CRÍTICA – AS HISTÓRIAS DE MEU PAI

CRÍTICA – AS HISTÓRIAS DE MEU PAI

As Histórias de Meu Pai (2023) retrata a rotina de André Choulans (Benoît Poelvoorde), um ex-veterano de guerra, e seu filho Émile Choulans (Jules Lefebvre). Nos anos 60, em Lyon, durante um momento delicado para a política francesa, André começa a contar histórias de sua vida para seu filho. Mas quais destas histórias serão verdade? Quais não? E quais delas tem o potencial de levar o pequeno Émile a lugares dos quais uma criança não deveria estar? O filme francês, dirigido por Jean-Pierre Améris, foi visto em uma sessão de cabine de imprensa e chegará aos cinemas de todo o Brasil no dia 09/02!

A misticidade da fase adulta

O garoto, de 11 anos, é o provedor do olhar desta história. Assim, os principais acontecimentos ocorridos na trama adquirem uma perspectiva muito mais relativizadora, com algumas exceções. As Histórias de Meu Pai (2023) apresenta uma sucessão de momentos dos quais criança nenhuma deveria participar.

Pela visão do garoto, a vida adulta é mágica. Certamente, para ele, crescer é adentrar uma vida nova, repleta de mistérios, paixões e, acima de tudo, repleta de aventura. Assim, quando o pequeno Émile enxerga em sua infância uma oportunidade de não só orgulhar seu pai, mas também de ter um acesso, um vislumbre, do que é ser adulto, ele não consegue nem considerar recusar.

Em uma França pertinente a um contexto político abalado  — do qual, inclusive, o espectador não é tão contextualizado pela obra; não chega a atrapalhar, mas requer um certo conhecimento histórico prévio para completo entendimento do momento — Émile se deixa ser tragado pelas histórias de seu pai.

As Histórias de Meu Pai (2023) e o olhar infantil

Se são verdades, ou não, não importa de fato. Até existe uma criação de dúvida na cabeça de quem assiste quanto a isso — principalmente em alguns momentos mais políticos dos contos — mas esclarecer tais questões não é o intuito; nem deveria ser. Em outras palavras, o importante não é acreditar ou não, mas compreender que na cabeça do pequeno garoto, não existe dúvida.

O diretor, Jean-Pierre Améris, reforça essa perspectiva originária da criança de maneira formal, através de sua mise-en-scène — termo francês utilizado para denominar a construção cenográfica de um filme. Cenários coloridos, roupas listradas, pijamas, estampas; elementos que propõe à obra um olhar muito mais lúdico sobre tais acontecimentos, como se tudo fosse uma grande brincadeira. Neste aspecto, até se assemelha com uma obra de Wes Anderson, diretor que costumeiramente propõe um olhar mais inoente sobre questões sensíveis e pesadas através da infantilização cenográfica.

A violência em As Histórias de Meu Pai (2023)

Contudo, em cenas específicas (as exceções citadas no início), que envolvem a figura do pai agindo de maneira abusiva e controladora com sua família, o diretor aborda os acontecimentos de maneira mais sóbria. Os elementos lúdicos dão espaços à cores escuras, tons sombrios e uma encenação mais carregada. 

Dessa forma, Jean-Pierre Améris acentua que mesmo para uma criança que costuma encarar a fase adulta de maneira ingênua, quase como uma brincadeira, esses momentos mais violentos da convivência familiar tem um peso diferente para o garoto. Ou seja, a maneira como é tratado por seu pai nestas situações, escurece o mundo do menino. Dessa maneira, até para uma criança com um olhar tão espetacular do mundo, esse acúmulo de pequenas agressões pode marcar para sempre não só a infância, mas a visão de Émile sobre seu próprio pai.

Por conseguinte, tal filme não teria como apresentar um desenvolvimento diferente do de uma tragédia. Por mais que a criança encare as histórias com um toque de brincadeira, a maneira com que o pai emprega elas no filho, unida com as violências domésticas, não poderia resultar em algo diferente de um final trágico; no mínimo um afastamento dos dois.

O peso do passado

Até existe um esforço do filme em tentar ilustrar o pai como essa figura que erra, mas o faz em decorrência de um passado tenebroso. André é uma figura marcada pela guerra. Ex-combatente (talvez uma das únicas verdades dele) o homem soa como uma pessoa que saiu da guerra, mas da qual a guerra nunca saiu. Portanto, um homem traumatizado. Analogamente, um homem que carrega seu passado a todas as esferas de sua vida; incluindo sua família.

Abro um parênteses aqui para comentar o quanto gostei de ver Benoît Poelvoorde neste papel. Ator e diretor de um dos meus filmes favoritos, não consigo imaginar outra pessoa dando vida à André.

Retomando, tal “justificativa” por seus atos, pautada em seu passado, não realmente justifica algo. O pai erra e As Histórias de Meu Pai (2023) faz questão de deixar isso claro. É uma obra tragicômica. Um filme agridoce que suaviza a vida pelo olhar inocente da infância, mas não deixa de pesar a mão quando o amargor aparece.


Pôster do filme "As Histórias de Meu Pai", de Jean-Pierre Améris. Filme: Profession Du Père (As Histórias de Meu Pai)
Elenco: Benoît Poelvoorde, Audrey Dana, Jules Lefebvre, Tom Levy, Nicolas Bridet, Martine Schambacher, Jean-Michel Molé, Blandine Costaz
Direção: Jean-Pierre Améris
Roteiro: Jean-Pierre Améris, Murielle Magellan, Sorj Chalandon
Produção: França
Ano: 2020
Gênero: Drama
Sinopse: Em As Histórias de Meu Pai, seguimos um garoto e seu pai, em Lyon, década de 1960. Emile é um garoto de 12 anos que passou a vida ouvindo histórias sobre as diversas profissões que seu pai alegava ter. Ele diz ser campeão de judô, paraquedista, jogador de futebol e até conselheiro pessoal do General de Gaulle. Um dia, o pai disse que De Gaulle tinha o traído e pediu ajuda do garoto para matar o general, deixando o jovem orgulhoso e assustado por ter sido escolhido. Agora seu pai quer salvar a Argélia francesa. Para isso ele recruta Luca, um novo colega de classe. Mas e se as façanhas do pai fossem todas falsas e perigosas demais para as crianças?
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Pandora Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

 

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