CRÍTICA – ESTRANHA FORMA DE VIDA

CRÍTICA – ESTRANHA FORMA DE VIDA

No início dessa semana tive a oportunidade de assistir ao mais novo filme do cineasta espanhol Pedro Almodóvar (Tudo Sobre Minha Mãe, 1999; Fale com Ela, 2002). O curta-metragem Estranha Forma de Vida (2023), estrelando Ethan Hawke (Trilogia Before; O Telefone Preto, 2021) e Pedro Pascal (The Last of Us, 2023-) é um faroeste sobre dois ex-amantes que estão em lados opostos da vida e mantém um laço forte, ainda que distante. É a segunda vez que Almodóvar dirige um filme falado inteiramente em língua inglesa, a primeira foi também no curta-metragem The Human Voice (2020) com Tilda Swinton.

Em Estranha Forma de Vida, acompanhamos o reencontro após 25 anos de Jake (Hawke) e Silva (Pascal), dois ex-pistoleiros que no passado mantiveram uma relação de amantes por dois meses. Agora como homens maduros, Jake se tornou o xerife da pequena cidade desértica em que vive e Silva se manteve como um fazendeiro cuidador de animais. O reencontro dos dois se dá a partir de um crime que vitimou a cunhada do xerife, onde o principal suspeito de tê-lo cometido é o filho de Silva. Uma circunstância bastante peculiar para uma reunião, mas que ainda assim acaba por levar os dois homens a compartilhar a cama mais uma vez.

O filme de Almodóvar, que quando anunciado chegou a ser chamado de “uma resposta a O Segredo de Brokeback Mountain (2004)”, pouco lembra o longa de Ang Lee, que é um marco no gênero faroeste por explorar os sentimentos masculinos e não somente isso, mas por apresentar uma relação homoafetiva entre os protagonistas de sua história. Em Estranha Forma de Vida os sentimentos dos personagens estão ali o tempo todo, porém algo parece faltar na forma em que se apresentam os fatos.

Entende-se que em um curta-metragem – nesse caso de 30 minutos – não há tanto espaço para explorar e desenvolver personagens e narrativas, e nesse ponto, a obra de Almodóvar se sustenta, ainda que saibamos pouco sobre Jake e Silva. A tensão sexual entre os personagens leva a acreditar que de fato o passado fora algo de muita importância para ambos, ainda que tenham levado longos 25 anos para que estivessem no mesmo ambiente de novo.

A discrepância entre personalidades é visível, uma vez que Silva é um homem que abertamente fala sobre seus sentimentos e busca por algum tipo de consolo para sua solidão em Jake, que por sua vez, deixa seus sentimentos de lado para focar em seu dever para com a pequena sociedade em que vive. A única coisa em que ambos se parecem é o fato de serem dois homens de cabeça dura e sangue quente. Enquanto Jake bate o pé para não ficarem juntos, Silva bate de volta para que fiquem e cuidem um do outro para o resto de suas vidas. Os cenários não parecem muito favoráveis de nenhuma forma, uma vez que nenhum dos dois pensa em ceder em suas convicções.

Toda essa relação conturbada entre os protagonistas tem em seu centro a investigação do assassinato da mulher que não aparece em cena nenhuma vez. Nesse ponto, Estranha Forma de Vida é totalmente um faroeste, mesmo que desvirtuado em muitos sentidos do clássico gênero de cinema norte-americano. Ainda que não haja tanta exibição aqui, o machismo que se vê em praticamente todas as produções do gênero está presente na obra de Almodóvar, na única cena em que mulheres são representadas. Esta cena, ainda que não seja das melhores do filme, é uma das passagens mais “Almodóvar” de Estranha Forma de Vida, onde a sensualidade e as cores características do cineasta estão em maior realce.

Voltando à relação entre Jake e Silva – que é o principal motivo do filme existir –, posso dizer que a melhor parte do curta-metragem é atuação de ambos os atores. A química entre Ethan Hawke e Pedro Pascal é bastante visível e agradável de assistir e seus diálogos são muito bem construídos. Há cenas em que somente os olhares entre os personagens dizem tudo sem precisar de palavras. O texto por sua vez, quando utilizado, é de uma agressividade e ternura característicos de Pedro Almodóvar. As cores que adornam o figurino de Jake e Silva também conversam com as características de cada personagem, adicionando substância à construção curta de suas personalidades.

Ainda que não seja das melhores criações de Almodóvar, Estranha Forma de Vida é um importante filme que explora os sentimentos de homens mais velhos, assunto que pouco vemos nos cinemas. Ao fim de sua exibição, o sentimento que fica é de que algo importante ficou faltando à história intrigante que foi exibida em 30 minutos. O próprio criador da obra, em entrevista exibida após o filme, conta um pouco sobre o que acontece após o fim dos créditos e o desfecho desses personagens é algo que realmente gostaria de assistir um dia, ainda que seja pouco provável que haja uma continuação.

Na introdução do curta, ouvimos a voz de Caetano Veloso no fado de Amália Rodrigues que tem o mesmo nome do filme e isso por si só já nos dá uma pista de que o que veremos a seguir é uma obra cheia de sentimentos e exageros. As imagens poeirentas e secas do deserto em contraste com as cores vibrantes do figurino e decoração dos ambientes internos contrastam em belas imagens que muito dizem sobre a relação e personalidade de ambos os personagens.

Estranha Forma de Vida é um curta-metragem diferente e ainda assim bastante reconhecível como uma obra de Pedro Almodóvar. Embora não vejamos nenhum rosto conhecido de seus outros filmes e a língua também seja diferente do habitual de seus longas-metragens, sabemos pelas cores, trilha sonora e texto que essa é uma obra que carrega as marcas de um cinema já estabelecido na indústria. O curta-metragem estreia em 14 de setembro nos cinemas em uma parceria entre MUBI e O2 Play.


    Filme: Strange Way of Life (Estranha Forma de Vida)
Elenco: Ethan Hawke, Pedro Pascal, Manu Ríos, José Condessa, Jason Fernández, George Steane, Erenice Lohan, Sara Sálamo, Oihana Cueto.
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Produção: Espanha, França
Ano: 2023
Gênero: Drama, Faroeste
Sinopse: Depois de 25 anos, Silva atravessa o deserto a cavalo para visitar seu amigo, o xerife Jake. Eles comemoram o encontro, mas na manhã seguinte Jake diz a ele que o motivo de sua viagem não é para lembrar a amizade deles.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: O2 Play
Streaming: Estreia nos cinemas em 14 de setembro
Nota: 6,8

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