CRÍTICA – A GAROTA RADIANTE

CRÍTICA – A GAROTA RADIANTE

Eu diria que todos nós estamos um pouco cansados de filmes de guerra, não? Normalmente seguem uma linha bem trágica e violenta que já estamos acostumados a acompanhar todos os anos em alguma produção. No caso da Segunda Guerra Mundial, então, nem se fala! É inegável que foi uma grande tragédia que afetou milhares de pessoas  social e economicamente, seja por questões étnicas, religiosas, físicas ou tudo aquilo que fugisse de um ideal nazifascista. Nesse sentido, A Garota Radiante surge como um ponto fora da curva dentro dessa temática. Aliás, nem sei se podemos chamar esse filme de “filme de guerra”. Ele acompanha os efeitos da guerra em uma família judia na Paris de 1942, focando na personagem Irène, uma jovem aspirante a atriz que vive tranquila, trabalhando, saindo com seus amigos e vivenciando amores. Infelizmente sua realidade pode mudar. Dessa forma, o enredo foge do que imaginaríamos ser um filme que retrata o antissemitismo e os efeitos da guerra. Isso não significa que esses efeitos não estão alí ou que são brandos, mas que ocorrem gradualmente, nas entrelinhas.

A narrativa é, assim como a protagonista, despreocupada. Isso é bom, já que acompanhar a banalidade do dia a dia da jovem Irene e sua família  facilita na identificação com o público. Por outro lado, o filme não tem um ritmo tão dinâmico, sendo um pouco cansativo e repetitivo. Entretanto, sempre que esquecemos que o longa é sobre uma família judia na Europa dos anos 1940, o filme nos faz lembrar, e é aí que ele ganha força. Compreendemos, assim, que a banalidade do dia a dia não é tão irrelevante quanto imaginamos. Aos poucos a família precisa atualizar seus documentos ou bordar a estrela de Davi amarela em suas roupas para serem identificados como judeus, por exemplo. E são nesses momentos em que o telespectador se encontra com a personagem de Rebecca Marder: é nítida a mudança de expressão e de ações ao encarar que a realidade está sendo corrompida para um totalitarismo doloroso. A inocência da juventude de Irene se perde aos poucos pelos nossos olhos. Quando achamos ou “esquecemos” da ocorrência nazista, o filme faz questão de nos relembrar novamente e é cada vez mais aflitivo.

O que mais me cativou foi, com certeza, a construção da protagonista. Inicialmente, seu jeito avoado e dramático, típico de uma jovem que sonha em ser uma grande atriz, soou um pouco irritante. Com o passar da trama, ganhei um pouco de carinho e afeição com a personagem, já que é impossível não se identificar com ela em algum momento. Há excelentes elementos narrativos que traduzem sua ingenuidade, mas que possui uma personalidade forte e uma cara de pau bem humorada. Por se tratar de um filme francês, a percebo como uma musa da Nouvelle Vague do século XXI, desconstruída: aos olhos de Jacques, sua paixonite, é enxergada como algo a ser descoberto, lapidado, mas também é admirada por sua autenticidade. Ela é muito mais do que uma jovem com um amor platônico por um menino. Ela tem anseios, desejos, frustrações, é desengonçada e, mesmo assim, ainda uma musa.

O filme traz um sentimento de esperança. A cena final é cruel, mas representa uma menina que teve seus sonhos roubados por um sistema preconceituoso e que assassinou milhões de pessoas, mas que resiste bravamente. Seu destino se entrelaça com uma guerra devastadora, mas ela é corajosa. Acredito que ele é um “filme de guerra”, no fim das contas. Uma guerra que a gente não vê concreta, mas que vemos se estruturar nas mais diversas relações e nas sutilezas cotidianas.

Filme: Une Jeune Fille Qui Va Bien (A Garota Radiante)
Elenco: Rebeca Marder, André Marcon, Anthony Bajon, Françoise Widhoff, Cyril Metzger, Jérôme Deschamps
Direção: Sandrine Kiberlain
Roteiro: Sandrine Kiberlain
Produção: França
Ano: 2021
Gênero: Drama, História
Sinopse: Irène, uma jovem judia, vive o momento de seus 19 anos em Paris, no verão de 1942. Sua família a vê descobrir o mundo, suas amizades, seu novo amor, sua paixão pelo teatro… Irène quer se tornar uma atriz e ela acorrentada no descuido de sua juventude.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Pandora Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 6,7

*Estreia no dia 30 de março de 2023 nos cinemas*

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