CRÍTICA – AS LINHAS DA MINHA MÃO

CRÍTICA – AS LINHAS DA MINHA MÃO

As Linhas da Minha Mão (Dumans, 2023) leva o espectador em uma jornada pela vida de Viviane de Cássia Ferreira. A mulher, atriz brasileira na casa dos seus cinquenta anos, compartilha com a câmera diversas histórias de sua vida. Seus romances, sua tristeza, sua loucura, sua felicidade. Viviane desnuda sua alma para o espectador em uma viagem de relatos.

Uma viagem por outra vida

João Dumans constroi todo o seu filme em volta de (quase) monólogos da mulher. A câmera sempre próxima de seu rosto, deixando-nos acompanhar não só os relatos da mulher, como também a maneira com a qual ela reage a essas lembranças. Dessa maneira, se estabelece a motriz do filme como sendo a relação da câmera com aquela mulher. Nada além dela existe (ou existe, mas não importa). Assim sendo, a intenção de Dumans é bem nítida como uma crença no poder daquelas palavras e em uma ligação muito direta do espectador com a obra. Em outras palavras, é fácil se deixar levar pelas matutices de Viviane. Afinal, As linhas da Minha Mão (Dumans, 2023) busca se conectar através do elemento mais basilar do qual se pode imaginar: a própria vida.

Seja pelos conflitos de Viviane com seu psiquiatra; por sua relação com sua família; pela viagem que fez à Itália, ou qualquer outro relato. Mesmo que não ocorra uma identificação direta com os acontecimentos, é banal estabelecer uma conexão com a história por compartilhar de um aspecto muito intrínseco a todos nós: faz parte da vida. Viviane apresenta uma sensibilidade pelo espaço-tempo ao seu redor que é muito importante para o desenvolvimento emocional do espectador dentro daquelas histórias.

A câmera de As Linhas da Minha Mão

Em outras palavras, quando a mulher se revela uma grande apaixonada por tudo que a ocorre, cria-se um processo onde somos imergidos no fluxo dela e levados a vivenciar cada detalhe como se fosse nossa própria história. Tal efeito é ressaltado sobretudo pela maneira como Dumans registra esses relatos. A escolha por uma câmera próxima dela (o famoso close-up) permite-nos sentir ainda mais. Cada minúcia, cada gesto, cada palavra da mulher está ali, em primeiríssimo plano. Próximo de nós como se estivéssemos sentados em uma mesa com ela. Viviane revela assim uma presença latente diante da câmera. Ou seja, a mulher não só experimenta novamente, através da memória, tudo aquilo, como também transmite aquelas vivencias através do seu corpo.

Desse modo, pode até soar como se João Dumans colocasse muita fé nos relatos e os deixassem construir o filme por si mesmos. Entretanto, existe um esforço grande por parte do cineasta em potencializar as histórias pela sua mise-en-scène — termo francês utilizado para denominar a construção cenográfica de um filme — quase invisivel. Isto é, sua “simplicidade” (falta de cortes, câmera que não se movimenta, planos fixos) pode ser erroneamente confundida com ausência de trabalho. “Só ligou a câmera e deixou ali”.

Todavia, tal escolha por “só ligar a câmera” revela o oposto disso. Ou seja, uma ideia que As Linhas da Minha Mão (Dumans, 2023) tem de escolhas audiovisuais sutis (mas presentes) que não só deem espaço para que Viviane tome conta do quadro, quanto também potencializam a presença da mulher. Dessa forma, essas escolhas (o plano sequência, a trilha sonora pontual, a câmera estática), demonstram um esforço cinematográfico enorme por trás. Uma escolha de linguagem que tenta se demonstrar tímida mas que, na realidade, diz muito. Os vivos, apaixonados, tristes e engraçados relatos de Viviane, não seriam tão vivos, apaixonados, tristes e engraçados se não fosse por isto.

Quebra da unidade

Contudo, em alguns momentos As Linhas da Minha Mão (Dumans, 2023) quebra essa dinâmica, por construir cenas que fogem dessa formalidade e ressaltam aspectos linguísticos diferentes. Como, por exemplo, um monólogo em off, sobreposto à imagens de Viviane na chuva; uma montagem de fotos da vida da mulher; ou uma cena em que ela aparece alheia à camera, coberta por luz negra.

Por mais que tais momentos tenham muita força individualmente, destoam da unidade empregada no resto da obra. São cenas inspiradas que, isoladamente, despertam sentimentos muito próprios. Todavia, não funcionam tão bem quanto aglutinadas com a ideia principal do longa. São recortes pontuais do fime que almejam uma construção visual muito mais imagética do que a estilização “invisível” do resto. Soa quase como uma indecisão do filme. Em outras palavras, é como se em alguns momentos Dumans não tivesse tanta confiança nas suas escolhas e ponderasse se não deveria exercer o oposto delas.

Assim sendo, As Linhas da Minha Mão (Dumans, 2023) é uma obra potente quando não só permite Viviane ser e existir dentro da câmera, mas também potencializa tal vivência por escolhas de linguagem. Quando tenta fugir da banalidade de um relato contado e exercer uma construção imagética mais visual, parece se perder dentro de sua proposta. Por mais que estes momentos não tirem a força dos outros, prejudicam a composição da obra como uma unidade coesa. Mas, no final, a vida é assim, não é? A minha, a sua, a de Viviane, a de Dumans, a de todos nós. Recortes de momentos que dão certo, momentos que não, mas fazer parte da composição da beleza de estar vivo. 


Pôster do filme "As Linhas da Minha Mão" de João Dumans. Filme: As Linhas da Minha Mão
Elenco: Viviane de Cássia Ferreira, Leandro Acácio
Direção: João Dumans
Roteiro: João Dumans
Produção: Brasil
Ano: 2023
Gênero: Documentário
Sinopse: As Linhas da Minha Mão leva o espectador em uma jornada pela vida de Viviane. A mulher, atriz brasileira na casa dos seus cinquenta anos, compartilha com a câmera diversas histórias de sua vida. Seus romances, sua tristeza, sua loucura, sua felicidade.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Embaúba Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 6,0

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