IMPERDOÁVEL

IMPERDOÁVEL

“Bandido bom é bandido morto!”

Quem já ouviu essa frase? Acredito que todos. A família tradicional brasileira, sobretudo, após a eleição de Bolsonaro, brada com gosto essas palavras em cada reunião familiar. Acreditam piamente que estão sendo extremamente razoáveis nessa afirmação. Não preciso, aqui, tentar mostrar o quão problemático é alguém que acredita neste senso de justiça.

Do outro lado temos àqueles que defendem que os direitos básicos de qualquer indivíduo devam ser garantidos, mesmo nas situações em que o criminoso/suspeito se encontre detido. Popularmente conhecidos como a “Turma dos Direitos Humanos”, esses grupos sofrem constantes ataques por parte dessa população raivosa e são taxados de defensores de bandido. Mas o que parece não ser claro para essa elite branca é que existe uma lei aplicada aos infratores e a pena imposta deve ser cumprida assegurando os direitos, até, para quem está encarcerado.

O novo filme da Netflix, Imperdoável, que estreou aqui no dia 10 de dezembro de 2021 e se mantem no Top 10 da plataforma desde o seu dia de estreia, flerta com uma ressocialização de uma ex-presidiária. Digo flerta, pois não demora muito tempo para o longa assumir o aspecto do drama sentimental, sobretudo, por conta do distanciamento forçado entre irmãs. Desse ponto em diante, mesmo com alguns diálogos reforçando a dificuldade de alguém recém saído da prisão em conseguir emprego ou, até mesmo, ter um lar ou constituir uma família, fica claro, por conta do tom superficial dado a este assunto, que o interesse é na exploração dos sentimentos do público pela dor da protagonista em relação à sua irmã.

O filme não perde tempo mostrando os 20 anos que a protagonista Ruth Slater (Sandra Bullock) ficou presa. O inicio se dá com ela saindo da prisão, em condicional, e com alguns flashbacks que, em um primeiro momento, não fazem tanto sentido, mas que, ao longo da trama, com outros flashbacks que vão surgindo temos, então, o recorte completo do que causou a prisão de Ruth.

Essa escolha em já vermos a personagem Ruth “livre” nos dá a sensação de que não precisamos mais puni-la e, sendo a Sandra Bullock a atriz escalada para esse papel, a simpatia (desculpa o trocadilho) é conquistada rapidamente, ainda que me incomode um pouco a cara fechada mantida até o fim do filme, característica essa, que está ali só pra mostrar a dureza da personagem, a obstinação e todas as dificuldades pelas quais já passou. Isso se soma ao seu trabalho na carpintaria, profissão majoritariamente ocupada por homens e que não teria problema algum uma mulher ter essa profissão se, aqui, não fosse um elemento para caracteriza-la como uma mulher forte e dura na queda. Ou seja pegam um estereótipo da profissão pra estereotipar a personagem.

Outro ponto que a direção não faz questão de esconder é a ligação entres as personagens Ruth e Katherine (Aislin Franciosi). Logo de inicio a cor amarela é o que as une – Ruth grudada em sua mala amarela, e Katherine dirigindo seu carro amarelo -, além, é claro, das sugestões feitas através da montagem das cenas, as quais nos levam a crer que aquela garotinha presente nas lembranças de Ruth é a jovem Katherine na atualidade. Essa forma direta e sem muitos embaraços para contar essa história acaba jogando ao chão o estado de tensão que o público espera ter nesse tipo de filme. A direção tenta em outros momentos criar esse sentimento, mas erra justamente por não ter sido assertiva o suficiente em momentos anteriores para criar não um momento específico, mas sim um ambiente propício a esse estado de espírito.

O que também não ajuda a trama a se desenvolver e se tornar mais densa é a pouca importância dada às subtramas que o filme nos apresenta, como a vida dos dois irmãos marcadas pela ausência do pai e os traumas que existem na vida de Katherine que a impossibilitam de dormir. A personagem Katherine, peça fundamental para o que filme constrói, principalmente, na alimentação do desejo de Ruth em encontra-la, é completamente apagada e quase sempre citada por terceiros, geralmente por sua família adotiva.

Então quando o filme nos apresenta um discurso pró ressocialização daquele que já cumpriu sua pena e quando nos apresenta personagens com um background influenciando suas decisões, mas, ao mesmo tempo, não permite mergulhar mais profundamente nestas ideias, perde-se muito tempo com algo que para a diretora Nora Fingscheidt não tem tanta importância assim, servem apenas para movimentar, minimamente, a trama, dando pouquíssimo ou quase nenhum sentimento a tudo que está ali envolvido.

Um exemplo disso é na cena de fúria do personagem Steve (Will Pullen), um dos irmãos que querem vingança, em que o estopim para ele criar coragem para seu ato final é baseado em algo relacionado a sua própria família. Além disso todas as cenas seguintes com o personagem são desprovidas de emoção e tensão tamanha a rapidez com que tudo termina. Não há clímax algum.

Antes disso, porém, há o pior plot que este filme poderia ter. A direção conseguiu sustentar, por algum tempo, uma narrativa em cima do fardo que a personagem Ruth carrega por conta do crime que cometeu, mas colocou tudo a perder, quando no embate entre as personagens Liz (Viola Davis) e Ruth, há uma espécie de confissão/dedução. Isto quebra toda a ressignificação que existia, principalmente, pela relação que se estabelece com Ruth Slater/Sandra Bullock, sobre o apoio àqueles que já cumpriram suas penas e que precisam de oportunidades. Esse sentimento que nutria por Ruth se esvaiu por completo após essa fatídica cena.

Imperdoável, que chegou sendo muito elogiado, principalmente, pela atuação de Sandra Bullock, comete muitos erros no direcionamento daquilo que quis abordar. Os personagens masculinos, até mesmo, o advogado John (Vincent D’Onofrio), refletem uma toxicidade para com as mulheres e, estas, se mostram, de uma forma geral, bem ambivalentes. Em resumo o que fica é uma boa ideia, uma boa intenção, atuações regulares, e um filme que não soube lidar com todos os arcos que abriu.

Filme: The Unforgivable (Imperdoável)
Elenco: Sandra Bullock, Viola Davis, Vincent D’Onofrio, Jon Bernthal, Richard Thomas, Linda Emond, Aisling Franciosi, Emma Nelson, Will Pullen, Tom Guiry, Jessica McLeod, Rob Morgan
Direção: Nora Fingscheidt
Roteiro: Peter Craig, Hillary Seitz, Courtenay Miles
Produção: Alemanha, Estados Unidos e Reino Unido
Ano: 2021
Gênero: Drama
Sinopse: Após cumprir pena por um crime violento, Ruth volta ao convívio na sociedade, que se recusa a perdoar seu passado. Discriminada no lugar que já chamou de lar, sua única esperança é encontrar a irmã, que ela havia sido forçada a deixar para trás.
Classificação: 14 anos
Streaming: Netflix
Nota: 5,0

 

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