CRÍTICA – THE BACKWATER GOSPEL

CRÍTICA – THE BACKWATER GOSPEL

  • A crítica que se segue é resultado de uma atividade que passei em sala de aula para vários alunos do Itinerário de Humanas na qual exibi alguns curtas-metragens e o trabalho que se destacasse teria o texto publicado aqui no site! Com o parceria do incrível Cid, parceiro já de longa-data que confiou em meu trabalho desde o processo seletivo para escrita de críticas no Instagram, adoramos a ideia e, deu-se abertura para esse espaço que foi nomeado “Jovens Críticos”. The Backwater Gospel

 

  • Laura Teodoro Fontes é minha ou foi – dependendo de quando estiverem lendo essa crítica –  aluna (em 2023) do 1° Colegial no Ensino Médio do Colégio Pirâmide, no município de Cajuru-SP, interior do estado. Segue em anexo o texto produzido por ela sobre o curta de sua escolha “The Backwater Gospel”.

 

Conforme o tempo passa, a sociedade se modifica igualmente, buscando sempre se adaptar aos novos tempos, costumes e regimes, porém, algo que nunca foi apagado da sociedade durante todo o trajeto foi a ânsia pela vida, ou o medo de morrer.

Configurado pelo próprio instinto dos seres vivos, a luta pela vida é algo constante que nos move e nos faz querer evoluir tanto empiricamente quando espiritualmente, mas que em seu cerne carrega um conceito sombrio que assola a humanidade há milênios, muitas vezes nos obrigando a tomar decisões drásticas ou muito arriscadas, o que é representado de maneira maestral em The Backwater Gospel.

O curta-metragem de aproximadamente 9 minutos e meio é uma animação produzida por um grupo dinamarquês como conclusão de curso da Animation Workshop. Dirigido por Bo Mathorne, foi lançado em 2011 e sua animação é marcada pela harmonização entre as técnicas 2d e 3d, além do forte traço que demarca sua clara intenção de se assemelhar a HQ’s de faroeste.

Complementada pela trilha sonora e dublagens que potencializam o efeito do terror, a história se passa em um pequeno vilarejo isolado, onde, frequentemente, Undertaker — ou “agente funerário” —, um ser aparentemente mágico ou mitológico, visita para buscar a sua próxima vítima.   Ou seja, a presença de Undertaker sinaliza mau agouro, o que virá a dar o gatilho para desenrolar da história.

Durante toda a trama, um dos aspectos mais marcantes a ser questionado e analisado é a influência religiosa exercida no povo da pequena civilização. Comandando a pequena igreja localizada no topo da colina, o padre do início à sua morte buscou exercer controle diante da população, mostrando-se evidente desde as primeiras cenas, onde um civil comum, cantando e tocando sua viola, fora censurado pelo padre com a sua ordem de convocar uma reunião religiosa por meio do tocar do sino. Após ter a sua vontade atendida e o civil impedido de tocar, a população da cidade, envolta em uma aura melancólica e depreciativa, caminha até a igreja.

Diante desta cena, podemos destacar o forte caráter dominador que o padre, diante de seu poder religioso, exerce sobre a população, ao longo da trama manipulando as pessoas ao seu favor, além da própria crítica em relação à religião e até quando a sua presença em uma sociedade vem a ser algo saudável, pois com o anúncio da chegada de Undertaker, a cidade se torna um caos e todos os civis se isolam em suas casas. Porém a problemática da trama se concretiza no momento em que é percebido que, desta vez, Undertaker não veio apenas buscar um dos moradores: ele está esperando por esse morador, sentado aos pés da guilhotina. A partir desta cena, a animação se torna mais sombria e o terror, com um certo teor de horror, atinge cada morador desesperado e temeroso pela sua vida.

Após alguns dias, o vilarejo resolve sair, de maneira oscilante e temerosa, de suas casas para irem até a igreja, onde o padre, novamente exercendo sua forte influência na psique dos personagens, diz que deveriam achar e matar quem era a pessoa cujo Undertaker estava esperando, para assim se livrarem do agourento e a “paz” retornar à cidade.

O primeiro alvo foi, sem receio algum, o violeiro, cujo foi morto na praça, em frente ao Undertaker, que sequer se moveu diante da cena. Além de suas claras implicações com o líder religioso, o violeiro não era um os fiéis, fazendo com que o padre acabasse por se desgostar ainda mais de sua presença. E foi então que, após o ser sequer se mexer, como costumava fazer, todos perceberam que não era o violeiro a pessoa que Undertaker estava aguardando.

As próximas cenas são coroadas com o terror e o horror marcantes, que começam a assolar não apenas os personagens, mas também os telespectadores já pressionados pela tensão do desfecho prestes a vir, pelo sanar da curiosidade de quem realmente seria a pessoa tão aguardada pela morte. Nestas reproduções de violência e matança explícita, a trilha sonora se intensifica, tornando o momento o ápice da tensão do curta-metragem, buscando ao máximo introduzir o telespectador na experiência de viver o medo, a incerteza e o desespero de estar a um passo da morte, que acabou chegando até o padre, sendo massacrado pelos próprios fiéis, que acabaram por expor algo já claro desde o começo do curta-metragem: o guia religioso não estava realmente compromissado ou interessado em salvar suas almas, mas sim a própria pele e os próprios interesses.

O contraste entre luz e sombras para tornar as cenas explícitas algo mais leve, não realmente sangrento ao ponto de se assemelhar ao Gore, são usados durante todo o conflito, em que podemos perceber a representação da ideia de medo palpável e do instinto de sobrevivência na mente das pessoas. O medo tão grande de ser a próxima vítima do temido Undertaker consumiu a mente dos indivíduos em um nível extremo onde a solução que suas mentes perturbadas pelo sutil farfalhar do manto da morte em seus ouvidos a cada vez que a bicicleta do “monstro” passava pela cidade, foi matar uns aos outros, extinguindo suas características humanitária e social para o bom e velho instinto, carregando, portanto, essa verossimilhança palatável para nós, causando o gosto amargo da realidade de que a humanidade sempre foi assim, violenta e instintiva.

O medo e a ânsia por uma solução rápida e eficiente nos torna animais, muitas vezes, perdidos em nossa irracionalidade, reduzidos e imersos em instintos primários que nos lavaria a uma insanidade gutural coletiva. Um exemplo disso não são as guerras em si — pelo motivo claro de que os combates não se tratam de conflitos entre os soldados, e sim de seus governantes —, mas os campos de batalha destas guerras, onde os combatentes, movidos pelo medo do adversário, pelo nacionalismo ou pelo alistamento forçado, lutam uns contra os outros, sem saber quem são, o que fazem ou o que eles tinham em sua vida cotidiana. Pessoas inimigas em campo de batalha que se matam sem realmente ter um sentido para tal.

Ou seja, o medo causado pelo curta-metragem não se trata diretamente pela matança ou pela figura do Undertaker, mas sim pela verossimilhança que o grupo dinamarquês representa através dos personagens, a ideia de que, pressionados pelo medo e a insanidade de uma mente doente, dominada por um líder ou uma força maior — no caso a crença na religião pregada pelo padre —, nossa sociedade poderia vir a ruir da mesma forma, retornando ao estado de natureza, onde cada indivíduo luta por si e pelo que acredita. Afinal, esta é a verdadeira essência do terror e de suas vertentes: a ideia que aquilo causa, não o medo em si.

Algo realmente assustador e aterrorizante não é a carnificina gerada ou o Undertaker, que a durante toda a animação sequer se manifestou ativamente ou diretamente. O fundamento do terror vem com o quão real a ideia daquilo pode vir a ser, o quão possível aquilo é de chegar em nossa realidade e se manifestar ativamente. O quão assolados podemos ser em nossas mentes antes que isso ultrapasse a membrana da realidade e se torne algo empírico, afinal o que torna algo real ou não é nossa consciência, o que torna o mundo o mundo é a nossa percepção de que aquilo é um mundo.


Filme: The Backwater Gospel
Elenco: Zebulon Whatley, Lucien Dodge, Phillip Sacramento, Laura Post, Robert Bennett
Direção: Bo Mathorne
Roteiro: Bo Mathorne, Zebulon Whatley
Produção: Dinamarca
Ano: 2011
Gênero: Horror, Animação, Curta.
Sinopse: A história acontece na minúscula cidade de Backwater, que recebe a visita do agente funerário (undertaker), que simboliza a morte. A sua chegada é o prenúncio de que alguém irá morrer. Com isso, todos os moradores de Backwater entram num clima de medo e tensão. Como a população irá lidar com essa situação?
Distribuidor: The Animation Workshop
Streaming: YouTube
Nota: 10

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