CRÍTICA – BOTTOMS

CRÍTICA – BOTTOMS

No começo do ano, Que Horas Eu Te Pego? – estrelado por Jennifer Lawrence – indicou que comédias besteirol, que remetem àquelas dos anos 2000, ainda tem potencial de conquistar tanto o público mais velho que viveu a época e os lançamentos quanto a nova geração que talvez nunca tenha tido contato com American Pie e Um Virgem de 40 anos, por exemplo. Bom, se o longa de Gene Stupnitsky funcionou como um teste de público, Bottoms é a confirmação de que não só ainda há espaço para esse tipo de comédia, como mostra que é possível atualizá-la sem perder a sua essência e o texto afiado que tanto marcou produções como Meninas Malvadas e Superbad.

As famosas comédias colegiais da virada do milênio tinham como principal característica focar em personagens desajustados. Contudo, existia uma certa dicotomia em como essa narrativa se desenrolava a depender da identidade de gênero do grupo retratado. Em sua grande maioria funcionava assim: meninas desafiavam os status quo dos corredores do colégio em busca da popularidade, enquanto o foco dos meninos estava em perder a virgindade antes de ir para a faculdade. Um ou outro possuía uma certa ousadia de ter uma leve mudança de foco, mas no geral não fugiam disso; o que ajuda muito a entender os anseios e pressões sociais em cima dos adolescentes da época.

Hoje, essas linhas que separam os adolescentes em apenas duas caixinhas não existem mais, porque entendemos – principalmente a geração Z e Alpha – que identidade de gênero é muito mais complexa do que “meninas usam rosa e meninos usam azul”. Por isso, Bottoms rompe muito bem essas cartilhas narrativas a partir de sua história sobre duas meninas lésbicas nada populares, PJ e Josie – vividas pelas queridinhas Rachel Sennot (The Idol) e Ayo Edeberi (O Urso) –, que iniciam um clube de luta no colégio para conhecer garotas, perderem a virgindade com as mais populares do colégio e ganharem popularidade (e deixarem, assim, na visão delas, de serem grandes nerds e fracassadas). A grande problemática, no entanto, é que as outras garotas que se juntam a esse clube acreditam que ele seja um clube de autodefesa com o objetivo de empoderá-las e ser um lugar de apoio e segurança em meio ao universo falocêntrico de Rockbridge Falls High School, dominado pelos jogadores de futebol americano.

O roteiro escrito pela também diretora Emma Seligman (Shiva Baby) e Sennott aproveita o melhor dessa premissa absurda e se desenrola de uma forma que te deixa com pouco tempo de respirar entre piadas, que é onde o filme mais se destaca pela variedade de estilos humorísticos: muita vergonha alheia, ironia, acidez, humor físico, teor sexual, nonsense (aquele humor bem do quebrado) e um senso de humor típico dos millenials, zoomers e alphas (me impressiona que alguns diálogos do longa ainda não tenham viralizado no TikTok).

Além das piadas, Bottoms também se destaca pelas escolhas narrativas que acrescentam camadas críticas muito sutis a sua premissa. A utilização de um clube da luta para que garotas lésbicas supram anseios sexuais não é despropositada, pois o O Clube da Luta está, ao lado de Matrix, como um dos filmes mais incompreendidos por uma parcela de homens médios e Red Pills, que não entenderam nada e ressignificaram elementos da trama em prol do grupo – ignorando completamente todo o teor homoerótico e as críticas ao capitalismo e a masculinidade tóxica do longa de David Fincher e do subtexto queer e trans-nãobinário da franquia das Irmãs Wachowski. É divertidíssimo assistir Seligman e companhia tirarem sarro da estupidez e falta de raciocínio crítico desses grupos com tamanha sutileza. Assistir por esta ótica até ajuda a entender em quem a realizadora se baseia para retratar os jogadores do time de futebol americano comandados por Jeff (Nicholas Galitzine, de Vermelho, Branco e Sangue Azul).

Tudo é muito absurdo, escrachado e exagerado, mas essa fórmula desmedida entre a sátira e o comentário social no subtexto que torna Bottoms deliciosamente hilário e o consagra como, muito provavelmente, a comédia mais engraçada do ano – e digo isso porque tive a oportunidade de vê-lo numa sala de cinema e a reação do público na sessão com cada piada e situação só elevou a experiência e comprovou como o longa foi muito bem escrito e dirigido, conseguindo impactar uma variedade de públicos presentes na sala e mostrando que os anos 2000 estão vivíssimos!


Filme: Bottoms
Elenco: Rachel Sennott, Ayo Edeberi, Ruby Cruz, Havana Rose Liu, Kaia Gerber, Nicholas Galitzine e Marshawn Lynch
Direção: Emma Seligman
Roteiro: Emma Seligman e Rachel Sennott
Produção: Estados Unidos
Ano: 2023
GêneroComédia
Sinopse: Em Bottoms, as melhores amigas impopulares PJ e Josie, iniciam um clube de luta no colégio para conhecer garotas e finalmente perder a virgindade. Mas elas logo se veem perdidas quando as alunas mais populares começam a espancar umas as outras em nome da legítima defesa.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Metro-Goldwyn-Mayer
StreamingAmazon Prime Video – Em Breve
Nota: 9,0

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