CRÍTICA – MEDUSA

CRÍTICA – MEDUSA

É pública e notória a tragédia anunciada pelo o que convencionou-se denominar “polarização política” no Brasil. Há sobre essa tal polarização uma incansável disputa narrativa e um sem fim de materiais produzidos pela mesma disputa. No entanto, há um tópico absolutamente sensível tanto para aqueles que consideram-se de esquerda/democratas quanto para aqueles que se consideram de direita ou mesmo bolsonaristas. Esse tópico é tratado com muito preconceito e proporcional timidez que, na cabeça de alguns, serve para evitar que se enlambuzem  na tal ignorância de que tanto acusam aqueles que em geral  se identificam como sendo de direita. Já as lideranças de direita utilizam esse fator tão primordial para a existência humana justamente para produzir não um lamaçal sobre si mesmos, mas uma série de tsunamis capaz de afundar o país em desgraça. 

O filme “Medusa” dirigido e escrito por Anita Rocha da Silveira, é uma das raras obras brasileiras que, com considerável investimento de tempo e dinheiro, trata de forma corajosa, comprometida e inteligente o lugar da religião no Brasil de hoje e/ou no Brasil de alguns anos à frente.

Há algum tempo a sociedade brasileira tem sido forçada a se politizar ou pensar sobre política. Um grupo de pessoas embarcaram de forma mais ou menos consciente na luta milenar contra a misoginia e suas variações. Algumas até já se deram conta que é este, o da misoginia, o pilar fundamental do Ocidente, como afirmam alguns e algumas especialistas. Sendo então um pilar da nossa cultura, confrontá-la é confrontar muitas das nossas raízes, e portanto é confrontar também a tradução judaico-cristã. É no catolicismo que se preserva a nossa dose diária e milenar de crenças misóginas. O lugar que Eva, Maria, Madalena e tantas outras mulheres ocupam no Velho e no Novo Testamento são facilmente refratados ainda hoje no nosso dia-a-dia. E seguindo a onda de intromissão da religião na política, está a especulação e espetacularização promovida pelas redes sociais. O filme “Medusa” encara tudo isso.

O filme beira a distopia quando, numa realidade tão futurista quanto retrograda, apresenta-nos uma verdadeira milícia dos bons costumes sediada numa igreja cuja performance remete a cultos evangélicos. E o caráter histórico dessa ideia é nítido quando lembramos do exército de fiéis que danificaram ou destruíram símbolos pagãos na Grécia Antiga, a fim de varre-los da História. Como o filme assume um nível de violência, podemos até pensar no Massacre da Noite de São Bartolomeu, abençoado e celebrado pelo papa Gregório XIII, agora seria abençoado e ordenado pelo pastor. Tudo no filme “Medusa” consegue ser absolutamente relevante e instigante ao debate. Sejam questões ideológicas, estéticas ou técnicas. 

O filme tem na sua edição, bem como em algumas cenas, forte inspiração na montagem de filmes considerados clássicos europeus por cinéfilos e estudantes da área. O próprio uso do Som, alguns cortes abruptos, o uso de alguns artifícios e até mesmo a complexidade fantasmagórica do seu roteiro, nos trazem esse ar de familiaridade. O artifício das águas de variadas cores, é um exemplo dessa “importação” feita corriqueiramente por cineastas brasileiros que às vezes pode ser contraproducente. Mesmo assim vale ressaltar que o filme trata de um tema nacional com uma ideologia fincada no Brasil, embora com inspirações europeias. Isso por si só não deve de forma alguma ser algo problemático ou questionável, se bem feito. A questão é que há um flerte com o que chamo de “surrealismo intelectualizado” típico de determinada fase do cinema europeu e que pode causar, como causou, alguns danos ao filme, sobretudo no que diz respeito à fruição do público. 

É importante que se perceba o teor mais ou menos polêmico de tudo o que se diz sobre o filme. Isso significa que ele cumpre bem o seu papel e manda um recado: discutam, reflitam, sintam! No entanto, a camada da sociedade que se beneficiará da melhor fruição do mesmo, infelizmente, não costuma ser uma grande preocupação ou fator determinante na obra de algumas mentes. Brilhantes sempre, amplamente acessíveis, nem tanto. Tais questões, porém, se superam quando saímos do filme querendo assisti-lo novamente. 


Filme: Medusa
Elenco: Mari Oliveira, Lara Tremouroux, Joana Medeiros
Direção: Anita Rocha da Silveira
Roteiro: Anita Rocha da Silveira
Produção: Brasil
Ano: 2021
Gênero: Fantasia, Terror
Sinopse: Mariana é uma jovem que se força ao máximo manter a aparência de que é uma mulher perfeita. Para resistir à tentação, ela e suas amigas se esforçarão ao máximo e farão tudo em seu alcance para controlar tudo e todas à sua volta. Porém, a vontade de gritar é cada vez mais forte.
Classificação: 18 anos
Distribuidor: Vitrine Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 8,5

 

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