CRÍTICA – TÁ ESCRITO

CRÍTICA – TÁ ESCRITO

O cinema, desde o seu nascimento, é uma arte de constante invenção e reinvenção. Ele não apenas incorpora outras formas artísticas, mas também absorve diferentes tendências que permeiam o universo audiovisual. As várias estéticas e correntes exploradas nesse meio são assimiladas de maneira quase cíclica por essa forma de expressão. Isso ficou evidente, por exemplo, nos anos 80, quando a MTV desempenhou um papel fundamental na disseminação da estética dos videoclipes, que rapidamente invadiu as telas de cinema.

Atualmente, a principal tendência no campo audiovisual é representada pelas redes sociais, especialmente o TikTok. Assim como outras tendências estéticas foram incorporadas no passado pela sétima arte, a estética contemporânea também se faz presente em diversas obras cinematográficas. Um exemplo notável desse impacto é observado no filme vencedor do Oscar, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, que utiliza de maneira sistemática diversos elementos adaptados do universo das redes sociais

É nesse cenário que “Ta Escrito” está inserido, ao abraçar de vez essa estética tiktokiana. Dirigido por Matheus Souza e estrelado por Larissa Manoela, o filme segue a história de Alice, que acredita que os astros conspiraram contra ela, resultando em uma vida parada e vazia. Formada em astronomia, certo dia ela recebe a oportunidade de participar de um podcast sobre astrologia. Porém, sua compreensão limitada sobre o tema remonta à influência de seu falecido pai durante a infância. Certo dia ela encontra um livro peculiar contendo instruções que prometem a realização de qualquer previsão astrológica escrita em suas páginas. A partir desse momento, cada previsão feita por Alice desencadeia uma série de eventos que remodelam não apenas seu próprio destino, mas também o mundo ao seu redor. Isso inclui impactos significativos nas vidas daqueles que ela ama, como sua amiga de infância, recentemente empreendedora no ramo de moda, sua mãe e irmão, sua prima famosa que se tornou uma “rival” desde a adolescência, colegas de trabalho na agência onde Alice é empregada, e até mesmo seu ex-namorado.

Repleto de personagens e arcos dramáticos, a estética tiktokiana em “Ta Escrito” se manifesta predominantemente em sua montagem. Semelhante à experiência nas redes sociais, que transita de um vídeo para outro, a sensação proporcionada pela montagem do filme é análoga. A cada previsão registrada por Alice no livro mágico, emerge uma mini história distinta, como se estivéssemos assistindo a uma minissérie de curtas criada para o TikTok. Isso se deve à multiplicidade de arcos que o filme tenta explorar, muitas vezes sem necessariamente concluir cada um deles, mantendo Alice como o epicentro de toda a trama.

Um exemplo notável é o arco em que Alice nutre sentimentos por seu ex e almeja tê-lo de volta. Ao longo do filme, esse arco é esboçado até atingir um ponto culminante, quando Alice decide escrever em seu diário que as pessoas do signo de seu ex se apaixonarão por ela. O resultado não se restringe apenas ao retorno deste, mas diversas pessoas se apaixonam por ela, desencadeando uma breve série de perseguições. Assim que Alice consegue escapar, o desenvolvimento de tal arco é encerrado, e pouco depois, de modo abrupto, somos conduzidos para o desenvolvimento de outro arco. E isso se repete reiteradamente no longa. Essa abordagem cria uma narrativa entrelaçada, repleta de clímax pontuais para cada pequena história. O filme, assim, constrói uma experiência dinâmica que se assemelha à natureza instantânea e efêmera das interações nas redes sociais, capturando a essência da estética tiktokiana.

A ideia é claramente manter o espectador continuamente envolvido. Mal se encerra um mini arco, imediatamente inicia-se o desenvolvimento de outro, criando um ciclo contínuo de estímulos. Com isso, Tá Escrito carece de uma maior organicidade em seu desenvolvimento. Apesar dos esforços de Matheus em entrelaçar alguns desses mini arcos e de organiza-los dentro de um enredo maior, o resultado apenas proporciona uma sucessão de hiperestímulos ao longo de toda a projeção. Sacrifica-se os personagens, a fluência da história, e até o próprio discurso em prol de estímulos que são facilmente esquecíveis, juntamente com seus personagens, que, por habitar diversos “universos”, soam caricatos e contraditórios.

Uma outra evidência clara – agora visual – dessa absorção da estética tiktokiana se manifesta na escolha da verticalidade da tela em alguns momentos. Logo no início do filme, vemos diversas vezes a imagem projetada de forma vertical, com os lados borrados, representando uma invasão do formato 9:16, amplamente associado ao uso em dispositivos móveis, nas tradicionais telas de cinema. Abordagem essa que, aqui, faz sentido em um filme que explora a influência das redes sociais sobre as pessoas, inserindo o espectador de forma mais imersiva nos dois mundos: o real e o virtual. No entanto, jamais aprofunda de fato em sua temática.

Com uma direção de arte competente, Fernanda Teixeira captura de maneira hábil a estética dos clipes de K-Pop e a transporta para o filme, resultando em uma experiência visualmente agradável e dialogando efetivamente com o público jovem. Essa composição visual complementa a proposta do filme de trazer o universo das redes sociais para dentro da narrativa.

No entanto, os méritos do filme param por aí. “Ta Escrito” não consegue transcender a condição de uma mera absorção do que tem potencial para estimular o público. E, talvez de forma intencional, o filme não se propõe a ser memorável, o que é uma pena.


Filme: Tá Escrito
Elenco: Larissa Manoela, Victor Lamoglia, André Luiz Frambach, Karine Teles, Kevin Vechiatto, Caroline Dallarosa, Cazé Pecini, Emira Sophia
Direção: Matheus Souza
Roteiro: Thuany Parente, Matheus Souza, Mariana Zatz
Produção: Brasil
Ano2023
GêneroComédia, Drama
Sinopse: Alice acredita que os astros erraram com ela. Um dia, ela recebe um livro com instruções que prometem que qualquer previsão astrológica escrita naquelas páginas se concretizará. Com o poder de influenciar a todos com as previsões que agora ela tem acesso, Alice se torna um fenômeno on-line, mas também deixa o mundo ao seu redor de cabeça para baixo.
Classificação12 anos
DistribuidorParis Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 4,0

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