CRÍTICA – AS OITO MONTANHAS

CRÍTICA – AS OITO MONTANHAS

As Oito Montanhas (Le Otto Montagne, 2022) é o filme mais recente de Felix Van Groeningen (Alabama Monroe, 2012; Beautiful Boy, 2018) e Charlotte Vandermeersch. Baseado no livro Le Otto Montagne de Paolo Cognetti, o longa narra a história de amizade entre Pietro e Bruno através dos anos e os encontros e desencontros destes personagens. O elenco conta com Luca Marinelli (Martin Eden, 2019), Alessandro Borghi (Suburra, 2015), Lupo Barbiero e Cristiano Sassela.

O filme da dupla Van Groeningen e Vandermeersch, que se inicia com a voz off de Pietro, personagem de Luca Marinelli, apresenta a história a se seguir como uma jornada pela amizade formada entre o narrador e seu amigo de infância Bruno. A partir da abertura intimista e da voz de Pietro, assistimos à criança da cidade que chega ao campo para passar as férias de verão, onde há somente uma outra criança. O único garoto da região é Bruno, que apesar de ter a mesma idade de Pietro, é maior e mais forte. Um garoto do campo que em suas “férias de verão” trabalha muito e brinca pouco.

Essa escolha de narrativa, apesar de um tanto desgastada no audiovisual, é capaz de render bons frutos em certas ocasiões. A história de Pietro e Bruno chega a se assemelhar até certo ponto à do sensível Close, aclamado filme belga do ano passado que concorreu ao Oscar de melhor filme internacional. A personalidade dos dois protagonistas, que se ancora no clichê do gênero cidade/campo é bem explorada e, ainda que esteja dentro de um padrão de narrativa, se sai bem com os atores mirins.

Ouvimos, a todo momento, a voz de Luca Marinelli, responsável por dar vida à versão adulta de Pietro, e com isso entendemos que a história que acompanhamos são apenas lembranças. O texto da narração é belo e muito combina com a voz de Marinelli, dando a cadência aos eventos exibidos em tela. Sem dúvidas, a parte mais sensível de As Oito Montanhas é durante a infância de Pietro e Bruno. Infelizmente, o filme pouco explora esse momento tão crucial da vida destes personagens.

Durante a infância, quando passam as férias juntos brincando e escalando montanhas com o pai de Pietro, é que se cria o laço mais forte entre os dois meninos. Como em nossas próprias lembranças de infância, aqui também chega o dia em que após brincar e se despedir de seu amigo, sem saber, Pietro dá um “último” adeus a sua infância e àquela pessoa que lhe fora tão importante em seus dias na montanha.

A medida em que esses personagens crescem, pouco sabemos de Bruno, que desaparece da vida de Pietro após uma tentativa frustrada de seus pais de “adotar” Bruno. Durante a adolescência começa-se a perceber a vida de Pietro sair dos trilhos a ponto de brigar com seu pai e se afastar da família. Um ponto que poderia muito bem ser mais bem explorado, uma vez que só conhecemos os “fatos” através da narração do protagonista, que dá poucas pistas dos acontecimentos que levaram a sua versão atual.

Em meio à confusão mental de Pietro através de sua vida adulta, somos agraciados com imagens, é claro, de montanhas. Elas, que não estão somente no título do filme, fazem parte da história de Pietro e Bruno e não há dúvida de que visualmente o longa de Van Groeningen e Vandermeersch é uma verdadeira obra de arte. Para além das belas imagens da natureza, a trilha sonora folk intimista e de tom vintage de Daniel Norgreen embala muito bem os momentos dos amigos tanto juntos quanto separados.

A forma com a qual a narrativa se foca no personagem de Pietro é, em pontos chave, tocante, porém, quase na maioria do tempo não há espaço para sentir tanta empatia pelo homem em que Pietro se transformou. Ainda que haja muitos motivos para o seu desenvolvimento ter se dado do jeito que se deu. Em certos momentos, sentimos falta de Bruno em tela e ansiamos por sua volta.

O reencontro entre os amigos de infância, tão esperado durante muitos minutos do filme, quando se dá, não é “nada demais”, se pudermos dizer assim. O tempo e a vida passaram e, ao se encontrarem como dois homens formados, a estranheza é o sentimento que toma o ambiente, ao invés da camaradagem de infância. É a partir desse encontro e de uma missão que ambos decidem fazer juntos, que a reaproximação acontece, porém, é como se algo tivesse se perdido.

Ao chegar nesse ponto, a narrativa de As Oito Montanhas parece perder um pouco do brilho que havia na primeira parte do filme. Talvez seja porque as crianças cresceram e a ingenuidade e relaxamento da infância deram lugar às preocupações e infelicidade da vida adulta. Os atores, tanto os mirins quanto os adultos, dão o seu melhor e é bastante visível seu esforço para contar essa história da melhor maneira possível, o que se alcança em diversos momentos.

Acredito que o problema esteja, talvez, na forma de direção do filme. Uma característica que percebo nos filmes de Van Groeningen é justamente esta: seus filmes começam bem e em algum momento se perdem na narrativa, sem motivo aparente. Tanto Alabama Monroe quanto Beautiful Boy sofrem dessas faltas em algum momento de seus enredos, mesmo que sejam bons filmes com histórias tocantes.

Embora haja esse pequeno empecilho que talvez entedie um pouco o espectador, vale a pena continuar acompanhando a história, que vai se desenvolvendo e se tornando uma busca por autoconhecimento de Pietro. Enquanto Bruno sempre fora um menino/homem da montanha, Pietro ansiava por algo que realmente lhe preenchesse, tornando-se assim um adulto vazio e perdido em seus próprios sentimentos e gostos que sequer conhecia direito.

É através da jornada por sua infância e adolescência, voltando às montanhas que visitara em companhia do pai e de Bruno, que Pietro passa a se conhecer melhor e conhecer seu pai, se deparando com coisas que nunca imaginara. Descobrir que toda uma vida sem ele fora vivida por seu pai e seu amigo de infância é o que dá força a esse personagem para buscar seu caminho. Enquanto tenta juntar os pedaços de algo que já fora inteiro um dia, a amizade entre os dois homens volta a se fortalecer, e entre idas e vindas, eles mantém sua relação estranha e aconchegante ao mesmo tempo.

O fim de As Oito Montanhas, que se dá de forma um tanto trágica, é o melhor fim possível para essa história. Embora haja tristeza, há também a sensação de missão cumprida, por assim dizer. A beleza do final de um desses personagens se encontra no fato de que tal destino era totalmente esperado, como se este estivesse cumprido seu dever para com a natureza. Na frieza do gelo que encobre as montanhas descansam a brutalidade e a arte da vida, que se escondem por entre o branco cegante da neve. O filme que se inicia nas montanhas tem seu fim também nelas, se mantendo fiel à amizade das duas crianças que ali se conheceram.


  Filme: Le Otto Montagne (As Oito Montanhas)
Elenco: Luca Marinelli, Alessandro Borghi, Lupo Barbiero, Christiano Sassela, Elena Lietti, Filippo Timi, Elisabetta Mazzullo
Direção: Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch
Roteiro: Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch
Produção: Bélgica, França, Itália, Reino Unido
Ano: 2022
Gênero: Drama
Sinopse: As Oito Montanhas é a história de uma amizade. De filhos que se tornam homens que tentam apagar as pegadas de seus pais, mas que, pelas voltas e reviravoltas, acabam sempre voltando para casa. Pietro é um menino da cidade, Bruno é o último filho de uma aldeia de montanha esquecida. Ao longo dos anos, Bruno permanece fiel à sua montanha, enquanto Pietro é quem vai e vem. Seus encontros os apresentam ao amor e à perda, lembrando-os de suas origens, deixando seus destinos se desdobrarem, enquanto Pietro e Bruno descobrem o que significa ser verdadeiros amigos para a vida.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Imovision
Streaming: Indisponível
Nota: 7,3

 

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