CRÍTICA – LAAFI, TUDO ESTÁ BEM

CRÍTICA – LAAFI, TUDO ESTÁ BEM

Antes de tudo, é crucial ressaltar o profundo impacto do falecimento do diretor S. Pierre Yameogo no cenário do cinema africano. Sua partida deixou uma lacuna considerável no mundo cinematográfico contemporâneo, especialmente por sua habilidade em abordar as complexidades e controvérsias enfrentadas por seu próprio povo. Enquanto muitas vezes a Europa romantiza suas formas e narrativas, Yameogo optava por retratar os rostos e corpos de maneira pragmática e genuína. Dentro desse contexto vasto, destaca-se “Laafi, Tudo Está Bem”, disponível no catálogo da Filmicca, um serviço de streaming com uma programação abrangente que reúne obras de diversos continentes, ansiosas para serem descobertas e apreciadas por curiosos e espectadores.

A trama de “Laafi, Tudo Está Bem” gira em torno do protagonista, Joe, que, após concluir o ensino médio, nutre o desejo de estudar medicina na França. No entanto, a concretização desse sonho exige enfrentar uma série de burocracias governamentais. Desde o início até o desfecho, somos levados a acompanhar a jornada desse jovem, que parece percorrer os espaços em busca de fragmentos de respostas por meio dos personagens que surgem em seu caminho. A abordagem de S. Pierre Yameogo na direção e no desenvolvimento de seus personagens compartilha semelhanças marcantes com as narrativas neorrealistas de cineastas como Vittorio De Sica e Roberto Rossellini. Há uma clara inocência nas interações, que revelam maldade e curiosidade em contraste com nosso protagonista, que mais observa do que provoca mudanças. Nesse sentido, Joe assume o papel de observador em meio a um cenário de relações que frequentemente surpreendem, em um estilo que se assemelha ao neorrealismo cinematográfico.

Diante dos imprevistos e das limitadas possibilidades de sucesso – afinal, Joe, como evidenciado por suas interações, já se considera sortudo por ter concluído o ensino médio –, o personagem perambula em busca da esquiva recomendação ministerial. Essa busca é retratada com um toque realista que muitas vezes beira o cômico, dada a abundância de dificuldades e burocracias. É interessante observar que, mesmo nos breves momentos em que personagens secundários aparecem na tela, conseguimos captar suas características distintas e, às vezes, suas filosofias de vida. No desfecho final, quando Joe atinge seu desfecho, um dos personagens começa a refletir sobre o que significa pertencer àquela região. Ele reconhece o paradoxo de uma situação em que a acomodação é inevitável, dadas as circunstâncias e a idade, mesmo quando a escolha parece escassa. 

Um outro ponto de intrigante destaque é a influência dos personagens que alternadamente motivam e desmotivam Joe durante sua jornada. Parece que todos compreendem profundamente o que Joe está sentindo diante de suas frustrações e emoções. É possível ir ainda mais longe e argumentar que Joe incorpora o próprio ambiente, tornando-se uma representação humana dele. A principal motivação de Joe para se tornar médico está enraizada na doença persistente que acomete seu pai há anos. Da mesma forma que os indivíduos daquele ambiente frequentemente tiveram suas escolhas limitadas, Joe se vê diante de um momento crucial de decisão. Será que ele está fazendo uma escolha verdadeiramente sua ou está sendo guiado por uma direção já predestinada? 

De qualquer maneira, nosso protagonista, que inicialmente estava destinado a ser apenas mais um habitante daquela região, diferentemente dos outros personagens, Joe aparentava perdido em suas próprios pensamentos internos, sem dialogar praticamente nada, acaba conquistando uma vaga na faculdade de medicina por meio da mesma força que o puxou para longe de seu sonho: o cotidiano. Antes de partir, Joe faz uma breve pausa e contempla seus amigos e familiares. O quadro congela, enquanto o som do ambiente continua. Nesse momento, S. Pierre Yameogo, o diretor, captura o tempo em um frame final de seu protagonista, Joe, o observador.

Filme: Laafi – Tout va bien (Laafi – Tudo Está Bem)
Elenco: Elie Yameogo, Aline Hortnese Zoungrana, Denis Yameogo, Cheick Kone
Direção: S. Pierre Yameogo
Roteiro: S. Pierre Yameogo
Produção: Burkina Faso, Suíça
Ano: 1991
Gênero: Drama
Sinopse: Um grande dia para Joe: ele acabou de concluir o ensino médio e quer estudar medicina na França, mas para isso precisa se dirigir ao Ministério da Educação em Ouagadougou. Entretanto, segue-se uma série de processos administrativos, além do fato de que em Burkina Faso, como em qualquer outro lugar do mundo, são as conexões que colocam em movimento a máquina burocrática.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Amorces Diffusion
Streaming: Filmicca
Nota: 7,5

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