CRÍTICA – GHOST: DO OUTRO LADO DA VIDA

CRÍTICA – GHOST: DO OUTRO LADO DA VIDA

Revisitar um clássico entre os clássicos é sempre uma atividade no mínimo interessante. Agora, adentrar na história do ícone unanime de todas as mães da década de 90 é uma tarefa intrigante. Dias onde Patrick Swayze compunha parte da decoração em guarda-roupas com cartazes e pôsteres. Ghost é daqueles filmes que mesmo que você não tenha visto, você o reconhece por imagens, por cenas que marcaram a trajetória do cinema romanesco (a do vaso sendo esculpido, por exemplo) ou alguma música de sua trilha sonora.

Responsável por retirar uns bons números de lágrimas, seu roteiro lidando com o conflito de um amor pós-vida, os limites entre a crença e a descrença, culminando na redenção de uma alma que ainda não havia cumprido por total seu papel em dias terrenos. Não há nada de inovador, trata-se do romance mais clichê possível, mas em dias de decadência do cinema de ação, é um respiro da indústria hollywoodiana. O elenco de atores entrega um trabalho competente: Molly Jensen (Demi Moore) tem cenas que transmite de um modo muito verdadeiro o trauma da experiência de perder o companheiro em um assalto. Já Sam Wheat (Patrick Swayze) é um personagem ingênuo, típico norte-americano na ascensão de sua carreira profissional, sonhando com a conquista do mundo. Carl Bruner (Tony Goldwyn) é o vilão que automaticamente antagonizamos, entregando com extrema competência emoções narcisistas e cobiçadoras. Mas, se for elencar um destaque, ninguém ganha de Oda Mae Brown (Whoopi Goldberg) com seu carisma que surpreende e domina independente do filme em que trabalha e, para o fantasma dos trens (Vincent Schiavelli) que tem uma participação pequena, no entanto, marcante pelas sábias decisões que toma enquanto espírito.

Inicialmente, o longa seguiu pelo já esperado: implanta os desafios da alma que não aceitou a própria morte, o luto de Molly e sua traumática experiência, a busca pelo amor não correspondido de Carl e as cômicas interações entre a médium Oda e o espírito de Sam. Descobrimos muito pouco sobre o outro lado, além da presença intimidadora dos metrôs de Nova York. Porém, há uma trama de escritório, uma trama financeira e criminosa, de que de cara gera certa estranheza. Toma o rumo da ansiedade, do desespero da limitação de Sam presenciando os perigos que surgem em torno de Molly, ainda não ligados diretamente ao seu velho amigo Carl (que é de início somente um rival amoroso). Alguém está lavando dinheiro e descobrimos junto da protagonista que sua morte não foi incidental, mas sim premeditada.  Através de Oda, Sam tenta alertar Molly de que o bandido que o assassinou pretende procurar algo em seu apartamento, colocando a vida dela em perigo. Não demora muito para estabelecer a conexão entre Willie Lopez (Rick Avilles) e Carl. Tudo segue nos parâmetros esperados, com o perigo escalonando: Sam atrapalhando a vida de Carl, que tenta resgatar o dinheiro de uma conta fantasma para a máfia que está associado, usando de Willie para execução de tarefas mais sujas.

Sam nessa jornada, lembra que o espírito dos metrôs consegue interagir com objetos materiais, utilizando da força de vontade, o que iremos chamar a partir daqui de “Força” (um abraço para você George Lucas). Com esses novos poderes, Sam adquire poderes não só empurrar e mover objetos, mas também lesionar outras pessoas do mundo terreno. E, quando menos se espera, a narrativa penetra em um ritmo de ação que consagra a estranheza inicial: há um embate entre Willie e Sam, onde o assassino apavorado foge de seu apartamento e, sendo atropelado por um veículo no meio da rua. Willie morto, em forma espiritual encara o próprio cadáver tal qual Sam quando foi executado.

Então surgem gritos infernais, um vento sobrenatural se manifesta e, o que iremos chamar de demônios saem das vielas, arrastando o espírito pecador de Willie para o inferno – os efeitos especiais envelheceram bem mal, o que deixa aquela pitada trash mais incrível. Essa concretização do mundo paralelo, da bipolaridade paraíso e inferno judaico-cristã é tão contrastante com os tons anteriores da edição e roteiro que parece que um redemoinho atravessou a criatividade. E não no sentido crítico, apesar de destoante, surgindo uma intrigante curiosidade: e se o filme tivesse optado por explorar mais os caminhos de um espírito vagante pela materialidade, pouco a pouco adentrando nas brechas do imaterial, desenrolando toda uma mitologia sem o fetichismo moralista absurdo do cinema cristão conservador?

E não, não é esse o último momento, pois o filme segue para o clímax de sua história e, aqui é onde ele salta aos gritos do estranho e bizarro – afinal, dependendo do público pode sair pela culatra o que antigamente poderíamos chamar de cena romântica clichê. Sam descobre que consegue possuir as pessoas e, com a permissão de Oda, adentra em seu corpo para falar com Molly. O filme opta por retirar Whoopi Goldberg de cena, substituindo-a por Patrick Swayze. Mas, no plano físico é Oda que está interagindo com Molly. A cena constrói tensões apaixonantes e sexuais, Molly carrega uma saudade quase física de seu companheiro. Eles se aproximam, a música cresce e eles começam a dançar e – juro, fiquei o momento inteiro desacreditado de olhos arregalados – aguardando pelo beijo dos dois. De início ri, depois fiquei atônito e, por fim assustado por esse detalhe ser ignorado pela grande parte do público. A cena era para ser emocionante, tocando os corações ansiosos pela separação do casal entre o mundo material e imaterial, porém, é uma das coisas mais bizarras já presenciadas, escoando pelo ralo toda a beleza, reinando a bizarrice e as risadas de nervosismo por tentar compreender as decisões criativas dos roteiristas. Não para por aqui, pois em seu ápice romântico, as personagens são interrompidas pelo aparecimento do vilão Carl, que busca em Molly um meio de se vingar por ter perdido tudo. Sam se vê incapacitado por ter gasto muita energia possuindo Oda, sem meios de atacar Carl com a “força”. Oda e Molly fogem do vilão que carrega seu revolver, imbuído de ódio e sanguinolência.

O filme perde total controle, escalando para o quase total absurdo. Sam recupera as forças magicamente, enfrentando Carl com seus poderes quase ilimitados aqui. Surgem aqueles perigos gratuitos para gerar tensão no espectador. Por conta do filme não ter estabelecido regras ou funcionamentos verossimilhantes para os poderes de Sam, o roteiro faz aquilo que lhe é conveniente, decidindo pelo absurdo de um final que é cômico/estranho/bizarro simultaneamente, gerando um conflito de sentimentos que não é resolvido nem mesmo no clímax da luta entre o espírito herói e o ser humano maligno e corrupto. Afinal, a suprema congregação da destoante é o desfecho de Carl! Sam o arremessa em uma janela antiga do sótão do edifício antigo, Carl se esbarra na janela e a vidraça cai no rumo do seu peito e estômago, penetrando em seu corpo, com direito a sangue, gritos e um toque de gore que a única reação plausível é ficar de olhos escancarados sem acreditar no que é testemunhado.

 

Cena: Carl morto na janela. 

 

Não haviam lembranças presentes sobre essa conclusão, muito menos dos mesmos demônios que levam Willie, levando a alma de Carl para o inferno. Com certeza esse trecho final foi censurado na televisão aberta brasileira, se não haveria toda uma geração que ainda falaria sobre a morte grotesca do final.

O longa-metragem se mostrou muito além de um filme clássico dos sábados a noites e das sessões da tarde, denotando uma face jamais esperada nessa revisitada ao seu pouco explorado sobrenatural e clichê romanesco. No fim, o que é guardado desta experiência são os ápices destoantes e as risadas de nervoso das tantas questões levantadas e não respondidas. Desvanece o romance, desvanece a trama criminal, desvanece a busca pela redenção do espírito que não cumpriu seu dever em terra. Sam vai para o paraíso – com aquele tosco efeito especial – e, nós espectadores com algo que não desceu da maneira correta, indigesto, porém com certo grau de satisfação e diversão. Mas, não, não valeria repetir a refeição. Está ai um clássico que deve permanecer somente na memória nostálgica de dias passados.


  Filme: Ghost (Ghost: Do Outro Lado da Vida)
Direção: Jerry Zucker
Roteiro: Bruce Joel Rubin
ProduçãoEstados Unidos
Ano: 1990
Gênero: Drama, Fantasia, Romance
Sinopse: Sam Wheat (Patrick Swayze) e Molly Jensen (Demi Moore) formam um casal muito apaixonado que tem suas vidas destruídas, pois ao voltarem de uma apresentação de “Hamlet” são atacados e Sam é morto. No entanto, seu espírito não vai para o outro plano e decide ajudar Molly, pois ela corre o risco de ser morta e quem comanda a trama, e o mesmo que tirou sua vida, é quem Sam considerava seu melhor amigo. Para poder se comunicar com Molly ele utiliza Oda Mae Brown (Whoopi Goldberg), uma médium trambiqueira que consegue ouvi-lo, para desta maneira alertar sua esposa do perigo que corre.
Classificação: 14
Distribuidor: Paramount Pictures
Streaming: Telecine, Paramount+
Nota: 6,5

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