CRÍTICA – NOSSO SONHO

CRÍTICA – NOSSO SONHO

No Brasil as cinebiografias de bandas ou artistas musicais são quase que um gênero cinematográfico. Além de um histórico recente robusto, considerando as cinebiografias de um modo geral, é inegável o sucesso que esse tipo de filme faz com o público brasileiro, aquele tão arredio com obras produzidas em nosso próprio país. Só em 2023 três cinebiografias brasileiras chegaram aos cinemas: Meu Nome É Gal, Nosso Sonho e Mamonas Assassinas: O Impossível Não Existe (e ainda daria para adicionar Mussum: O Filmis nessa lista). E o que estes filmes tem em comum? O fator morte.

O filme Nosso Sonho, porém, se estabelece de uma forma um pouco diferente. O filme conta, ou gostaria de contar, a história da dupla de MC’s Claudinho e Buchecha, desde a sua origem até o trágico acidente de carro que vitimou Claudinho. Ou seja, por mais, que o fator morte esteja presente no imaginário de quem assiste ao filme, temos também a ideia de continuidade pelo fato de que Buchecha ainda vive. Esse é um ponto que, para mim, já estabelece um grau menor na relação filme x espectador. Afinal há o costume de que a obra seja póstuma em relação aos personagens principais, e em Nosso Sonho isso é meio que quebrado.

A emoção existe, óbvio. Sobretudo para quem acompanhou o surgimento da dupla e que dançou, copiando os passos de Claudinho, nas festas de aniversários e/ou comemorações em família ou com amigos. Quem fez isso levanta a mão. Eu levantei e sei que não estou sozinho nessa. Nosso Sonho tem esse poder de impactar. O resgate da história juntamente com as músicas escolhidas e tocadas durante o filme já fazem esse papel, mas o filme ganha ainda mais camadas através não só da origem daqueles personagens como pela atuação singular de Lucas Penteado. Claudinho possuía um brilho diferenciado na vida real e Lucas consegue entregar esse mesmo brilho em cena.

Mas ao assistir ao filme, uma pergunta começou a martelar em minha cabeça: “Nosso Sonho”. Sonho de quem? Evidente que a ideia sugerida seja pela capa, pela sinopse ou por tudo que seja vinculado ao filme nos leve à Claudinho e Buchecha como resposta. Mas será que é mesmo? Analisando essa obra com quase duas horas de duração senti que um outro personagem ganha muito destaque e compartilha dos muitos desejos dos protagonistas. Souza (Nando Cunha), o pai de Buchecha, tem grande relevância para um filme que não é sobre ele. Por vezes, e sou bastante sincero ao externar isso, senti que ao “Nosso Sonho” ele era parcela integrante, tamanha a devoção dada a ele por Buchecha que se espelhava até certo ponto no pai e estava sempre em busca de uma aceitação e aprovação daquele pai ausente e homem violento. Por Claudinho que pela falta de uma figura paterna via em Buchecha essa necessidade de ter seu pai próximo e fazia de tudo para a conciliação dos dois. E pelo diretor que não cansa de inserir um personagem detestável na trama tentando faze-lo parecer mais humano.

Poucos filmes conseguiram mudar tanto minha opinião ao passar dos dias como esse. Logo após os créditos, ainda anestesiado pela história de uma dupla que gostava, que como citei anteriormente, esteve presente através de suas músicas em aniversários e natais da minha família, o tinha como um belo filme e uma grande homenagem a Claudinho e Buchecha. Em questão de horas os conflitos começaram a me ocorrer. Primeiro essa insistência na presença do pai. Depois a completa nulidade da mãe de Buchecha. As mulheres nesse filme são meros objetos decorativos. Até mesmo à Lellê, que é uma atriz que possui uma presença em cena, não lhe é permitida qualquer ação mais duradoura a ponto de se estabelecer como parte da história. E assim fui percebendo outras falhas como a pouca quantidade de músicas da dupla utilizadas durante o filme e uma aceleração em determinados momentos da trama.

Mas nada me incomoda tanto, atualmente, quanto ao que percebo como uma falsa presença do Claudinho no filme. Por sorte o ator Lucas Penteado estava inspirado fazendo com que seu Claudinho sempre explodisse em tela. Mas até mesmo esse personagem é mais um agente de observação do Buchecha, do que um segundo protagonista. Aquela cena em que o diretor Eduardo Albergaria tenta construir uma mística com Claudinho na plateia olhando Buchecha se apresentando sozinho, reforça isso. O filme é sobre o sonho de Buchecha e seu pai. Claudinho era apenas uma peça para que este sonho se realizasse.

Dito isso é preciso, também, reconhecer o bom trabalho feito na construção basilar dessa história. A amizade entre eles é colocada de forma muito respeitosa e bonita no filme. Os atores mirins (Boca de 09 e Gustavo Coelho), que interpretam eles na infância, colocam toda a intensidade de uma amizade vivida nessa idade. Há uma cena especifica de um abraço entre eles que sentimos todo o afeto verdadeiro que existe ali. Na fase adulta já rasguei todos os elogios que podia para Lucas Penteado. Ele é a alma do filme. Fato inegável. Mas quem costura tudo isso é Juan Paiva com sua atuação honesta de um Buchecha tímido, sem muita confiança, mas sonhador.

Nosso Sonho acalenta os mais saudosistas, mas fere aqueles com um olhar mais aguçado. As músicas embalam. Olhar Claudinho ali, mesmo sendo vivido por um ator, nos leva de volta àquela época. O drama da periferia, ainda tão real, nos envolve. Mas aquele pai…esse eu não consigo superar. De tudo o que essa história proporcionou, Albergaria e seus parceiros de roteiro realmente acharam que aquele pai merecia qualquer tipo de destaque? Infelizmente a resposta é sim.


Filme: Nosso Sonho
Elenco: Juan Paiva, Lucas Penteado, Gustavo Coelho, Boca de 09, Lellê, Isabela Garcia, Antonio Pitanga, Nando Cunha
Direção: Eduardo Albergaria
Roteiro: Eduardo Albergaria, Daniel Dias, Mauricio Lissovsky, Fernando Velasco
Produção: Brasil
Ano: 2023
Gênero: Drama, Biografia
Sinopse:
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Vitrine Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 5,0

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *