CRÍTICA  – A COR PÚRPURA

CRÍTICA – A COR PÚRPURA

Após quase 40 anos desde o seu lançamento no cinema, “A Cor Púrpura”, obra adaptada da escritora Alice Walker, recebe um novo olhar no cinema sob a direção artística de Blitz Bazawule. A obra original foi trazida às telas por Steven Spielberg em 1985, um homem branco de classe social equilibrada, envolto pela perspectiva de Hollywood na época. Semelhante a Spielberg, Bazawule também explora o melodrama presente no âmago de seus personagens e na complexa teia de relacionamentos que os envolvem. No entanto, ao contrário de seu predecessor, a potência das imagens na nova adaptação não alcança a mesma profundidade emocional que caracterizava a primeira adaptação. Em vez disso, encontramos momentos excepcionais, especialmente nas interações entre os personagens na encenação, mas que não conseguem estabelecer uma conexão sincera capaz de evocar as mesmas emoções intensas que as lágrimas dos personagens do filme anterior.

A protagonista, Celie, após dar à luz dois filhos de seu suposto pai, é vendida para “Mister”, um homem abusivo que já teve três esposas diferentes. Quando sua irmã foge de casa para viver com ela, Celie é expulsa do local por se recusar a se deitar com “Mister”. A trama se desenrola a partir desse momento, explorando os desafios enfrentados por Celie durante esse período, até seu eventual reencontro – ou não – com sua própria irmã.

Um dos elementos mais prevalentes para impulsionar a narrativa é a presença constante de gestos violentos, frequentemente perpetrados por figuras masculinas. Após a era da escravidão, os homens negros muitas vezes se veem em posições de poder nas quais não estão acostumados, e suas interações são marcadas por comportamentos agressivos em relação às mulheres que, apesar de cuidarem do lar aparentemente, são as que mais sofrem com essa estrutura opressiva. Embora haja diálogos que abordem esses problemas, nada justifica o tratamento abusivo e as cicatrizes visíveis que deixam em seus corpos, assim como os padrões de comportamento que passam muitas vezes por uma atmosfera invisível.

Os brancos também têm seu tempo em cena, mas para reforçar a ideia de superioridade por meio atos de brutalidade, como os homens negros na história. Em uma cena, uma mulher oferece a Sofia, uma das personagens que luta contra essa submissão, a posição de empregada, como uma tentativa de diminuí-la. Além disso, o prefeito aproxima-se de Sofia para intimidá-la, o que acaba sofrendo um tapa em seu rosto. Após esse ato contra um dos brancos, o resultado é um ferimento grave em seu olho e anos de aprisionamento injusto.

Para compreender a submissão das personagens femininas nesse ambiente ameaçador, é essencial analisar as motivações que as impulsionam. Enquanto Sofia e Shug Avery enfrentam as adversidades com desafio e sarcasmo, a protagonista Celie luta com resiliência em busca de um futuro melhor, especialmente em relação ao possível reencontro com sua irmã. Levam-se anos para que ela finalmente confronte “Mister” em busca de respeito e empatia, mas quando isso acontece, não é tão impactante quanto no filme de Spielberg, o que é uma pena.

É intrigante ver essa obra adaptada para um formato musical, pois os momentos mais marcantes do filme residem na sinceridade da expressão musical. A música oferece um refúgio bem-vindo do caos, além de alimentar nossa imaginação durante os momentos mais difíceis. No entanto, o estilo marcante do diretor, presente mesmo em cenas sem música, pode ser perturbador, pois revela claramente suas intenções. Quando o texto, a imagem e a composição são tão explícitos, há pouco espaço para uma interpretação artística mais subjetiva. A escolha de uma estética fotográfica mais “bonita” acaba por diminuir o impacto visual da obra, especialmente considerando uma história que aborda tantos elementos estruturais que continuam relevantes hoje, como a comunicação entre pessoas negras.

Outro aspecto problemático é o ritmo das sequências, que variam entre diálogos prolongados em alguns momentos e resoluções rápidas em outros. Lidar com uma obra tão extensa não é tarefa fácil, mas essa não deveria ser uma preocupação para Blitz Bazawule. A linguagem cinematográfica muitas vezes se beneficia de uma abordagem visual concisa para sintetizar informações, e a opção por explorar cada subtrama acabou resultando em uma obra um tanto cansativa em seu desfecho. Embora o reencontro entre as irmãs seja interessante, falta-lhe sinceridade, como na cena em que Sofia chora em agradecimento a Celie.

Infelizmente, Blitz Bazawule foi prejudicado, A Cor Púrpura de Steven Spielberg, tinha menos vontade de detalhar cada núcleo da história e em vez disso,  trouxe a Celie de Whoopi Goldberg, onde nos reencontramos até hoje.


Filme: The Color Purple (A Cor Púrpura)
Elenco: Fantasia Barrino, Phylicia Mpasi, Taraji P. Henson, Danielle Brooks, Colman Domingo, Corey Hawkins, H.E.R., Ciara Princess Harris-Wilson e Halle Bailey
Direção: Blitz Bazawule
Roteiro: Marcus Gardley
Produção: Estados Unidos
Ano: 2023
Gênero: Comédia, Drama, Musical
Sinopse: Separada da irmã e filhos, Celie enfrenta muitas dificuldades na vida, incluindo um marido abusivo. Com o apoio da cantora Shug Avery e sua enteada, Celie encontra uma força extraordinária nos laços inquebráveis de um novo tipo de sororidade.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Warner Bros
Streaming: Indisponível
Nota: 6,5

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *