreanos. Vale dizer que o elenco deste filme traz grandes nomes do cinema e TV da Coreia do Sul como Song Kang-ho e Bae Doona.
Em Broker, acompanhamos a história de um bebê abandonado em uma “caixa de bebês” de uma igreja e os desdobramentos desse acontecimento. Duas histórias paralelas se complementam nessa narrativa onde dois homens estão tentando vender o bebê abandonado e duas detetives investigam essa possível venda em busca de um flagrante que possa levá-los à prisão por tráfico de crianças. Bae Doona, conhecida mundialmente por seu papel na produção da Netflix Sense 8 (2015-2018) e Song Kang-ho (Parasita, 2018), que já contracenaram juntos em algumas outras ocasiões, estão de lados “opostos” aqui, porém, não podemos opor esses dois lados como bom e mau simplesmente.
O grande feito em Broker está em fazer com que o espectador consiga se identificar com ambos os lados. Ao mesmo tempo em que sabemos que estas pessoas que tentam vender a criança não são exatamente cidadãos “exemplares”, é impossível não acabar, de alguma forma, entendendo suas atitudes. O carisma entregue pelos atores Song Kang-ho e Gang Dong-won nos permite gostar desses personagens e torcer para que nada muito ruim lhes aconteça.
Um dos destaques em Broker está na personagem So-young, a mãe do bebê interpretada por Lee Ji-eun que, conhecida por seu nome artístico IU, faz sucesso na música como uma idol, e foi protagonista no aclamado dorama My Mister (2018). Podemos ver aqui que seu desempenho é cada vez melhor, em uma personagem completamente diferente de sua persona pública. Sua interpretação entrega sinceridade e maturidade no papel da jovem mãe de uma criança que sequer tinha permissão de vir ao mundo. Em sua fuga junto aos dois homens que tentam vender sua criança, um laço é criado entre esses três adultos ao redor do bebê.
No centro desta narrativa está a máxima da maioria dos filmes de Hirokazu Kore-eda, a família. Enquanto a trama segue em uma linha de tentativa e erro, tanto na venda do bebê quanto na investigação policial, o desenvolvimento dos personagens nos leva a entender um pouco de suas histórias e o que os levou ao ponto de partida do filme. Nesta viagem na van aos cacos de Sang-hyun (Song Kang-ho), uma espécie de nova família começa a surgir e, tanto quanto o veículo que os conduz, estes personagens tentam também juntar seus próprios pedaços e seguir em suas jornadas da melhor maneira.
Mágoas e ressentimento permeiam a caminhada de cada um ali, e todos eles têm seus motivos para fazerem o que fazem. É em Dong-soo (Gang Dong-won) que está o maior desenvolvimento do roteiro de Kore-eda. Este personagem que fora um dia uma das crianças abandonadas na caixa da igreja acabou por se tornar um adulto infeliz e profundamente magoado com sua mãe e por consequência com todas as outras mães que agiram da mesma forma. Vender esses bebês abandonados é, em sua concepção, lhes oferecer um futuro frutífero e feliz, longe do abandono e solidão de ser uma criança nunca adotada como ele mesmo foi. Conhecer a história de So-young e seu bebê é entender do ponto de vista de uma mãe e por consequência entender e fazer as pazes com sua própria experiência.
Broker não é, necessariamente, um filme com a assinatura do diretor, responsável por filmes como o premiado em Cannes Assunto de Família (Manbiki Kazoku/Shoplifters, 2018) e Pais e Filhos (Soshite Chichi ni Naru/Like Father, Like Son, 2013), porém, sua narrativa é preenchida pelo drama e por pequenos momentos bem-humorados na medida certa. Talvez essa assimilação seja um pouco mais difícil por conta justamente da nacionalidade do filme. Kore-eda consegue, em Broker, criar um filme tipicamente sul-coreano, e isso não se dá somente pela direção astuta do cineasta que consegue criar um ambiente bastante diferente e ainda assim semelhante às suas outras produções. O entrosamento e química entre os atores e seus personagens nos mostra que as escolhas foram acertadas e que se construiu ali um espaço de cumplicidade.
A detetive interpretada por Bae Doona traz para a trama uma personagem cheia de implicações entre ética e moral: aquela que precisa fazer o seu trabalho custe o que custar, não importando muito em sua empreitada os modos pelos quais o serviço será cumprido. Sua personalidade ranzinza e séria acaba por lhe transformar quase que em uma “vilã” no filme. Essa personagem se assemelha, de certa forma, a um dos pais em Pais e Filhos. Em sua busca para retornar as coisas para o seu estado “certo”, vale fazer o que for para restaurar a ordem, e sentimentalismo não tem muito lugar nessa situação.
Broker é um desses filmes cheios de desdobramentos e pequenos núcleos preenchidos por muitas participações especiais de atores conhecidos das produções sul-coreanas. Hirokazu Kore-eda consegue, aqui, deixar de lado momentaneamente o mal-estar entre Japão e Coreia do Sul e mostra que ambos os países podem trabalhar juntos e criar uma obra de peso e qualidade. O roteiro belo e sutil do cineasta japonês cai muito bem aos atores escolhidos para interpretá-lo. Ao fim do filme, sentimos que essa parceria um tanto improvável deixará saudades e fica difícil se despedir desses personagens. O fim é, a sua maneira torta, um sopro de esperança em uma história que, ainda que contada com leveza, explora temas espinhosos e bastante sérios em toda a nossa sociedade.
 |
Filme: Broker – Uma Nova Chance (Beulokeo/Broker) Elenco: Song Kang-ho, Bae Donna, Lee Ji-eun, Gang Dong-won. Direção: Hirokazu Kore-eda Roteiro: Hirokazu Kore-eda Produção: Coreia do Sul Ano: 2022 Gênero: Drama Sinopse: Uma caixa de bebê é um pequeno espaço onde os pais podem deixar seus bebês anonimamente. E é em torno desta caixa que o relacionamento das pessoas será explorado. Classificação: 14 anos Streaming: Indisponível. Nota: 8,0 |
Sobre o Autor
One thought on “Cobertura Festival do Rio | Broker – Uma Nova Chance, ou “Beulokeo”, de Hirokazu Kore-eda”