CRÍTICA – O CLUBE

CRÍTICA – O CLUBE

Em uma casa amarela na região praiana de La Boca, no Chile, quatro padres e uma madre vivem confortavelmente. Em meio a orações, cantorias e refeições fartas, essa pequena comunidade isolada abriga padres pecadores. Entre seus pecados, todos os tipos de delitos. Cada um a sua maneira está ali para se regenerar através da penitência diária. A única mulher presente, uma madre autoproclamada, lhes vigia e toma conta das atividades diárias do abrigo. O Clube (El Club, 2015), de Pablo Larraín nos apresenta a esses personagens de maneira casual e sem alardes: apenas quatro homens e uma mulher, nenhuma “marca” em suas faces que leve a suspeitas. Pessoas comuns e ordinárias vivendo uma vida ordinária.

Algo muito específico em relação ao trabalho de Larraín (No, 2012; Spencer, 2021) está presente em tela desde os minutos iniciais de O Clube. A imagem esmaecida e levemente distorcida em alguns momentos cria no espectador o sentimento de que a narrativa exibida está a muitos anos de distância, em um universo paralelo, longe da realidade. Apesar disso, a temática abordada aqui está tão próxima de nós que é como se conhecêssemos alguns dos personagens presentes no filme.

No início da obra já somos pegos de surpresa, tanto quanto os “hóspedes” da casa de penitência, com a chegada de um quinto padre. Esse padre em questão afirma ser um homem direito e sem pecados, alegando não ter motivos para estar ali. Sua chegada levemente conturbada se torna um grande problema quando acontecimentos extremos atingem a paz na casa amarela.

Após a onda avassaladora da chegada do quinto homem, outro padre, García (Marcelo Alonso), chega à casa. Esse, superior a eles, está ali não para pagar penitências, mas com o intuito de fechar a casa, pois busca uma transformação na instituição Igreja. Seus ideais “modernos” confrontam a tradição já conhecida e perpetuada pelos padres mais velhos ali. É claro o desconforto do encontro, que cresce à medida que o recém-chegado padre entrevista os residentes dali, revirando seus passados e pecados.

O embate que acontece entre a nova igreja e a igreja tradicional só serve para nos dizer que na verdade nada foi mudado em relação aos regimentos internos da casa sagrada. É muito claro, em O Clube, o esvaziamento do discurso religioso sobre pecado e fé, uma vez que não há tanta diferença entre o padre novo e os padres velhos. O texto instigante e muito bem escrito aliado ao uso demasiado de palavras baixas e consideradas vulgares é um grande acerto do filme. Os diálogos nas cenas de entrevistas com os padres são tensos e dotados de um cinismo que vai muito bem com a língua espanhola.

Há ainda a inserção de um personagem extra, um forasteiro intruso que aparece somente para piorar as coisas paras os padres pecadores. Esse personagem é, talvez, o mais perturbado de todos os apresentados, e à sua maneira, ele atinge a cada um deles com sua presença cada vez maior ao redor da casa amarela. Outra personagem importante e construída de maneira singular é a madre Monica – interpretada por Antonia Zegers – que toma conta de tudo. Nas feições de uma “boa mulher de Deus”, se esconde – e não muito bem, se olharmos com atenção – sua dissimulação.

É preciso destacar a atuação de Alfredo Castro. Figura recorrente nos filmes de Pablo Larraín, ele desempenha em O Clube o padre Vidal, um homossexual que se reprime. Sua atuação é uma das mais marcantes e seu núcleo de narrativa é construído de maneira separada dos demais. Seus trejeitos e falas fazem dele um padre completo. Seu discurso sobre Deus e seu amor por todas as criaturas é desconcertante de se assistir, pois soa tão natural que quase esquecemos que é ficção, e sua relação com o cachorro de corrida utilizado pelos padres para apostas é um presente para quem assiste, uma vez que nessa relação homem-animal, um humaniza e animaliza o outro paralelamente, como mencionado por García em certo momento.

Se pararmos para analisar, a discussão em O Clube não é das mais originais. Criticar a Igreja Católica e seus dogmas e tradições absurdas é um senso comum em muitas obras no cinema e em qualquer outra arte. A originalidade do filme de Larraín está no seu texto provocativo e muitas vezes violento. Em certos momentos, é como se não soubéssemos do que aqueles personagens estão falando, porém, de repente os diálogos se conectam e o quebra-cabeça se monta. A violência física e visual também está presente, porém ela choca menos do que seu texto ácido e desconcertante.

A cena final do filme, que entoa o canto “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, tende piedade de nós e dai-nos a paz” conversa com a citação do livro de Gênesis no início: “Viu Deus que a luz era boa e separou luz de trevas.” Enquanto expõe que trevas e luz não podem ser separadas e que, muitas vezes, as trevas são o que prevalece, o canto desses padres, tanto os tradicionais quanto o novo, pede piedade. Uma piedade que não está disponível para qualquer um, é claro. E expõe que, para a igreja é muito fácil dar o perdão a quem peca, contanto que esse pecador seja a pessoa “certa”.

Ir até as últimas consequências em busca de um resultado satisfatório tem um significado muito forte, e a narrativa de O Clube nos mostra que não há percalços que possam impedir o objetivo de uma instituição empenhada em manter as aparências. Aqui, essa instituição calhou de ser a Igreja Católica. Os homens de Deus apresentados por Larraín, em sua banal e ordinária vida comum, formam uma espécie de retrato, que não necessariamente conversa somente com os homens de batina, mas com qualquer “homem de Deus”, independentemente de sua religião.


  Filme: El Club (O Clube)
Elenco: Alfredo Castro, Roberto Farías, Antonia Zegers, Jaime Vadell, Alejandro Goic, Alejandro Sieveking, Marcelo Alonso, José Soza, Francisco Reyes.
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Guillermo Calderón, Daniel Villalobos, Pablo Larraín
Produção: Chile
Ano: 2015
Gênero: Drama
Sinopse: Quatro padres vivem numa casa isolada à beira-mar. Cada um tem um pecado a ser expiado, e eles estão sob a direção de uma guardiã. Quando um quinto padre chega, ele desperta os pecados enterrados pelos quatro anteriores.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Imovision
Streaming: Reserva Imovision
Nota: 8,0

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