CRÍTICA – DIAS PERFEITOS

CRÍTICA – DIAS PERFEITOS

Dias Perfeitos (Perfect Days, 2023) é o último lançamento do cineasta Wim Wenders (Paris, Texas, 1984; Asas do Desejo, 1987). O filme, que é uma coprodução entre Alemanha e Japão, recebeu uma indicação na 97ª edição do Oscar na categoria de Melhor Filme Internacional, porém, poderia ter recebido pelo menos mais uma indicação na categoria de Melhor Ator. O filme estreia nos cinemas brasileiros em 29 de fevereiro.

Ao filmar uma história “tipicamente” japonesa, Wenders nos transporta para a Tóquio dos dias atuais, enquanto acompanhamos a rotina quase inabalável de Hirayama, um homem em seus mais de sessenta anos que ganha a vida limpando banheiros públicos da cidade. Interpretado magistralmente pelo ator veterano Kôji Yakusho (Cure, 1997) – premiado em Cannes por sua performance – nós quase esquecemos que a obra se ambienta no mesmo espaço-tempo que ocupamos, uma vez que a vida de Hirayama é vivida de modo analógico: suas fitas-cassete são como um personagem dentro da história, ocupando boa parte da narrativa diária do protagonista.

Imagino que muitas pessoas ao assistirem Dias Perfeitos se sentirão, de alguma forma, entediadas. De fato, o andamento de sua narrativa é lento, não exatamente pela forma em que se apresenta, nos mostrando repetidamente o cotidiano de um homem comum e muito silencioso, mas pela calma com a qual seu enredo se desenha. Para alguns, talvez, é como se absolutamente nada estivesse acontecendo, porém, há diversos pontos de alegria escondidos na banalidade dos dias “iguais”.

Algo importante sobre este filme é que ele não se preocupa com “antes e depois”. Aqui, somos apresentados ao Hirayama de hoje. Seu passado, que não é mencionado, mas que tenta furar a bolha da vida atual do protagonista em certos momentos, até dá as caras, porém, é o agora que importa. Os dias perfeitos de Hirayama, acredito, só são perfeitos por conta desse desprendimento de sua vida anterior. O homem de agora só existe porque o homem de antes, de alguma forma, foi enterrado em algum lugar, talvez dentro dele mesmo.

Entre os banheiros que limpa, as músicas que escuta, livros que lê, seus lanches no parque e as fotos que faz de uma única árvore, assistimos à repetição já esperando pelo movimento seguinte e quando este nos pega de surpresa a sensação é incrível. O espectador é levado pela alegria simples de esperar por um momento inesperado da rotina de um senhor silencioso e muito responsável. Suas interações com outros personagens que passam pela sua vida são muito bem colocadas como forma de tentar nos fazer, ainda que minimamente, entender um pouco da personalidade de Hirayama.

Há, é claro, uma espécie de “conflito” acontecendo em meio à calmaria de seus dias, quando sua sobrinha – que fugiu de casa – aparece em sua porta em busca de abrigo. Um acontecimento que poderia arruinar a paz do protagonista se transforma em um dos segmentos mais importantes para a sua história. Ainda que essa personagem se mostre dúbia em alguns momentos, seu desenvolvimento curto é feito de maneira apropriada e sua interação com Hirayama é desenhada, como quase tudo no filme, de forma simples e agradável ao espectador.

A trilha sonora, parte importantíssima da história escrita por Wim Wenders e Takuma Takasaki, funciona como parte do humor do dia do protagonista. À música está dedicado um momento especial do dia, que é quando dirige para o trabalho e absorve as letras de The Velvet Underground, Patti Smith, Lou Reed, Nina Simone etc. As letras, que muito dizem também do que acontece com Hirayama, completam o quadro de Dias Perfeitos de maneira alegre e até divertida em certas passagens do filme.

Ao se encaminhar para os minutos próximos do final, a narrativa de Dias Perfeitos pode levar o espectador a se perguntar se de fato a vida de Hirayama é feliz. Particularmente, não acredito que o título do filme de Wim Wenders seja, de alguma forma, irônico. Na verdade, minha percepção está mais atrelada a uma apresentação direta da vida de um homem comum: sem grandes artifícios cinematográficos, reviravoltas e grandes conflitos.

Talvez seja difícil para nós acreditarmos em uma felicidade que vem de tão pouco, uma vez que vivemos em um mundo de competição e aparências. Há, inclusive, uma passagem onde Hirayama menciona o fato de haver muitos mundos dentro deste mundo. O seu mundo, habitado por poucos, de fato, está talvez além de nossa compreensão comum. Sua felicidade independe de grandes feitos, mas está completamente ligada a momentos de plenitude encontrados no dia a dia de uma Tóquio moderna.

“Esta árvore é sua amiga?”, há uma cena em que a sobrinha de Hirayama lhe faz essa pergunta e este é um dos meus momentos favoritos de Dias Perfeitos. O fato de o protagonista fotografar dia após dia a mesma árvore, pode parecer um tanto confuso quando assistimos ao filme. Suas fotos, que exibem somente a copa dessa árvore não geram grande comoção, uma vez que, se olharmos sem dar muita importância, as imagens parecem ser a mesma coisa sempre.

As imagens das árvores, dos banheiros, dos livros, da música, da chuva e das pessoas que passam pela vida de Hirayama são repassadas em sua mente todas as noites antes de dormir. Essas lembranças, iluminadas pela luz do sol nas folhas das árvores, nos dizem por si só que esses dias que parecem tão iguais são completamente diferentes um dos outros.

Wim Wenders, para ser ainda mais “didático”, exibe na última tela de seu filme uma palavra japonesa, na verdade um conceito: Komorebi, que está ligado aos feixes de luz do sol que passam por entre as folhas das árvores. Embora eles possam parecer idênticos, nenhum deles é igual ao anterior. Essa perfeição da natureza é o que embala a narrativa de Dias Perfeitos. O sorriso de Kôji Yakusho ao dar vida a Hirayama em sua cena final é a cena mais bonita e significativa desse filme. Para mim, o sentimento desse momento nada mais é do que a felicidade.


  Filme: Perfect Days (Dias Perfeitos)
Elenco: Kôji Yakusho, Arisa Nakano, Aoi Yamada, Tokio Emoto, Sayuri Ishikawa, Yumi Asou, Tomokazu Miura.
Direção: Wim Wenders
Roteiro: Wim Wenders, Takuma Takasaki
Produção: Alemanha, Japão
Ano: 2023
Gênero: Drama
Sinopse: Hirayama está feliz em sua vida simples como limpados de banheiros em Tóquio. Tirando sua rotina diária muito estruturada, ele cultiva sua paixão pela música, livros e fotografias de árvores. Uma série de encontros inesperados revela gradualmente mais do seu passado.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Mubi, O2 Play
Streaming: Indisponível
Nota: 9,5

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