CRÍTICA – EXORCISMO NEGRO

CRÍTICA – EXORCISMO NEGRO

José Mojica Marins é, inegavelmente, um dos diretores brasileros mais famosos. Seu personagem mais conhecido entre o público é o Zé do Caixão; tão famoso que muitas vezes o próprio cineasta era confundido com seu personagem. O personagem já apareceu em diversas obras do diretor, incluindo Exorcismo Negro (1974). Cid Vasconcellos, editor chefe e crítico do Club do Filme, inclusive, já participou de um podcast a respeito da trilogia principal do personagem.

O filme da presente crítica não faz parte de tal trilogia, mas envolve o respectivo personagem. Exorcismo Negro (1974) traz José Mojica Marins atuando como ele mesmo. Na obra, o diretor viaja para a casa de campo de um amigo para o Natal. O que o cineasta não esperava é que lá se encontraria rodeado por uma trama maligna que envolve possessões demoníacas e o personagem de sua própria criação, o Zé do Caixão.

A literatura gótica

Mojica parece ter sido um dos cineastas brasileiros de terror que mais compreendeu a literatura gótica e adaptou-a para um período mais atual em territórios nacionais. Em outras palavras, se nos séculos XVIII e XIX o gótico trazia um embate individual perante a dilemas culturais europeus da época, Mojica o faz com dilemas mais pertinentes ao Brasil.

Assim, tal embate era (e ainda é, nas mãos do cineasta) um amálgama entre o real e o mitológico. Uma mistura, então, regida por um imaginário do terror fomentado por questões estéticas e psicológicas paralelo à reflexões sobre política e região. Uma briga quase elementar entre o bem e o mal. Uma batalha entre luz e trevas nas suas mais puras formas.

Uma mescla de clássicos em Exorcismo Negro (1974)

Em 1831 Mary Shelley trouxe um embate entre criador e criatura com seu clássico Frankenstein ou o Prometeu Moderno (1831), onde um cientista, Victor Frankenstein, é tomado por pavor ao contemplar sua própria criação, um monstro humanoide. Posteriormente, outro tipo de duelo foi abordado por Robert Louis Stevenson em O Médico e o Monstro (1886), retratando um confronto entre duas personalidades de um mesmo homem, uma boa — o Dr. Jekyll —, e uma má — Mr. Hyde.

Em Exorcismo Negro (1974), o cineasta soa como se estabelecesse uma fusão entre ambos os clássicos da literatura gótica citada. O diretor até sua morte, em 2020, foi popularmente conhecido como o próprio Zé do Caixão. Consequentemente, sua criação, o maquiavélico coveiro, praticamente se tornou uma outra faceta do próprio Mojica. Inegavelmente, tanto por um apelo popular quanto por um reforço exercido pelo próprio José. 

Decerto então que, quando Mojica se insere em seu longa enfrentando sua própria criação, o diretor enfrenta também a si mesmo. José Mojica Marins é, ao mesmo tempo, o monstro de Frankenstein e o malvado Mr. Hyde. Do mesmo modo, o cineasta também é Victor Frankenstein e o Dr. Jekyll.

O Mojica personagem

A figura do diretor dentro de Exorcismo Negro (1974) acaba sendo também uma versão sua mais contida e mais centrada. Uma figura que nega veementemente a existência de sua criação e que exala um ar de respeito, intelectualismo e fé.

Essa presença de Mojica dentro de seu filme não só serve como a imagem do criador, mas é também a figura do cavaleiro gótico que enfrenta o mal. O diretor é um personagem erudito, moralista, crente em Deus. Ou seja, em Exorcismo Negro (1974), José Mojica Marins serve como essa personificação do bem no embate literário entre luz e trevas.

Enquanto que sua criação, Zé do Caixão, é a própria encarnação do mal. Zé do Caixão, então, é aterrador, é maligno, é perverso, pelo simples prazer de ser. O vilão não quer nenhum objetivo maior do que se não a propagação do mal. É uma figura mitológica puramente trevosa.

Dilemas sociais góticos

Conforme esse duelo, Mojica nacionaliza também as questões sociais tão pertinentes à literatura gótica. O diretor conversa sobre a visão da sociedade brasileira sobre a arte e o autorismo; dialoga a respeito de um elitismo intelectual; fala sobre a estrutura patriarcal presente nas famílias brasileiras (e como, muitas vezes, essa estrutura faz com que a mulher tenha que fazer o inimaginável para agradar o homem); e até debate sobre preceitos religiosos, trazendo temáticas relativas ao catolicismo e ao espiritismo, religiões tão presentes no Brasil.

Mas é claro que, assim como em outras obras do período gótico, Mojica não se foca apenas nas questões sociais. O diretor não esquece de um dos principais pontos: o horror. Através da figura do Zé do Caixão — que encarna esse mal elementar, essa personificação do maligno — consegue estabelecer todo esse imaginário pertinente ao cinema do terror. 

Exorcismo Negro (1974) e o cinema de terror

Exorcismo Negro (1974), desde seu início, não abdica do terror e do suspense. Assim, segue convenções do gênero e estabelece um tom atmosférico intrigante e ameaçador; uma casa isolada no mato, com pessoas diferentes, e passados sombrios. Mesmo assim, é um filme que, de certa maneira, começa mais contido, formalmente falando. Mas ao longo de sua duração, conforme a imagem da criatura Zé do Caixão ganha mais força, o filme começa a adquirir uma loucura formal cada vez maior. Assim, é como se o Zé começasse a suprimir o Mojica como diretor do próprio filme. 

Conforme Zé do Caixão assume um controle maior do que Mojica sobre Exorcismo Negro (1974), o filme passa a apelar por uma frontalidade maior e mais tenebrosa com o próprio terror. Assume uma utilização cada vez mais presente de tropos do gênero e leva o espectador em uma viagem alucinante pela mente da figura maligna. Perpassando-o, assim, através de caminhos e situações cada vez mais infestos.

Afinal, Exorcismo Negro (1974) acaba sendo praticamente uma tentativa do diretor de se exorcizar da visão de seu próprio personagem. Mas é lindo como, por fim, até mesmo Mojica reconhece a força da criatura e percebe que, quer ele queira ou não, ambos já se tornaram um só.


Pôster do filme "Exorcismo Negro", de José Mojica Marins. Filme: Exorcismo Negro
Elenco: José Mojica Marins, Jofre Soares, Walter Stuart, Geórgia Gomide, Adriano Stuart, Alcone Mazzeo, Wanda Kosmo, Agenor Alves
Direção: José Mojica Marins
Roteiro: José Mojica Marins, Adriano Stuart, Rubens Francisco Lucchetti
Produção: Brasil
Ano: 1974
Gênero: Terror
Sinopse: O diretor José Mojica Marins viaja à casa de campo de um amigo para passar o Natal. No entanto, o cineasta testemunha seus conhecidos serem possuídos por forças malignas um por um.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Cinedistri
Streaming: Indisponível
Nota: 10

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