CRÍTICA – CATÁSTROFE NUCLEAR

CRÍTICA – CATÁSTROFE NUCLEAR

Nada melhor do que começar já falando sobre as catástrofes nucleares da ficção, aproveitando o número considerável de pesquisas sobre a possível Terceira Guerra Mundial. Irônico, já que nunca se parou de guerrear, só há uma seleção sobre quais lugares se sensibilizar ou ignorar. Tragédia seletiva.

Threads, ou Catástrofe Nuclear (1984) é uma obra-prima sobre o tema que leva em seu título traduzido. O longa-metragem é avassalador, rasgando as feridas e perfurando os cérebros dos espectadores. Construindo um realismo aterrorizante, em seus primeiros minutos enganando o público, possuindo a leveza de um simples dia-a-dia em um contexto histórico que o temor do famoso inverno nuclear era palpável, capaz de ser encorpado por sabores e texturas. Considere que na década de 60, a crise dos mísseis em Cuba quase foi o estopim para o quase extermínio da raça humana e levariam ainda mais um bom bocado de décadas para os espíritos da Guerra Fria se apaziguarem.

A primeira sacada inteligente é se prender há um cotidiano simples, com atores desconhecidos e uma narrativa que denúncia a tragédia de maneira sublime. Notícias na televisão, relatos do provável conflito que ocorre no Oriente Médio, com seus personagens notando como espectros a desgraça que, nós espectadores sabemos que há de vir. O estudo cuidadoso, por parte do diretor, sobre as consequências físicas, sociais e políticas de um ataque nuclear deixa tudo mais delicado, impactante e horroroso. Um filme, que devidas as circunstâncias atuais, rememorando das desgraças que ocorreram e que podem, muito bem, se concretizar.

Não alivia num segundo sequer após a explosão, sua hecatombe infernal que regurgita no trauma, no extermínio, no descontrole total provocado pela ciência e seu símbolo máximo: a bomba atômica. Se há uma crença geral de que a ciência progride a raça humana, racionaliza os processos naturais e dá formas para entender os significados e funcionamentos do mundo como um todo, aqui é exemplificado seu potencial destruidor.

Ver de maneira nua e crua toda a violência que expõe sensibiliza, não há maneira de seguir confortável o longa-metragem, em alguma cena o coração irá palpitar, acelerar e provocar aquele arrepio que devora sua nuca. Não tem preparo, não tem violência que já tenha sido assistida que se compare com a crueza de entender, que tudo aquilo que é exposto é realidade. O filme inclusive credita o renomado Carl Sagan e muitos outros cientistas como equipe consultora, para tentar representar com maior verossimilhança um desastre desta escala.

A desestabilização política e social é traumática. Não há proteção, aliás, chega a ser claustrofóbico ver as personagens na condição em que se encontram. Crianças, animais, idosos, adultos e jovens sofrem em patamar de igualdade. Quando os primeiros impactos apaziguam, tem que se lidar com a “sociedade” pós-explosão. Coloco “sociedade” entre aspas, porque o que havia de “normalidade” naquela construção de narrativa inicial é jogado no lixo. Tudo isso auxiliado por passagens de tempo, mostrando as mudanças imediatas segundos após a explosão, até anos depois do impacto. Ver pelos olhos de uma nova geração, crianças da era radioativa, a tragédia de um mundo sem cor, sem música, sem contos de fada. É não ter direito a bolacha com leite enquanto assiste desenho animado, sentado no sofá em frente à televisão. É brutalidade, desgraça, abuso e desespero normalizados, sendo a única referência para aqueles que nascem em um mundo que nem o cheiro perfumado das flores existe.

Seu cartaz com o homem mascarado, carcomido e sujo pela realidade atômica representa muito bem o ápice do Séc. XX e suas tecnologias. É uma ameaça constante, realçada conforme o contexto histórico. O ser humano é o único animal com potencial autodestrutivo, levando sabe-se lá quantas outros juntos. Ignoramos através dos trabalhos, hobbies, momentos e sonhos, no entanto, ainda existem os operadores que com um simples apertar de botão colocarão a humanidade toda em cheque. Talvez seja mesmo a vez das baratas.

Vá preparado e de peito aberto a possíveis gatilhos de ansiedade e preocupação devido as condições que nós seres humanos nos encontramos na atualidade. É um filme acima de tudo forte e bruto, capaz de acessar temores profundos, por mais que nunca seja creditado como um filme de terror. Sua produção é para televisão, então não espere uma qualidade há nível dos blockbusters de sua época, mas envelheceu muito bem e possui aquele charme de uma época onde o cinema não estava recheados de efeitos artificiais feitos por computadores, o que reforça seu realismo. Threads é a primeira ameaça nuclear que aparece por aqui, mas lhe garanto, outros horrores serão explorados em cima da mesma temática. Caso venha a assistir, lhe convido a acompanhar essa jornada radioativa e temerosa…


Filme: Threads (Catástrofe Nuclear)
Elenco: Karen Meagher, Reece Dinsdale, David Brierly
Direção: Mick Jackson
Roteiro: Barry Hines
ProduçãoReino Unido, Austrália, Estados Unidos
Ano1984
GêneroDrama, Sci-fi, Thriller
Sinopse: Durante a Guerra Fria, a União Soviética avança sobre o Irã para torna-lo um país soviético. Os Estados Unidos, Inglaterra e outros membros da OTAN intervêm militarmente na invasão soviética no Oriente Médio provocando uma crise diplomática. Longe dali, na cidade de Sheffield no interior do Reino Unido, os jovens apaixonados Ruth e Jimmy encontram coragem para contar a suas famílias que terão seu primeiro filho. Enquanto o casal estão em viagem para Sheffield ao encontro de seus familiares, em uma tentativa de retaliação definitiva a União Soviética lança seus misseis nucleares sobre a Europa e a América do Norte, que devolvem ao mesmo nível, levando a humanidade de volta a idade da pedra, sem água ou energia elétrica.
Classificação14 anos
DistribuidorVersátil
Streaming: Não disponível
Nota9,5

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2 thoughts on “CRÍTICA – CATÁSTROFE NUCLEAR

  1. Vi esse filme ontem. E é isso tudo que você escreveu mesmo. Por quase 2 horas parecia que voltei para os anos 80 e todo aquele clima da guerra fria. Cada detalhe minuciosamente descrito… A cena final então…. Ficava me perguntando como o filme terminaria. Achei ela bem apropriada.

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