CRÍTICA – SOFTIE

CRÍTICA – SOFTIE

Sabemos que a infância, para muitos, não é um período fácil da vida.  Ela pode ser um momento de descobertas e de desejos que se baseiam através de vivências muitas vezes traumáticas. No caso de uma criança que está descobrindo sua sexualidade, dependendo do seu meio de convivência, barreiras podem dificultar essa autopercepção, acarretando pensamentos desordenados e, consequentemente, maiores sofrimentos diante de uma sociedade tão preconceituosa e julgadora. Em Softie, acompanhamos a realidade de Johnny, um menino de 10 anos que se diferencia do seu meio pela sua perspicácia, inteligência e sensibilidade. Por vezes, aparenta até ser mais velho, já que adquiriu uma boa maturidade ajudando nas tarefas de casa, já que sua mãe cria ele e seus irmãos sozinha. Nesse sentido, com a chegada de um novo professor na escola, que enxerga um grande potencial em Johnny, o menino se vê em uma situação em que novos sentidos, pensamentos e desejos se manifestam. 

De acordo com o próprio diretor, Samuel Theis, de “Party Girl”, o filme possui traços autobiográficos. E isso é nítido. É uma história muito palpável, que poderia acontecer no nosso bairro, no nosso prédio ou até na nossa família. Johnny, interpretado brilhantemente por Aliocha Reinert, é um dos grandes responsáveis pelo cuidado da casa e da família, mas ainda é um menino de 10 anos que está se conhecendo. Ele é atravessado por um turbilhão de responsabilidades, que o fazem sentir-se esgotado. Uma mãe que enfrenta dificuldades financeiras e está sempre trazendo homens para dentro de casa. Um irmão mais velho que prefere passar um tempo com a namorada e usar drogas ao invés de ajudar em casa. Uma cobrança por parte da mãe para que seja um rapaz mais durão e se imponha mais. Mas, no fim de tudo, ele ainda é uma criança. Johnny não se sente acolhido ou amparado, mas se sente cobrado, confuso e com raiva. Seu novo professor, então, torna-se um alívio para toda essa situação, já que o escuta e o trata como a criança que ele deveria ser. 

É um filme que trata de questões muito delicadas. Eu diria que é um retrato de uma vivência da classe trabalhadora. A mãe de Johnny, mesmo que às vezes irresponsável por beber demais e tratar seu filho como se fosse um adulto, está preocupada em como irá pagar o aluguel e como cuidará de seus filhos. Culpá-la por querer que eles tenham autonomia e por ser dura seria não compreender sua realidade. Fora isso, também devemos entender que essa paixão que Johnny desenvolve por seu professor, que é retratada da forma mais cuidadosa e decente possível, é fruto de um problema estrutural. Além disso, uma das cenas mais impactantes do filme, a qual revela-se ao professor o sentimento de Johnny, é de cortar o coração. Não está alí somente para nos impactar, porém está ali porque sabemos que aquilo não é amor, é carência de afeto. Carência essa que muitos meninos que passam por questões de gênero e sexualidade passam todos os dias, até mesmo na vida adulta. E essa cena é o auge desse desprovimento, que acarreta ainda mais questionamentos na vida desse menino.

Além de um roteiro impecável e real, o filme é muito sensível ao retratar essa busca por afeto. Vemos Johnny tirando as tranças de sua mãe, a abraçando e fazendo carinho. É lindo ver as brincadeiras dele com sua irmã mais nova, que é sua fiel escudeira. A cena final, inclusive, que ele se olha no espelho para tentar reconhecer o seu novo eu e dança, sentindo-se mais livre, é emocionante. Nada é simplista, tudo é muito profundo. A todo tempo o filme caminha lidando com questões fortes, que questionam até a ética social, mas nada é tão fácil assim de se chegar em uma conclusão. E é isso que faz o filme ser tão potente. 

SOFTIE é suave como um furacão. Detalhista, íntimo e poderoso em suas diversas camadas de mensagem. Um filme essencial para novas gerações de pais por aí. Todos nós vamos, mesmo que minimamente, nos identificar com algo dentro dessa obra. É tão real que chega a doer. Não é à toa a quantidade de prêmios e indicações, que incluem uma nomeação ao Prêmio Queer Palm em Cannes e a indicação do talentosíssimo protagonista ao César de melhor ator promissor.

Filme: Softie
Elenco: Aliocha Reinert, Antoine Reinartz, Melissa Olexa, Izïa Higelin, Jade Schwartz, Ilario Gallo, Abdel Benchendikh, Romane Esch, Jonathan Zito
Direção: Samuel Theis
Roteiro: Samuel Theis
Produção: França
Ano: 2021
Gênero: Drama
Sinopse: Johnny tem 10 anos e se destaca em sua família por sua sagacidade e sensibilidade. Ele observa, entre outras coisas, as dificuldades que sua mãe (Melissa Olexa) enfrenta o criando sozinha. Tudo muda com a chegada de um novo professor, o Sr. Adamski (Antonie Reinartz), que vê no garoto um grande potencial.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Pandora Filmes
Streaming: Não disponível
Nota: 9,0

*Estreia dia 07 de dezembro de 2023 nos cinemas*

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