CRÍTICA – A HISTÓRIA DA MINHA MULHER

CRÍTICA – A HISTÓRIA DA MINHA MULHER

Baseado no romance de Milan Fust, A História da minha Mulher, dirigido pela húngara Ildikó Enyedi tem uma premissa intrigante, durante uma conversa descompromissada num restaurante, Jakob, um capitão de navio diz que poderia se casar com a primeira mulher que entrasse pela porta e é o que ele faz. Lizzy, interpretada por Léa Seydoux, mostra-se interessada com o pedido, que cai como uma luva para despistar um pretendente que vinha se encontrar com ela, a partir daí eles começam a se conhecer, no pôquer, no sexo, sem as amaras e cerimonialismos típicos que atravessariam o casal médio de classe alta no início do século 20.

Logo após esses breves encontros, Jakob volta para a navegação por alguns meses, pouco sentidos por rápidas cenas em alto mar, com enquadramentos e composições visuais que exprimem grande beleza, criam-se expectativas para uma maior profundidade estética na linguagem do filme que acabam se provando apenas como pretenções para se aparentar mais com um “filme de arte”. Tal vontade também fica evidente na subdivisão em capítulos que o filme estabelece, constrói-se apenas um efeito de pontuação vazia que pode fazer referência ao livro mas pouco acrescenta na narrativa e linguagem do longa. 

A narrativa avança com a volta do capitão a terra firme, ele começa a conhecer o meio social de Lizzy, as festas da boêmia francesa, se divertem, os dois realmente têm química, mas a situação se complexifica quando Jakob descobre uma mentira que Lizzy o contou, deixando em aberto as motivações dela junto a um sentimento de desconfiança e ciúme. Depois de voltar de outra viagem, estabelecem-se os conflitos de um aparente triângulo amoroso, com a chegada do personagem de Louis Garrel, Denim, um escritor herdeiro que parece ter um caso com Lizzy. 

A relação de Jakob e Lizzy vai se desenvolvendo sem conversas profundas, nem cotidianas ou descompromissadas, os diálogos giram em torno de provocações ambíguas e jogos amorosos, a relação parece ser sustentada pelo sexo e pelas idealizações. Essa é uma escolha de roteiro um pouco arriscada para um filme de quase três horas, em que a superficialidade da dinâmica do casal fica evidente pela arrastada repetição de diálogos que nem aprofundam as personagens e nem se sustentam por si só enquanto conversas interessantes. 

O filme escolhe outro caminho, o das ações e sutilezas, para tentar trabalhar a complexidade de um relacionamento tortuoso de vontades conflitantes, que são um tanto inerentes à condição de um marinheiro. Conforme Jakob vai percebendo as demandas sexuais afetivas de Lizzy, que sua distância em alto mar não permite suprir, ela começa a incentivar ele a participar de uma dinâmica não monogâmica com ela, mas Jakob parece ter se interessado por um casamento justamente na busca por uma estabilidade e exclusividade que seus amores de porto em porto nunca o permitiram ter. Sendo assim, constrói-se uma relação que nada tem a ver com interesse financeiro arrivista, mais comumente representado em obras de épocas passadas, aqui temos uma relação de conflito no direcionamento dos desejos, vista sob um contexto em que a ordem do afetos é mais rígida e burocrática, justamente por isso temos um grau de conflito que não estaria presente em um relacionamento raso de hoje.

Mas o caminho tomado pela direção não ganha força ao decorrer do filme, os atos e possíveis sutilezas não se relacionam o bastante, não são originais, memoráveis ou catárticos o bastante para um filme grande mas nada grandioso. A desilusão e frustração atravessam o filme, mas em nenhum ponto chegam a ser centrais para justificar essa falta de brilho, falta de vontade que o filme tem. O que A História da Minha Mulher traz é um tema interessante e complexo, mas trabalhado sem o apuro estético, a densidade de roteiro ou a amarração da linguagem fílmica que uma história longa demanda para se sustentar minimamente sem se tornar chata e arrastada.


Filme: A Feleségem Története (A História da Minha Mulher)
Elenco: Léa Seydoux, Gijs Naber, Louis Garrel, Sergio Rubini, Jasmine Trinca, Luna Wedler, Josef Hader, Udo Samel
Direção: Ildikó Enyedi
Roteiro: Ildikó Enyedi, Milán Füst
Produção: Hungria, Alemanha, França, Itália
Ano: 2021
Gênero: Romance, Drama
Sinopse: O capitão de um navio faz uma aposta em um café com um amigo de que casará com a primeira mulher que entrar.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Pandora Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 4,5

*Estreia nos cinemas no dia 15 de junho de 2023*

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