UM HOMEM DE FAMÍLIA

UM HOMEM DE FAMÍLIA

A família dita tradicional é aquela conservadora e religiosa, cujo os padrões seguem muito do que foi estabelecido como o normal e o comum em tempos passados. Algumas sociedades conseguiram quebrar esse ciclo percebendo que nada é rígido em suas funções e estrutura. O mundo está em constante alteração. O indivíduo também. Mas são estas mudanças e pessoas que, caminhando no sentido contrário da doutrinação da família tradicional, normalmente são colocadas às margens das sociedades.

Um Homem de Família, filme de 2016, dirigido pelo estreante Mark Williams, segue justamente essa proposta. Apresenta um personagem e sua família como sendo representantes desse modelo tradicional. Um casal, Dane e Elise Jensen, com seus 3 filhos, Ryan, Lauren e Nathan morando em uma bela casa em um bairro nobre e aconchegante e com uma vizinhança dentro dos mesmos moldes. Ele é o provedor, é quem trabalha e se “anula” para ao menos colocar um sorriso no rosto de sua linda esposa por ter um tampo de mármore caro em sua cozinha. Já ela é desenhada como uma mulher do lar, que cuida dos afazeres domésticos, cria os filhos e a noite precisa estar com “a luz acesa” para quando seu marido chegar.

O grande problema em tudo o que foi exposto no parágrafo acima e que é caracterizado em poucos minutos de filme é que esta, claramente – e assim espero –, não é a proposta desta obra. O roteiro, assinado pelo estreante Bill Dubuque, e a direção constroem esse universo familiar para que depois de determinados acontecimentos, as chamadas reviravoltas, os personagens dessa família possam perceber que este modelo tradicional é opressor além de subjugar todos os que não detêm o poder financeiro. Entretanto essa autorreflexão esperada para os personagens, sobretudo do protagonista Dane (Butler), não acontece. É bem verdade que há uma certa mudança no comportamento de Dane motivada pela situação em que seu filho primogênito, Ryan, vai passar, mas é espantoso como o texto vagueia por caminhos tortuosos e se faz valer de diálogos extremamente machistas (para ficar no mínimo) sem propor uma resolução que permita ao espectador perceber algum tipo de arrependimento deste personagem para com, principalmente, sua esposa Elise.

Elise (Mol) é constantemente colocada de lado até mesmo nos momentos em que deveria ser elevada. Ela sofre através da conduta ausente de seu marido. Ela sofre por conta de uma expectativa sexual “diferente” que seu marido tem. Ela sofre humilhações ao ouvir de Dane que ela é apenas uma dona de casa e que deveria ser feliz por ele ganhar dinheiro e comprar uma bela casa e um lindo vestido. Se tudo isso não fosse o bastante, o filme continua martelando a personagem e a colocando como uma coadjuvante até mesmo no amor de seu filho. É de causar muita revolta toda a anulação que o diretor faz com ela. Elise é disparada a melhor personagem do filme e a mais forte. E quando há uma clara percepção disso, o que os idealizadores do filme fazem? A colocam em surto numa visita a sala de aula de seu filho. Elise é uma das personagens mais maltratadas pelo trabalho de direção de um filme em que claramente ela deveria ser exaltada.

Mas se existe algo interessante e bem trabalhado nesse filme é o braço da história que chega até o personagem Lou (Molina). Aqui há uma forte e marcante crítica ao fato do mercado de trabalho não ter lugar para aqueles profissionais que já passaram da meia vida. Lou tem 59 anos e encontra-se desempregado. De um certo modo sua vida está nas mãos de Dane, que não faz qualquer esforço para ajuda-lo, muito pelo contrário, é completamente indiferente a ele e faz uso dessa condição de Lou para conseguir empregos para outros candidatos, jovens, e assim ganhar cada vez mais fama dentro da empresa e, quem sabe, uma promoção.

O ambiente de trabalho, um tanto frenético, lembra aquele bem desenhado em O Lobo de Wall Street, só que aqui não se trata do mercado de ações e sim de pessoas. Mas a dinâmica, infelizmente, é a mesma. A configuração da sala não é bem definida por conta da falta de foco em qualquer coisa que não seja o protagonista Dane ou o dono da empresa, Ed Blackridge (Dafoe). Mas o que se conecta muito bem em todo o longa são as paredes de vidro. Todo aquele andar corporativo é circundado por vidros, a sala de Ed tem grandes vidros de forma a deixar o espectador enxergar aquele mundo constituído por enormes prédios com seus andares corporativos cheio de pessoas sendo sugadas, trabalhando 70 horas semanais, para ganhar salários incondizentes com suas produções e deixando seus patrões ainda mais milionários.

Bem-vindo ao sonho americano.

Essa espécie de redoma de vidro, um local no qual o personagem está preso, mas ao mesmo tempo consegue enxergar tudo ao seu redor, numa falsa impressão de que faz parte daquele mundo, sem perceber que, mesmo transparente, há uma barreira que os separam, é um ponto extremamente importante na trama, sem contar quando à noite o reflexo sombrio do personagem Dane, revelando uma outra faceta, também conhecida como Johnny Cobra, nos esclarece sobre atitudes obscuras deste personagem. Mas em um total contraponto, nos passeios e visitas que Dane e seu filho Ryan realizam em edifícios espalhados pela cidade de Chicago, é que o conceito de viver é contemplado.

Ryan, o filho primogênito, e o que mais sofre pela ausência de seu pai, possui um de câncer muito comum na infância (LLA). E quando o longa entra nessa abordagem, numa tentativa obvia de fazer Dane refletir sobre o que e quem é importante em sua vida, a direção mostra uma preocupação em tratar esse aspecto com um certo realismo, trazendo informações sobre a doença e sobre o tratamento, mas não abre mão da religião de modo que esta terá papel quase que fundamental para a trama.

Um Homem de família nasce com uma boa proposta. Cria e reforça uma ideia controversa por um bom tempo. Consegue propor silhuetas para vários personagens e consegue construir alguns ambientes físicos ou não. Entretanto peca quando tenta concluir os arcos e mostrar a importância da palavra Família. A fragilidade dos plots travam qualquer possibilidade de um final que fosse, de fato, reflexivo. O que fica é o reforço a uma cultura machista e patriarcal e que, ao menor ato de afeto do homem para com sua família, toda a sua conduta equivocada é esquecida sem ao menos um pedido de desculpas.


Filme: A Family Man (Um Homem de Família)
Elenco: Gerard Butler, Gretchen Mol, Alison Brie, Willem Dafoe, Alfred Molina, Maxwell Jenkins
Direção: Mark Williams
Roteiro: Bill Dubuque
Produção: Estados Unidos, Canadá
Ano: 2016
Gênero: Drama
Classificação: 12 anos
Streaming: Prime Video, HBO Max
Nota: 5,2

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