A natureza de um bom suspense não é definida pela sua pirotecnia ou por roteiros mirabolantes como no recente fracasso A Mulher na Janela (2021). Charada, filme de 1963, dirigido por Stanley Donen (Cantando na Chuva) e roteirizado por Peter Stone (Papai Ganso), se revela através de uma história com inesperadas reviravoltas, entretanto contada de forma simples e linear, com boas doses de humor e se consolidando pela química apresentada por Cary Grant (Ladrão de Casaca) e Audrey Hepburn (Bonequinha de Luxo), 25 anos mais nova que ele.
O roteiro de Stone tem papel principal para como o filme se apresenta e o diretor Donen consegue, ainda, amplificar os sentidos da escrita. Ao longo do filme, somos tentados a resolver o mistério por trás da morte do marido de Regina Lampert (Hepburn), Charles Lampert. E a cada nova descoberta somos jogados para um outro caminho. Esta forma de desenvolvimento da trama, cadenciada, saboreando, principalmente, a interação entre os personagens Regina e Peter Joshua (Grant) é um dos grandes trunfos da obra. Muito embora existisse, na época, uma resistência para a escalação desses artistas por conta da diferença de idade, não há como imaginarmos o filme Charada sem Cary Grant e Audrey Hepburn.
O longa até seus minutos finais, muito embora o elenco se torne cada vez mais reduzido, não indica de forma clara a identidade do algoz ou algozes. O que sabemos é que a morte de Charles Lampert foi motivada por uma dívida antiga no valor de 250 mil dólares. Uma das ideias sustentadas é que Regina está com esse dinheiro, fazendo dela uma mulher, agora, perseguida e em apuros. Não há interesse, porém, em permanecer com todos os mistérios que são apresentados no inicio do filme, bem como, a investigação policial é uma área totalmente descartada, sobrando ao personagem Inspetor Edouard Grandpierre (Jacques Marin) uma presença somente para pontuar cada novo acontecimento que serve, apenas, para descartarmos suspeitos e irmos atrás de outras pistas. O clima do filme, porém, em momento algum, pesa de forma desproporcional às pretensões bem descritas já no início do filme. Temos algumas cenas chocantes – ainda é um suspense –, mas que mostram toda a inteligência do diretor ao não precisar de muitos artifícios para criar o simbolismo do perigo. Pois as mortes são apresentadas com uma câmera estática mostrando apenas o fim de toda uma série de violência que foi deixada no fora de campo.
Charada foi filmado quase todo em Paris e a câmera do diretor, muito rica, utilizando bem os movimentos e a estaticidade, consegue caracterizar cada ambiente ao qual somos apresentados como também entrega muito das personalidades de cada personagem. Com isso, novamente, ressalto a atuação de Audrey Hepburn. A atriz parece se divertir no papel da jovem viúva que se vê em apuros. Ela consegue ao mesmo tempo transmitir esse sentimento de medo como também flerta com um certo deboche para com toda a situação em que se encontra, principalmente, quando está dividindo as suas cenas com Cary Grant.
Este filme é tido como “O melhor filme de Hitchcock que Hitchcock nunca fez”. As referências aos filmes do “Mestre do Suspense” estão presentes nas cenas, em diálogos e até mesmo nos créditos da abertura, no qual fica claro uma emulação dos espirais tão conhecidos do filme “Um Corpo que Cai” (1958).
A trilha sonora é outra característica marcante desta obra. É ela quem marca ao publico qual tipo de cena estamos presenciando. E esta ambientação preparatória em nada estraga a experiência, mostrando mais uma vez como um bom roteiro nas mãos de um bom diretor consegue prender a atenção mesmo com diversas pistas sendo apresentadas e até mesmo, deixando ao espectador a oportunidade matar a “charada” bem antes do fim.
É impressionante como alguns filmes datados – são representantes do tempo em que foram feitos com todas as limitações, principalmente, tecnológicas que tinham – não perdem sentido e muito menos a inteligência. Talvez este seja o conceito de um bom filme, quando mesmo depois de décadas assistimos ao filme e ainda conseguimos mergulhar por completo naquela trama e ficarmos totalmente imersos naquele universo apresentado.
Charada é um filme, como já dito, sem exageros. Possui um elenco que vai sendo reduzido pouco a pouco, conforme o avanço da trama. Tem na figura da personagem Regina, uma mulher, de certo modo, a frente do seu tempo e, de forma respeitosa, isso não é confrontado hora nenhuma, nem por um roteiro indeciso e nem por personagens com quem divide tela. E, assim, traz, para a personagem, uma concepção dotada de muita naturalidade. O suspense realizado em um tom mais brando, com momentos de humor e romance, subverte um pouco a ideia que se tem desse gênero, mas aqui estes elementos distintos se encaixaram harmonicamente. Não à toa este longa foi, e ainda é, confundido como sendo de autoria de Alfred Hitchcock. Com este elogio não há mais nada o que escrever.
Filme: Charade (Charada) Elenco: Cary Grant, Audrey Hepburn, Walter Matthau, James Coburn, George Kennedy, Dominique Minot, Ned Glass, Jacques Marin Direção: Stanley Donen Roteiro: Peter Stone Produção: Estados Unidos Ano: 1963 Gênero: Comédia, Suspense, Romance Sinopse: Em Paris a americana Regina Lambert (Audrey Hepburn), que recentemente ficou viúva, tenta entender que tipo de vida o marido levava e onde podem estar escondidos os US$ 250 mil que muitos acreditam estar com ela. Classificação: 12 anos Distribuidor: Universal Pictures Streaming: Reserva Imovision Nota: 8,0 |